Confins do Universo 217 - Snikt! Wolverine: o melhor naquilo que faz!
OUÇA
[adrotate group="9"]
Matérias

Relembrando as HQs do Mestre de Kung Fu

5 fevereiro 2018

Hoje não é fácil imaginar ou entender que Shang Chi, o Mestre do Kung Fu, um personagem asiático, criado em plena febre das artes marciais, filho de Fu Manchu, um vilão dos pulps, já teve duas revistas, foi campeão de vendas e se tornou um dos grandes heróis da Marvel da década de 1970

.

Shang Chi, o Mestre do Kung Fu, surgiu em dezembro de 1973, nas páginas da revista bimestral Special Marvel Edition # 15, da Marvel Comics.

Para colocar o personagem em contexto, as artes marciais haviam se tornado uma mania no mundo inteiro, graças a filmes de Bruce Lee como: Dragão Chinês (The Big Boss), de 1971; A Fúria do Dragão (Fist of Fury), de 1972; O Voo do Dragão (The Way of the Dragon), contracenando com os caratecas Robert Wall e Chuck Norris (cuja luta contra Lee no Coliseu, em Roma, é emblemática), de 1972; e o clássico Operação Dragão (Enter the Dragon), ao lado de Jim Kelly e Bolo Yeung.

Além disso, David Carradine fazia o papel de Kwai Chang Caine no seriado Kung Fu, exibido originalmente entre 1972 e 1975. Outro sucesso da televisão era o desenho animado Sawamu – O Demolidor, um animê de 1970, exibido no Brasil pela TV Record, em 1976 – e mais tarde na TV Gazeta – que narrava as aventuras de um lutador de “chute-boxe”.

As academias de caratê e kung fu pipocavam por todos os lados. Naquela época, cada lutador defendia sua arte marcial contra outras escolas e estilos de combate. Ainda não existia o “vale tudo” ou as mixed martial arts.

Diante desse cenário, não foi estranho as editoras norte-americanas apostarem nas artes marciais como uma das tendências para atrair novos leitores.

Special Marvel Edition # 15Master of Kung Fu # 48

A Marvel demorou para entrar na onda. A Charlton Comics lançou Mestre-Judoca (Judomaster), em 1965 – ele foi a inspiração para a criação do personagem brasileiro Judoca. Em 1972, a “Casa das Ideias” tentou comprar os direitos de adaptação do seriado Kung Fu, mas não conseguiu autorização, pois a série pertencia à Warner Bros., empresa que também também é dona da DC Comics.

Como consequência, a editora licenciou o clássico pulp Fu Manchu, de Sax Rohmer, e criou seu próprio personagem, que foi inserido nesse contexto como o filho do vilão.

Nessa esteira de heróis de artes marciais, vale lembrar de Yang, da Charlton Comics, também de 1973; Richard Dragon, Kung Fu Fighter, da DC Comics, de 1974; e Punho de Ferro, da Marvel Comics, de 1974.

A primeira HQ de Shang Chi foi escrita por Steve Englehart e ilustrada por Jim Starlin (que mais tarde criaria Thanos, Dreadstar e se especializaria em sagas cósmicas). Nas primeiras aventuras, o herói, teve suas feições  levemente baseadas em Carradine.

Englehart e Starlin introduziram Fu Manchu, Sir Denis Nayland Smith, Doutor Petrie – todos criados por Rohmer –, mas acrescentaram ao elenco Black Jack Tarr e os vilões Tak e Meia-noite.

Starlin abandonou o título após desenhar apenas três edições, coagido por seus colegas universitários que lhe apontaram que o material de Rohmer, escrito no começo do Século 20, era colonialista e tinha elementos racistas, um fato que era acentuado pelo colorido grotesco da Marvel nos anos 1970, que dava um tom amarelo banana para alguns dos vilões asiáticos, como Fu Manchu e o Espreitador das Sombras (Shadow Stalker).

