Os 70 anos do Pato Donald
Daqui a poucos meses, mais precisamente no dia 9 de junho, o pato mais famoso do mundo completará 70 anos de idade, um marco histórico para um personagem ainda em atividade.
Em todas essas décadas de existência, ele só tem acumulado sucesso. Foram quase 200 filmes (entre curtas e longas-metragens, tendo ganhado um Oscar por A Face do Fuhrer e sido indicado para outros 11), tiras diárias em centenas de jornais pelo mundo afora, revistas em quadrinhos em vários países, e sua imagem estampada nos mais incontáveis produtos licenciados. Nada mau para um sujeito que nasceu numa sexta-feira 13, cujo número da casa é o 13, tem um carro com a placa 313, é um dos personagens mais azarados das HQs e, a despeito de ser sobrinho de um "quaquilionário", é um pobretão que não se sustenta por mais de um dia num emprego.
A estréia oficial do Pato Donald se deu em 1934, no filme A Galinha Sábia (The Wise Little Hen, no original), baseado na fábula de Esopo. Donald Fauntleroy Duck - seu nome completo - foi idealizado ainda em 1931, quando o ilustrador Ferdinand Hustzi Horvath fez os primeiros esboços daquela ave que faria parte do novo desenho animado dos Estúdios Disney.
O que faltava engrenar a idéia era uma voz de pato que marcasse o personagem. Isso só foi acontecer anos depois, quando Clarence Nash, entregador de leite e exímio imitador de sons de animais, caiu nas graças de Walt Disney ao recitar o poema Maria tinha um carneirinho com aquela voz esganiçada que hoje conhecemos tão bem.
Nash, então, passou a ser a voz oficial de Donald durante mais de 50 anos, calando-se apenas quando a morte o levou, em 1986.
As primeiras HQs
Já em 1934, o argumentista Ted Osborne e o desenhista Al Taliaferro adaptaram o filme de estréia de Donald para os tablóides dominicais coloridos. Em 1938, algumas tiras de Taliaferro foram compiladas e publicadas em preto-e-branco no primeiro gibi do pato ranzinza: Walt Disney´s Donald Duck.
Ainda na década de 30, o Pato Donald iniciou sua jornada de sucesso pelo mundo. Na Inglaterra, o semanário Mickey Mouse Weekly já publicava suas aventuras ao lado de um personagem criado por lá, o marinheiro Mac, e da patinha Donna (na verdade, a Margarida, ainda usando o nome com que foi apresentada no desenho animado Don Donald, de 1937).
A Itália editava as histórias na revista do Mickey, Topolino, o mesmo acontecendo na França, onde o personagem aparecia nas páginas do Journal de Mickey. Esses dois países não pararam a produção dessas HQs nem durante a II Guerra Mundial, e consta que até Mussolini - o ditador italiano - era fã confesso dos quadrinhos Disney.
A Itália realmente merece um capítulo à parte na história dessas HQs. Praticamente desde o surgimento desses personagens, os italianos não só os acompanham, como têm sido grandes fornecedores de suas aventuras.
A partir da década de 40, o país começou a se destacar com artistas de alta qualidade, como Romano Scarpa (dono de um traço imitado por muitos que o procederam, tornando facilmente reconhecível uma HQ Disney feita por italianos), Giorgio Cavazzano, Marco Rota e Giovan Battista Carpi, este último o criador do Superpato, o alter ego heróico de Donald.
O super-herói, que em italiano se chama Paperinik, surgiu em 1969 como uma sátira a Diabolik, quadrinho policial de muito sucesso na época, e que também foi publicado aqui no Brasil nos anos 80 e 90.
Essa versão heróica enfileirou uma legião de fãs em muitos países. No Brasil, estrelou diversos almanaques e foi desenhado por artistas nacionais.
Nos anos 90, a Editora Abril lançou As novas aventuras do Superpato, uma revisão do personagem numa Patópolis futurista, com uma abordagem mais adulta (na medida do possível) e histórias voltadas para aquele público apreciador de super-heróis "de verdade".
Apesar da excelente qualidade do material (todo feito na Itália), o título durou apenas seis edições. Em 2003, houve uma nova tentativa da editora, relançando a revista com o nome Donald Super, mas o fracasso foi ainda mais contundente: somente dois números circularam nas bancas.
Certamente, não foi a qualidade das histórias que causou a derrocada dos títulos. O personagem sempre gozou de muito prestígio nestas paragens tupiniquins. O que talvez tenha causado estranheza foi o novo conceito das aventuras, até mesmo com a ausência dos coadjuvantes rotineiros, como os sobrinhos e o Professor Pardal.
