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Não apóie os quadrinhos nacionais!

19 dezembro 2002

Estorias Gerais, história premiada com dois troféus HQ Mix, de Wellington Srbek e Flávio ColinRecentemente, em um debate sobre HQs pela internet, alguns leitores manifestavam-se preocupados com a possibilidade de uma série de títulos estrangeiros ter sua publicação cancelada no Brasil.

A maior parte se mostrava aflita, e alguns chegavam mesmo a propor soluções. Falou-se até em abaixo-assinado. Até que veio um comentário que acabou sendo o pivô deste texto, não nas mesmas palavras, mas, com o mesmo sentido: "Em vez de se preocupar com isso, vocês deveriam é estar apoiando os quadrinhos nacionais!"

A Soma de Tudo parte 1, história premiada no do 14º Troféu HQ Mix, de Lourenço MutarelliEntão, partindo deste ponto, vamos retomar a nossa terapia em grupo (quem leu a coluna passada sabe do que estou falando). Será que faz sentido cobrar do leitor seu apoio pelo quadrinho nacional? Pense bem: quando você vai comprar um livro ou ver um filme, pesa na sua escolha o dever de apoiar a cultura nacional? Ao assistir a uma peça de teatro, é relevante (sob o aspecto do "apoio") se o autor é brasileiro ou não? E a indústria nacional, você apóia? Usa software nacional? E na hora do lanche, troca o Bob's pelo McDonalds cheio de orgulho no peito, pelo sentimento de dever cumprido na missão de defender o fast-food nacional?

Claro que estou levando esta lógica às últimas conseqüências, mas é só como base para levantar uma questão. Nós, os quadrinhistas nacionais, temos a HQ como uma causa a ser defendida. Mas será que faz sentido querer que o leitor também encare quadrinhos dessa forma, logo ele que está apenas atrás de um entretenimento?

Niquel Náusea, personagem que ganhou o prêmio de melhor tira no do 14º Troféu HQ MixFalando francamente, nunca comprei qualquer revista, álbum ou fanzine apenas para apoiar seu trabalho. Se compro, é porque algo ali me despertou o interesse na leitura. Também nunca quis que comprassem uma revista minha apenas para me ajudar. Cada exemplar daquela tiragem foi produzido para encontrar um leitor que venha a gostar ou não da história, mas que ao menos tenha uma vontade sincera de ler suas páginas. Se for para ajudar, então não é melhor vender cartões de Natal?

Antes de pedir para o leitor gostar dos nossos quadrinhos, temos que mostrar que vale a pena lê-los. Precisamos olhar nossas falhas e qualidades no espelho, de forma madura, para podermos competir de igual, numa convivência harmoniosa; e não esperar que parem de publicar quadrinhos estrangeiros para que, na falta de outra alternativa, leiam as HQs da casa.

Saino a Percurá, outra história nacional premiada no 14º Troféu HQ MixÉ um caminho longo, sujeito a muitos erros e tropeções, mas, a partir do momento em que esta meta for bem digerida, com certeza, haverá espaço para todos, pois o público é bem diverso. E que venham mais HQs estrangeiras!

Na coluna passada, eu disse que gostaria de ouvir as opiniões dos leitores sobre a discussão levantada. A seguir, trago a todos alguns trechos das mensagens recebidas, dos concordantes e dos discordantes.

Todos os e-mails foram respondidos diretamente aos seus remetentes, mas não coloco aqui minhas respostas, pois acho que ficaria uma discussão desigual, afinal, aqui eu sempre teria a última palavra.

Gostaria apenas de fazer dois comentários que acho pertinentes sobre a coluna.

1) Algumas mensagens comentaram que as minhas colocações puxavam sardinha para o meu trabalho com a Nona Arte. Se você também achou isso, peço apenas que siga esta lógica: a coluna e as HQs que edito e escrevo são resultados de uma mesma opinião. A coluna é a minha opinião na teoria; e a editora é a minha opinião na prática. Daí, estranho seria se elas fossem conflitantes. Estranho seria se eu escrevesse contra HQ alternativa em preto-e-branco e lançasse pela editora uma série de HQs alternativas em preto-e-branco!

2) Não sou contra nem a favor de histórias em partes, com o famoso "continua" no final. Mas acho um erro grande o autor independente se prender a este modelo, visto que, de cada 10 que fazem isso, apenas um (ou nem isso!) consegue lançar novas edições para completar a história. E muitos dos que conseguem, levam meses ou anos para isso, e aí o leitor já se esqueceu do que viu na primeira parte. Este vício faz com que ótimas histórias fiquem com aquele carimbo de "mais uma vez, não deu certo".