A Special Marvel Edition era uma revista dedicada às reimpressões de material antigo, até a introdução de Shang Chi. Depois do número 16, a publicação mudou de nome e passou a se chamar Master of Kung Fu (na verdade, o nome completo na capa era The Hands of Shang Chi – Master of Kung Fu).

No Brasil, essas HQs foram publicadas pela Ebal, em Kung Fu, título que misturava as aventuras das revistas Master of Kung Fu e Deadly Hands of Kung Fu; na Bloch, em Mestre do Kung Fu, com 31 edições entre 1975 e 1978. Posteriormente, a maior parte das aventuras foram relançadas pela Abril, em Heróis da TV e Capitão América, e sem o colorido amarelo banana.

As histórias do Mestre do Kung Fu podem ser divididas em três fases associadas a três artistas: Paul Gulacy, Mike Zeck e Gene Day. Do ponto de vista dos roteiros, só existe um nome a ser lembrado: Doug Moench, que começou a escrever o título na edição # 20.

Mestre do Kung Fu # 20Heróis da TV # 25

Paul Gulacy

Paul Gulacy assumiu a arte em Master of Kung Fu # 18, desenhou algumas edições e foi logo escalado para o especial Giant-Size Master of Kung Fu # 1, cuja história principal possui 24 páginas – enquanto as das edições normais tinham entre 16 e 18. O rosto de Shang Chi começa, então, a ficar cada vez mais parecido com o de Bruce Lee.

Nessa história, Shang Chi enfrenta o Conselho dos Sete, um grupo de assassinos selecionados entre os mais temidos Si Fans, a seita de criminosos liderada por Fu Manchu.

A coreografia das sequências de luta é mais elaborada e a narrativa de Gulacy se aprimora. A influência de Jim Steranko sobre sua arte é fácil de ser percebida.

Logo em seguida, Gulacy desenharia o segundo número especial, no qual Chi volta a enfrentar seu pai ao lado da lutadora Sandra “Sandy” Chen.

Duas páginas se destacam pela diagramação: um momento romântico entre Sandy e Chi, num parque, antes de serem atacados por assassinos; e uma splash page que é um labirinto visto de cima, mostrando o caminho percorrido pelo herói.

Vale lembrar do arte-finalista Jack Abel, que fez um belíssimo trabalho sobre a arte de Gulacy.

Nessa aventura, Shang Chi dá um show usando seu nunchaku contra um verdadeiro exército de assassinos. Na época, era uma arma exótica, dava um ar diferente ao personagem.

Master of Kung Fu # 18Giant-Size Master of Kung Fu # 1

No terceiro Giant-Size, Moench e Gulacy introduzem os Fansigars, uma seita de estranguladores indianos, mais conhecida como Tugues (o termo original, “phansigar” se refere ao ato de estrangular usando um laço, muitas vezes feito com longos lenços que eram usados como cintos, enrolados na cintura).

Para variar, os estranguladores estavam a serviço de Fu Manchu, desesperados em busca de um dos preciosos elementos da confecção do Elixir Vitae, que concedia ao vilão juventude e uma vida muito longa.

Um personagem importante que surge nessa HQ é Clive Reston, um agente do serviço secreto inglês que sempre sugeriu que seu avô era Sherlock Holmes e seu pai era James Bond. Ele foi inspirado em Roper, do filme Operação Dragão (interpretado por John Saxon). E já que Shang Chi se parecia com Bruce Lee, Gulacy deu a Clive Reston a cara de Sean Connery.

Se por um lado a narrativa e as sequências de ação eram o ponto forte da arte, a perspectiva dos cenários e veículos como carros e aviões deixavam a desejar.

Gulacy retornaria ao título principal num arco de três partes – publicado em Master of Kung Fu # 29 a # 31 (Heróis da TV # 16 a #18) – que ficou marcado na memória dos leitores.

Moench e Gulacy introduziram Carlton Velcro, um criminoso digno do 007; o Executor, que quando publicado pela Bloch se chamava Punho de Lâmina (Razorfist, em inglês), e que foi motivo de piadas entre os leitores, uma vez que possuía lâminas no lugar das mãos; e Pavane, com um visual sadomasoquista, sempre com um chicote e acompanhada de panteras negras.