Hoje, com o fim do Estúdio Disney da Editora Abril, a maior parte das histórias do Pato Donald vem do "país da bota". Entretanto, Holanda e Dinamarca continuam produzindo vastos materiais para as revistas lançadas aqui.
Em meados dos anos 90, os Estados Unidos deixaram de criar histórias da turma Disney, por mais incrível que isso possa parecer. Entretanto, no ano passado, a produção foi retomada, e a volta se deu exatamente com um título do pato com roupa de marinheiro.
Ao mestre, com carinho
Floyd Gottfredson introduziu Donald nas tiras do Mickey, antes de o pato estrelar as suas sozinho. Al Taliaferro criou as características marcantes do personagem (ranzinza, briguento, impaciente, tresloucado) e reformulou sua aparência, além de introduzir em seu universo alguns membros da Família Pato, como os três sobrinhos e a Vovó Donalda (Grandma Duck). Jack Bradbury o colocou na redação de A Patada. Eli Leon, Roberto O. Fukue e outros brasileiros deram às suas histórias um humor tipicamente nacional.
Mas, a verdade é que, indiscutivelmente, Donald não seria o que é hoje se não fosse Carl Barks, o brilhante roteirista, desenhista e arte-finalista que humanizou as histórias do pato, criando elementos que até hoje servem de base para os artistas que o sucederam.
Barks produziu mais de 500 histórias (que serão lançadas pela Editora Abril em edições de luxo a partir de março de 2004) com Donald e toda a Família Pato - para a qual criou vários membros, como Tio Patinhas (Uncle Scrooge), Gastão (Gladstone Gander) e Gansolino (Gus Goose). Também "construiu" Patópolis (Duckburg) e deu vida à cidade, povoando-a com personagens como os Irmãos Metralha (Beagle Boys), Professor Pardal (Gyro Gearloose) e muitos outros.
Seus textos eram, ao mesmo tempo, finos e mordazes. O humor, ora sutil, ora escancarado, servia de libelo contra o capitalismo e o consumismo nas aventuras do Tio Patinhas; contra a futilidade do machismo/feminismo nas aparições secundárias da Margarida (Daisy Duck); e a favor dos bens espirituais em suas costumeiras histórias natalinas.
O artista, falecido no ano 2000, deixou sucessores que honram a "escola barksiana", como os americanos Keno Don Rosa (que virá ao Brasil em maio) e William Van Horn, e o chileno Victor Arriagada Rios (mais conhecido como Vicar), cujos estilos narrativos se assemelham muito ao de Barks.
No Brasil
Donald já era considerado uma celebridade em nosso país, desde sua participação nos três filmes em que contracenou com Zé Carioca. E ainda no final da década de 40 começou a aparecer em tiras de jornais diários. Mas o melhor ainda estava por vir.
No dia 12 de julho de 1950, chegou às bancas do Brasil a revista Pato Donald # 1. Mais que um simples lançamento , o gibi foi a primeira publicação da Editora Abril. Com uma tiragem inicial de mais de 82 mil exemplares, logo esgotados, apresentou, de cara, duas histórias escritas e desenhadas por Carl Barks.
A título de curiosidade, vale registrar que nessa edição de estréia alguns personagens, hoje bastante conhecidos, tinham nomes bem diferentes. Huguinho, Zezinho e Luizinho (Huey, Dewey and Louie, no original) se chamavam, respectivamente, Nico, Tico e Chico; Pateta era Dippy (o mesmo que nos Estados Unidos, antes de se tornar Goofy); Lobão era apenas o Lobo Mau; Quincas atendia pelo nome de Amigo Coelho; e Zé Grandão e João Honesto eram Compadre Urso e Compadre Raposo.
Para chegar a esses 54 anos de inegável sucesso editorial em território brasileiro, as páginas do gibi contaram com grandes seleções do que de melhor se fez com o Pato Donald nos quatro cantos do planeta. E, claro, as contribuições nacionais não deixaram nada a dever.
A principal característica das HQs Disney feitas aqui foi, sem dúvida, o humor. Longas histórias com ação desenfreada (bem ao gosto dos italianos) nunca foram algo comum na produção brasileira. Isso era um prato cheio para explorar algumas das situações mais engraçadas que o leitor se acostumou encontrar nas obras de Carl Barks.
Como os confrontos entre Donald e seu primo sortudo, o marreco Gastão. Sofrendo com os absurdos golpes de sorte do parente abusado, as reações do pato o remetiam ao temperamento irascível que Barks eternizou.
Da mesma forma, o intempestivo Silva (Jones) protagonizou inesquecíveis combates com o pato. O personagem, concebido por Carl Barks, era uma espécie de "genérico" para as histórias em que Donald se irritava com algum vizinho. Por isso, no começo ele acabava ficando com um visual diferente entre uma e outra aparição, até chegar àquele definitivo. No Brasil, ganhou um rosto ainda mais definido, graças aos desenhos de Irineu Soares Rodrigues e Verci de Mello.
