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Lourenço Mutarelli fala de A Soma de Tudo - Parte 1

1 dezembro 2001

A Soma de Tudo - Parte IA saga do Detetive Diomedes não será mais uma trilogia, mas sim um tetralogia. O álbum que encerraria suas aventuras, A Soma de Tudo foi desmembrado. Assim, a Parte 1 chega em novembro às livrarias e comic shops, ficando a conclusão para 2002.

A opção pela divisão ocorreu para manter o cronograma de lançar um volume por ano, e pelo fato de esta última parte ter o dobro de páginas das partes anteriores.

Na entrevista exclusiva que o Universo HQ realizou com Lourenço Mutarelli, em março, você já pode conferir, em primeiríssima mão, algumas das páginas do álbum. Agora, terá a chance de ver outras artes, além de uma sinopse da história, nas palavras do próprio autor.

Dizem que um dia existiu um grande ilusionista, o maior de todos e de todos os tempos.

Dizem que esse ilustre mágico viveu dias de glória, poder e sucesso. Dizem que, apesar de esquecido, basta evocar o seu nome para que todos, sem exceção, dele voltem a lembrar.

Dizem que seu nome é Enigmo.

O que ninguém sabe ao certo é como ou por que ele foi esquecido. Cada um busca dentro de si uma resposta para o seu desaparecimento. Alguns afirmam que ele perdeu sua habilidade; outros dizem que, depois de provar o sucesso, ele haveria se desencantado com a vida. Há ainda os que tentam explicar a curva natural de ascensão e decadência.

O Dobro de Cinco lança o detetive Diomedes em uma jornada sombria em busca desse antigo mágico que, depois de muito tempo, misteriosamente desapareceu da mídia.

Aos poucos, sua imagem foi sendo dissipada do imaginário popular, até cair em completo esquecimento. Sua imagem e seu nome permaneceram adormecidos até o dia em que um homem que se dizia chamar Hermes resolve buscá-lo. Para isso, ele bate às portas de Diomedes.

Dizem que nesse momento, após haver permanecido por mais de vinte anos nos umbrais do esquecimento, ao ser evocado, Enigmo manifesta-se impregnando o mundo com sua estranha magia.

Página de A Soma de Tudo - parte IEsse é o ponto de partida não só de O Dobro de Cinco, mas de toda a trilogia. Essa busca é a espinha dorsal que sustenta e motiva a obra. A cada volume um novo caso, um novo mistério, mas Enigmo mantém-se manifesto e presente em cada página.

Neste volume, Diomedes se envolve em uma nova trama, repleta de estranheza e magia. Desta vez, ele é enviado a Lisboa para investigar um novo caso, aparentemente sem nenhuma conexão com os demais, mas que traz, no fundo, a possibilidade de responder à verdadeira questão, o sustentáculo da trilogia: afinal de contas a magia existe ou não?

Se você vem acompanhando este trabalho, talvez já tenha percebido que caberá a você encontrar as respostas. Se você conhece Diomedes, deve entender o que tento dizer. Quanto a mim, resta afirmar que todas as peças desse quebra-cabeça estão sendo dadas. Em breve, espero que você já o tenha armado.

Quanto ao Diomedes... Segue o seu lema: "Servimos mais ou menos, pra servir de vez em quando."

Lourenço Mutarelli

Durante a produção de A Soma de Tudo, o autor perdeu o pai, que era o seu maior fã. A nota abaixo, que estará presente no álbum, é um emocionante depoimento sobre sua relação com Lourenço Mutarelli, o pai. Confira:

A Soma de Tudo - Nota do Autor

Em agosto de 1995, eu concluía A Confluência da Forquilha, talvez a história mais estranha que já produzi. Eu andava muito desiludido com as histórias em quadrinhos e havia decidido, dado esse descontentamento, que seria o último álbum que faria. Em virtude disso, dediquei-o a Lourenço Mutarelli, meu pai, o principal responsável por eu fazer o que faço. Foi ele quem me iniciou nesse fantástico mundo das histórias em quadrinhos.