Sendo assim, vamos às opiniões dos leitores:

Noto que desenhista se fecha demais em seu mundinho de fantasia e se comunica pouco com os demais seres humanos, ditos normais. Ora, o alimento, o estímulo e até a estupidez só podem ser retratadas em quadrinhos se a gente viver no chamado mundo normal, não é? Claro que teremos uma visão diferente, talvez mais irônica, mais amarga, do mundo que nos cerca, mas temos que conviver com ele para fazer quadrinhos melhores. E ler outras coisas, viajar, viver! Senão, cairemos mesmo na arapuca de produzir super-heróis, mangás e outros "etecéteras" que nada dizem de nós mesmos, dos outros. E nem o que digo deixa de ser óbvio. Fazer o quê?

Érico San Juan

O que me espanta no meio quadrinhístico brasileiro é justamente essa mania de estar sempre reclamando e de ser uma vítima da conjuntura: um dia foi o quadrinho americano o culpado, agora é o quadrinho japonês... ou então é o preço das gráficas, ou do xerox. Nossa, você viu como o correio aumentou suas tarifas? Definitivamente, esses motivos não podem ser mais citados como desculpa para que nada dê certo na HQ brasileira. Se o coitado está doente, foi a falta de cuidados que o deixou assim! Que pais e mães desnaturados nós somos!

Agora, meu único ponto de discordância é com relação à questão dos super-heróis. Defeitos e limitações? Claro, eles têm de sobra. Mas acredito - é, sou um sonhador - que é possível termos um algum dia, e acrescentar algo de "brasileiro" ao gênero.


Bruno Alves

Parabéns pelo belíssimo texto no UHQ. Um tanto farpado, mas é assim que se cutuca. Mas tenho algumas objeções: Eu (apenas me tomando como exemplo) produzo HQs de heróis, porque acho que o segmento ainda tem algo a oferecer. Tento ambientar as minhas histórias de acordo com a minha realidade, tentando dar o mínimo possível de veracidade em histórias como estas.

Estevão Ribeiro

Há muita coisa boa por aí. Temas, idéias, sugestões, influências. Até o ponto em que podem ser caracterizadas assim, idéias e influências, são perfeitamente toleráveis e até sugeridas. Quando vejo bons autores se resumindo a cópias (e, pior, cópias imperfeitas de um estilo ou outro já bastante desgastado), me arrisco a perder a chance de ler uma boa história, pelo preconceito que, assumo, tenho dessas "obras" pouco originais.

Espero também conseguir realizar um trabalho original e de bom gosto, sem me ater a kits pré-definidos. Se não publico nada há algum tempo (publicar talvez não seja a palavra exata, já que sempre fui e, provavelmente, sempre serei fanzineiro), é porque levo os quadrinhos bastante a sério. Não sério o suficiente para deixar a diversão de lado, mas sério, sim, o suficiente para ter o devido cuidado e preocupação ao querer contar uma boa história de forma agradável e atrativa, mesmo que seja aos olhos de uma dúzia ou duas de leitores.


Felipe Meyer

Hum... Olá, André. Li seu texto no UHQ e leio o material no site da Nona Arte (...) e não concordei com o ponto: "E aí não tem desculpa, pois não há peso das "regras de mercado", nem a figura do "editor conservador" podando criatividade".

Bom, acho que as regras de mercado são ditadas pelo que vende, e quem não conhece o mercado de perto vai guiar-se pelo "achismo", "remando com a maré". Isso é óbvio. E a visão do editor conservador está dentro da primeira colocação. Ninguém vai arcar com o prejuízo, ou dar-se um presente de grego desses...

Parece fácil falar que todos só imitam e/ou recriam clássicos, mas "estudamos história, para não cometer os erros do passado e aprendermos e extrairmos os êxitos necessários com aplicabilidade no presente, para construir um futuro melhor"; e acho pequeno considerar que nos impérios Marvel e DC não há mais nada a ser explorado...

Como estudante de filosofia, e adorador de HQs, vejo nelas a forma ideal de trabalhar minhas idéias em um perfeito amálgama de linguagem escrita e visual, tornando os textos mais compreensíveis. As perguntas são: Quem seria meu público-alvo? Quem se interessa por filosofia existencialista em pleno século XXI? Quantos exemplares deveria tirar? Como me manter vivo trabalhando com isso no Brasil? E quem pagará minhas contas, depois que torrar tudo em uma produção desse tipo, totalmente independente e tomar aquela pícara?