As histórias de Donald e Silva figuravam entre as preferidas dos leitores brasileiros. Os dois foram, inclusive, as principais atrações de Disney Especial - Os Vizinhos e Edição Extra - Briga de Vizinhos, nas quais a maioria das histórias era de artistas nacionais.
Outro que funcionava, e muito bem, fazendo dupla com Donald era seu primo Peninha (Fethry Duck). Curiosamente, ele é uma figura um pouco apagada em outros países, mas o Brasil o acolheu de forma calorosa.
Fosse ao lado do Pato Donald na redação do jornal A Patada, ou usando a casa do primo para estabelecer seus negócios nada sólidos, Peninha foi melhor retratado (tanto em visual como na personalidade) pelos quadrinhistas brasileiros, que captaram como ninguém seu potencial cômico.
Assim como Barks transformou Huguinho,. Zezinho e Luizinho em escoteiros, o Estúdio Disney da Abril também resolveu estender o universo dos garotos, tornando-os Zorrinho, o super-herói mirim três-em-um. Os patinhos usavam os uniformes ao mesmo tempo, mas nunca apareciam juntos, de forma que todos pensassem se tratar de um único herói, e enfrentavam "vilões" como os Metralhinhas.
A revista Pato Donald é hoje a publicação mais antiga ainda em circulação no Brasil, e a HQ com o maior número de edições lançadas por aqui (já está chegando na casa das 2300). Em tempos de crise no mercado de quadrinhos, o título mantém uma tiragem respeitável para os padrões atuais, mas nos áureos tempos do início dos anos 80 chegou a lançar nas bancas, quinzenalmente, cerca de 140 mil exemplares.
Para não deixar passar em branco o 70º aniversário do personagem, espera-se que a Editora Abril publique uma edição comemorativa à data, como sempre tem feito em ocasiões semelhantes. Segundo o editor Paulo Maffia, porém, as Obras Completas de Carl Barks já fazem parte das comemorações.
A vida do pato
Traçar uma linha cronológica coerente para Donald, além de uma tarefa hercúlea de pesquisa, é puro exercício de imaginação. Afinal, não existe nos quadrinhos Disney nenhum tipo de seqüência temporal nas histórias (salvo raríssimas exceções, limitadas a séries como a do novo Superpato). Muitos artistas, de diversos países, emprestaram suas próprias versões para a origem do pato e de seu percurso até a fase adulta.
Pode-se encontrar histórias que o apresentam como um órfão abandonado aos cuidados da Vovó Donalda; ou largado à própria sorte ainda num ovo, à beira de uma estrada. Entretanto, segundo Carl Barks, Donald é filho de Hortência (Hortense Duck) - irmã do Tio Patinhas - e Patoso (Quackmore McDuck) - filho da Vovó Donalda -, e é gêmeo de Dumbella (mãe de Huguinho, Zezinho e Luizinho).
Em sua recente obra 40 Anos da Revista Tio Patinhas, Don Rosa oficializou essa versão, e acrescentou a ocasião em que Donald e os sobrinhos conheceram o velho muquirana, no ano de 1947. Tal passagem se torna lógica quando lembramos que essa foi a data da primeira história do pato sovina, e que, bem antes disso, em 1938, Huguinho, Zezinho e Luizinho foram "enviados" ao Donald por sua irmã.
As peripécias do Donald garoto são atualmente contadas pela Disney Itália, em histórias que saem aqui no Brasil (a mais recente, em Almanaque Disney # 356, de janeiro do presente ano). Mas é possível encontrar muitas outras referências a esta época de sua vida, como o primeiro encontro entre ele e Silva (Almanaque Disney # 106, março de 1980), ou sua importante participação, ao lado do Peninha, num episódio da História de Patópolis (Mickey # 361, outubro de 1982), em histórias criadas no Brasil.
Também aqui foi produzida, para a revista Tio Patinhas # 9 (fevereiro de 1966), uma aventura na qual são contadas várias passagens da adolescência de Donald, algo raro de se encontrar em toda a sua vida editorial. Nessa história podemos ver, entre outras coisas, suas primeiras investidas amorosas em Margarida.
Enfim, são 70 anos de uma trajetória ascendente que não apresenta nenhum indício de queda. A popularidade do Pato Donald permanece incólume, superando os obstáculos do tempo e dos conceitos e preconceitos.
Que todas as gerações se juntem, aplaudam de pé e, em uníssono, bradem: Feliz aniversário, Donald!
Marcus Ramone garante que sabe fazer "quac" igualzinho ao Pato Donald, mas pior é quando cisma de colocar aquela roupa de marinheiro...