Foi através de sua coleção que tive o primeiro contato com os clássicos dessa "Arte".

Em setembro de 1995, Francisco, meu filho, nascia. Eram dias difíceis de crise, as contas dobravam juntamente com as dívidas. Embora eu esteja falando no passado, nada mudou.

Como costumo dizer para Lucimar, minha esposa: estou vivendo uma momentânea crise financeira...há 37 anos.

Página de A Soma de Tudo - parte IA Devir Livraria, que sempre me apoiou desde o início, abraçou-me e acolheu-me, oferecendo trabalho, ilustrações para livros de RPG. Fiz incontáveis ilustrações.

Consegui realmente deixar de produzir quadrinhos de agosto de 1995 a junho de 1996. Exatamente 6 de junho de 1996, quando realizei uma história de sete páginas, intitulada Resignação. Foi o maior período de silêncio em minha carreira, e voltar a fazer quadrinhos reacendeu-me o incontrolável desejo de produzir este meu ofício. Mas eu não tinha tempo, precisava fazer as ilustrações de RPG.

No início de 1997, cheguei para meu grande amigo e editor Douglas Quinta Reis e disse: “Eu queria voltar a fazer quadrinhos, queria fazer uma história longa...”

Curiosamente, ele me disse: "Faça como hobby, faça durante seu tempo livre."

Eu nunca havia pensado em quadrinhos dessa forma... como um hobby?! Então, já que era um hobby, resolvi me distanciar um pouco das histórias sempre tão "quase" autobiográficas. Pensei em fazer uma história que eu gostaria de ler. Sentia falta da ação e da aventura tão presentes nos clássicos apresentados pelo meu pai... Sentia falta dos inúmeros livros de romance policial que li em minha adolescência... Sentia falta do tempo em que meu pai era delegado de polícia e levava seus inquéritos para casa... Nós nos sentávamos e discutíamos certos casos... Como a fragilidade humana, como as fraquezas transformavam seres comuns em criminosos...

Lembrava-me da indescritível sensação de contemplar as fotos da perícia... Todas aquelas pessoas mortas, de verdade, posando para as lentes de algum fotógrafo que provavelmente desenvolveu seu talento no início... bem no início... buscando o belo. Fotógrafos que usavam o talento suprimindo a "Arte" em nome da ciência... e pessoas comuns que se tornavam mortos... modelos da violência...

Sendo assim, em 13 de março de 1997, iniciei O Dobro de Cinco.

Página de A Soma de Tudo - parte ITrabalhava o dia todo nas ilustrações de RPG e, à noite, depois que meu pequeno filho dormia, eu pegava as páginas que, quadro a quadro, noite a noite, iam se somando e tomando forma, criando, com a soma do pouco tempo livre, uma história.

Por vezes, devido ao cansaço, fazia um único quadrinho.

Ao fim de dois anos de trabalho, no dia 18 de março de 1999, estava concluído. A história seria enfocada pela ótica da personagem Hermes (José). Diomedes, o detetive, apareceria apenas no primeiro capítulo e, então, somente no desfecho da mesma.

Mas, quando eu pensava em Diomedes eu o comparava ao meu pai.

Meu pai era o ponto de referência... o ponto de partida para a criação de Diomedes. Eu pensava no glamour mostrado nos filmes e na literatura policial e pensava nesses homens, como meu pai, nesses seres que simplesmente trabalhavam como policiais. Pensava no meu pai chegando em casa, pensava em seus pequenos sonhos... inalcançáveis... Pensava no quanto a realidade se distanciava da ficção. Pensava em como a morte do cinema era diferente da morte registrada pela perícia técnica.

Dessa forma, o detetive Diomedes, sem que eu me desse conta, foi tomando corpo e passou a conduzir a história. A cada quadro, ele ia incorporando, tomando para si um novo aspecto de meu pai.

