Let's talk about sex
No Brasil e no mundo há poucas obras teóricas sobre o erotismo nos quadrinhos, conheça um pouco mais sobre elas
Por Nobu Chinen
O
tema é sempre polêmico, porém, instigante. Para alguns, puro fetiche; para
outros, tabu. Sim, respeitável público, estamos falando de sexo.
Mais precisamente de sexo nos quadrinhos. E, sendo mais explícito (ops!),
de livros que tratam de sexo nos quadrinhos.
São raros os autores que dedicaram um olhar mais atento e específico a esse
gênero. Se bem que, de modo geral, os estudiosos incluam um capítulo sobre
o tema em suas obras e as enciclopédias de HQs não omitam os principais
personagens do ramo.
Mesmo estando desatualizada, a obra que serve como referência continua sendo
o excelente livro francês Erotisme et Pornographie dans la Bande Dessinée,
de Michel Bourgeois, editado em 1981 pela Jacques Glénat. Esse estudo
clássico faz um levantamento (epa!) bem amplo, começando pelos quadrinhos
norte-americanos da década de 1930. É um trabalho muito oportuno, pois na
época de seu lançamento refletia um momento particularmente rico da produção
européia, em que despontavam nomes como Guido Crepax, Georges Pichard e
Moebius. Vivia-se os gloriosos anos da famosa Métal Hurlant e de
sua congênere americana Heavy Metal, que exploravam o sexo e o erotismo
em doses anabolizadas. Mas o livro também dava uma passeada, obrigatória
por sinal, nos quadrinhos underground dos anos 60 e 70, igualmente
generosos em cenas de sexo.
No Brasil, não há nada remotamente parecido. Os desavisados talvez possam
se iludir com o título Quadrinhos, Sedução e Paixão, de Moacy Cirne,
mas dentre os diversos capítulos que formam seu interessante conteúdo, apenas
um é sobre erotismo nas HQs. O livro Psicologia e História em Quadrinhos,
de Francisco Assumpção, cujo escopo até permite uma abordagem um pouco mais
apropriada ao tema, dedica-se apenas parcialmente à sexualidade dos heróis
dos gibis.
Quatro livros tratam dos quadrinhos de sexo explícito ou "catecismos". O
Quadrinho Erótico de Carlos Zéfiro, de Otacílio d'Assunção Barros, e
A Arte Sacana de Carlos Zéfiro, de Joaquim Marinho, são dedicados
ao desenhista que, oculto sob pseudônimo, fez muito sucesso na décadas de
1950 e 1960. Sua obra, que virou cult (a ponto de ilustrar a capa
de um dos CDs de Marisa Monte), possui mais fama pela ousadia do que propriamente
pela qualidade artística. Os Alunos Sacanas de Carlos Zéfiro, também
de Joaquim Marinho, mostra o trabalho de artistas influenciados pelo estilo
de Zéfiro. Já Sacanas Made in USA, de Domingos Demasi, traz uns poucos
textos de comentário e reproduções de alguns eight pagers, também
conhecidos como dirty comics ou
tijuana bibles, as revistinhas de quadrinhos de sacanagem publicadas
nos anos 1930 e 40, nos Estados Unidos, que utilizavam personagens famosos
como Popeye e Dick Tracy, e se tornaram objeto de cobiça dos colecionadores.
Aliás, o livro americano Tijuana Bibles, de Bob Adelman, é uma edição
de luxo, com prefácio de Art Spiegelman e trata do mesmíssimo tema, mas
com muito mais profundidade (hã... sem trocadilho).
Os livros nacionais citados, além de serem restritos a uma única vertente,
a dos quadrinhos marginais distribuídos clandestinamente, também são limitados
como referência teórica.
Uma única editora brasileira publicou os três livros cujo conteúdo é predominantemente
voltado ao erotismo nas HQs e tem relevância significativa para o estudos
dos quadrinhos: a Opera
Graphica.
Curiosa e sintomaticamante, os três títulos dão ênfase à figura feminina,
às personagens sensuais e provocantes que povoam a imaginação e alimentam
a fantasia dos leitores de HQs, sabidamente, um público de predominância
masculina e adolescente, com hormônios em plena ebulição.
O primeiro livro é As Sedutoras dos Quadrinhos, de Marco Aurélio
Lucchetti, uma minienciclopédia que trata das mais sensuais e importantes
personagens femininas divididas em verbetes que cobrem - ou descobrem -
desde Jane e Betty Boop até Druuna e Lara Croft, passando por Vampirella
e a brasileira Mirza, de Eugenio Collonnese. Nota-se a intromissão, provavelmente
voluntária, de uma ou outra beldade que se tornou célebre não exatamente
nos quadrinhos, como a pin-up Betty Page, mas que tem todos os méritos
para figurar entre as demais heroínas.
A segunda obra é As Taradinhas dos Quadrinhos, de Franco de Rosa,
um livro de bolso com conteúdo bastante sucinto sobre as mais apetitosas
garotas das HQs. Uma edição de minúsculas proporções, mas grande o bastante
para introduzir o assunto (novamente, sem trocadilho) e despertar o interesse
pelas tais sexy girls.
E, finalmente, o mais recente lançamento do gênero: Tentação à Italiana,
de Gonçalo Júnior (leia aqui uma entrevista com ele).
Uma produção primorosa, extremamente caprichada, com direito a formato gigante,
capa dura, impressão em papel especial e projeto gráfico sofisticado. Um
padrão inédito para livros sobre quadrinhos editados no Brasil. Como o nome
indica, o autor se restringe às criações italianas, mas o faz de maneira
muito competente e abrangente, com a inclusão de menções à influência da
estética e do cinema daquele país. Além do mais, a "escola" erótica da "bota"
é responsável por algumas das mais belas e excitantes imagens dos quadrinhos
em todos os tempos, o que por si já justifica um volume dedicado a essa
produção.
O livro faz uma análise geral de vários autores de diversas épocas, mas
o estudo em detalhes se concentra na obra de três grandes feras: Guido Crepax,
o requintado autor de Valentina; Milo Manara, cujo traço deu vida a belíssimas
e fogosas mulheres, e Paolo Eleuteri Serpieri, criador das deslumbrantes
formas da heroína pós-apocalíptica Druuna. Tudo escrito num estilo irretocável
e generosamente ilustrado.
Estes três livros compõem uma boa biblioteca básica de um segmento que é,
provavelmente, o mais interessante dos quadrinhos eróticos. Talvez não sejam
suficientes para saciar as necessidades de quem espera encontrar um manual
no estilo "Tudo o que Você Queria Saber sobre Sexo. E com Balões", mas tanto
nas HQs como na vida real, é melhor ser um exímio especialista a respeito
de poucas e boas, a ter somente um conhecimento superficial sobre muitas.
Sejam elas sedutoras, taradinhas ou outras tentações.
Nobu Chinen é redator publicitário nos dias úteis e apreciador
de quadrinhos nos dias inúteis e não resiste a uma boa tentação, desde a
época da Edrel.