Não pretendo lançar um livro em quadrinhos por ano. Gosto de séries. Gosto de novidades nas bancas todo mês no meu jornaleiro favorito (o velho Tonny!). E gosto quando o material é de boa qualidade, bem colorido, bem desenhado, revista no formato americano e com um preço acessível. Sem desmerecer seu trabalho, que é realmente admirável, e sem querer aparecer aqui como o salvador da pátria, só acho que seu comentário foi precipitado em demasia.

Acho que tudo que tenho a dizer não pode ser concluído em um simples e-mail, mas meu raciocínio segue por aí, e peço que tenhas mais esperança nos artistas nacionais. Mas não esperemos milagres, pois o mar não está para peixe!


Pancho

Acabei de ler sua coluna no Universo HQ, e concordo em gênero, número e grau. Há mais uma coisa que vale frisar: é impressionante o número de pessoas que querem ser quadrinhistas no Brasil, e simplesmente não consomem material brasileiro.

Acima de tudo, o público nacional é preconceituoso com a arte brasileira em geral, cinema, literatura, pintura e quadrinhos. Como foi dito, as bancas de jornal estão abarrotadas de mangás, quadrinhos de super-heróis e infantis (a única exceção é a Mythos Editora e seus fumetti). Se quisermos comprar uma história nacional, temos que nos locomover a alguma loja especializada, e gastarmos de 20 a 30 reais. Há uma série de fatores que impedem os quadrinhos nacionais.


Guilherme Kroll Domingues

Acho que o próprio meio dos quadrinhos nacionais ainda está muito imaturo, não percebe o seu próprio potencial e, pior ainda, carece - e muito - de uma identidade própria, de um estilo próprio de narrativa, de uma maneira característica de desenvolver personagens, de um estilo editorial brasileiro.

Existe muito comodismo por parte dos quadrinhistas nacionais, sim. Mas as coisas ainda estão apenas começando. Acho que estamos vivendo um momento crucial para os quadrinhos brasileiros. Dependendo do que nós, quadrinhistas, fizermos nos próximos anos, os quadrinhos poderão finalmente ser um meio artístico mais respeitado (e apreciado).

Acho que a imagem que as pessoas têm dos quadrinhos hoje em dia não pode piorar... Então, o jeito é ousar, usar e abusar de criatividade. Pior não vai ficar...


Esdras Teixeira Costa

Concordo que há muito pouco material sendo produzido, principalmente quando comparado a outras formas de arte. Mas vale lembrar que a produção de uma história em quadrinho, principalmente o desenho, é uma forma de arte solitária e extremamente trabalhosa. Quando não há o retorno financeiro, como em nosso país, é compreensível que haja tão poucos talentos produzindo boas historias.

Diferente do cinema, com pouca rotina na produção e grande satisfação no final, nos quadrinhos ocorre justamente o contrario, muita rotina e pouca satisfação. Digo pouca satisfação, devido à grande dificuldade de distribuição e quase nenhum retorno.

Confesso a você que sou fã do quadrinho comercial americano (e de muitos outros estilos também). Entendo a tentação do jovem brasileiro de produzir algo semelhante por aqui. Ao mesmo tempo, sei que isso não funciona. É realmente um ciclo vicioso: Quadrinho comercial americano vende - Jovem brasileiro consome - Jovem brasileiro produz quadrinho americano - Ninguém consome, pois é algo sem personalidade - Mercado de produções nacionais não evolui.

Ao mesmo tempo: Quadrinho nacional criativo, diferente e de qualidade não vende - Jovem brasileiro não consome - Jovem brasileiro não produz quadrinhos criativos, diferentes e de qualidade - Mercado de produções nacionais não evolui.

Estamos presos. A única solução e encontrar um meio de vender os tais quadrinhos nacionais criativos, diferentes e de qualidade para o grande publico. Como? Não sei. Vamos continuar pensando, que a gente chega lá.


LuG Quelhas

Agradeço de coração a estes e a outros amigos que escreveram e deram sua opinião, ajudando a levantar essa discussão!


André Diniz sabe do que está falando. Afinal, já desbravou as florestas brasileiras e acabou desaparecendo, já foi torturado no período militar, já foi assassinado ao se passar por travesti e se meter numa complicada trama política...Opa! Você não sabe do que estamos falando? Então, o que está esperando para visitar o site da Nona Arte e fazer o download das HQs escritas pelo nosso talentoso amigo?

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