Página de A Soma de Tudo - parte IAs fraquezas de Diomedes eram as fraquezas de meu pai, assim como suas dores, anseios, seu humor... Talvez por isso eu não tenha conseguido matá-lo, como estava previsto... mais do que isso... como estava escrito. Por essa razão, resolvi continuar com O Dobro de Cinco, que virou O Rei do Ponto, que, por sua vez, apontou para uma trilogia.

Antes disso, todas as minhas personagens morriam no fim da história. Diomedes foi mais forte, ou eu fraquejei, não consegui matá-lo. Quando comecei a escrever o roteiro deste que seria o último volume da trilogia, fui convidado para lançar O Dobro de Cinco no Festival de Amadora, Portugal. Passei uma semana entre Amadora e Lisboa e posso garantir que foram os dias mais encantadores e mágicos que vivi. Amadora recebeu-me com tanto respeito e carinho que nunca poderei esquecer. Ampliaram vários desenhos meus pelas paredes, onde minha obra estava exposta, na sala “Mutarelli”, um imenso Diomedes me aguardava.

Lisboa é fascinante. Lisboa é impregnada por duas palavras-chaves: Magia e Saudade.

Como nesta trilogia a busca de Diomedes é basicamente a resposta para a questão se há ou não magia, achei mais do que oportuno incorporar essa viagem à trilogia.

Dessa forma, a história começou a se ramificar, a apontar novas possibilidades, e eu resolvi seguir essas possibilidades. Resolvi seguir essas idéias, em vez de sacrificá-las e, assim, a história desdobrou-se. Por isso, decidi dividir este último livro, A Soma de Tudo, em dois volumes.

Lourenço Mutarelli e seu paiAntes de o meu trabalho chegar às suas mãos, ele passa pela leitura de três pessoas que acompanham o processo e me dão um retorno para que eu possa saber se esta construção feita traço a traço está causando a ilusão da unidade. A primeira leitura é feita por Lucimar, depois, por meu amigo Claudio Cammarota e, por fim, por meu pai.

Fazer quadrinhos é algo árduo, um processo lento que exige disciplina e sacrifício. Às vezes, me perguntava: tanto trabalho pra quê? Em troca do quê? Prazer? Necessidade? Não sei.

Só sei da satisfação que sentia quando meu pai sentava-se em minha escrivaninha, e eu, de longe e de forma furtiva, o observava.

Ele lentamente passava página por página, seu orgulho e satisfação transbordavam. Ele, que foi acostumado aos clássicos dos quadrinhos, à Era de Ouro, deixava transparecer em suas expressões uma resposta para cada quadro... talvez não se reconhecesse em Diomedes, mas, como eu, à sua maneira, o amava.

Infelizmente, ele não poderá participar do desfecho da trilogia.

Infelizmente, ele só pôde ler até a página 53 deste volume.

Infelizmente, ele nunca mais irá me telefonar para sugerir uma piada que o Diomedes poderia contar.

Infelizmente, no dia 6 de junho de 2001, perdi meu grande amigo a quem eu chamava de pai.

Página de A Soma de Tudo - parte IA página de número 54 (detalhe do Monastério dos Jerônimos), eu desenhei durante os quatro últimos dias antes de sua derradeira internação. Desenhei essa página como quem ora por alguém muito especial, que sofre a dor de um câncer terminal. Foram os piores e últimos dias da vida de uma pessoa que significou tanto para mim, que fez com que eu sempre assinasse o meu trabalho suprimindo o “Júnior” de meu nome, como forma de gratidão por tudo e, principalmente, por me haver iniciado nesse mundo das histórias em quadrinhos; por quem, por motivos óbvios, nutrirei cada vez mais amor, carinho, respeito e dedicação por essa "Arte".

Às vezes, no fundo... bem lá no fundo, eu penso que todo esse trabalho era recompensado quando eu furtivamente o observava em minha escrivaninha lendo uma aventura do Diomedes, com tanto carinho em seu olhar.

Todas as piadas que Diomedes conta me foram contadas por meu pai.

Magia e Saudade... Lourenço Mutarelli

Lourenço Mutarelli
04/10/2001

Página de A Soma de Tudo - parte I

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