Foi quando começou o sucesso do personagem, que, na década de 1970, chegou a estar entre as cinco revistas mais vendidas da Marvel. Essa aventura fugia da fórmula das anteriores e fazia o possível para simular o clima de um filme de James Bond, com locais e vilões exóticos, mulheres traiçoeiras, armadilhas fatais e um arsenal nuclear.

Master of Kung Fu # 29Master of Kung Fu # 33

A dupla Moench e Gulacy voltaria a atacar com mais um arco triplo – Master of Kung Fu # 33 a # 35 (Heróis da TV # 21 a # 23, no Brasil) –, colocando o serviço secreto inglês e Shang Chi em busca de um traidor chamado Mordilo.

Mordilo era um assassino louco e brilhante, especializado em robótica, que assume a identidade do agente inglês Simon Bretnor, e sequestra a agente Leiko Wu, personagem que estreia nessa saga e se tornaria o ponto central de um triângulo entre Chi e Reston e, posteriormente, seria o grande amor do Mestre do Kung Fu.

Wu foi a primeira personagem asiática de relevância da Marvel, cuja pele recebeu um colorido normal. Seu sobrenome é uma homenagem ao leitor Bill Wu, que escreveu muitas cartas para a revista reclamando desse problema.

O principal capanga de Mordilo era Brynocki, um robô com aparência de brinquedo, que voltaria a perturbar Shang Chi diversas vezes. Mas quem também faz uma aparição conectando Mordilo com Carlton Velcro é a vilã Pavane.

No fim, Mordilo foi vítima de sua própria loucura. Ele tinha uma máquina de destruição que usava os raios ultravioleta para queimar grandes áreas do planeta e acabou sendo sua ruína.

Shang Chi enfrenta Mordilo, arte de Paul Gulacy

Um dos melhores momentos da dupla Moench e Gulacy é um arco de duas partes no qual Shang Chi se vê frente a frente com um lutador à sua altura, Shen Kuei, o gato. Nessa HQ, publicada em Master of Kung Fu #38 e # 39 (Heróis da TV # 25), a narrativa tem muitas sutilezas e pontos de vistas diferentes e a arte atinge seu ponto mais alto.

Primeiro, eles lutam juntos contra um inimigo comum, depois se enfrentam num combate espetacular envolvendo nunchakus e uma espécie de lança de lâmina dupla, que termina num empate com a intervenção de Juliette – personagem cujo rosto foi inspirado em Marlene Dietrich –, a amante de Shen Kuei.

A história introduz com muita clareza um dos temas clássicos da revista: o inocente Shang Chi sempre filosofando sobre o seu propósito, enojado com os jogos de mentiras e trapaças do mundo da espionagem com o qual está envolvido.

Essa HQ também é um prólogo para uma grande saga que marca o retorno de Fu Manchu e sua filha, Fah Lo Suee, que marca o final da fase de Gulacy.

A saga seguinte (publicada em Master of Kung Fu # 40, #42-50, e que no Brasil se alternou entre Heróis da TV # 30 a # 34Capitão América # 30 a 33) introduz a agência de assassinos de Fah Lo Suee, e o fato de que o serviço secreto britânico foi infiltrado por seus agentes, que tentam matar Nayland Smith. Surgem nesse arco Jack Lerner – inspirado em Marlon Brando –, e o vilão Punho Elétrico (Shockwave).

Fu Manchu, os Si Fans e Shaka Kharn (um antepassado do vilão que foi ressuscitado) estão em guerra com Fah Lo Suee e a seita dos Adagas Douradas.

Começando na edição # 45, cada capítulo é contado de um ponto de vista diferente: Shang Chi narra o primeiro; Reston, o segundo; Wu, o terceiro; Tarr, o quarto; Smith, o quinto; e a sexta e última parte fica a cargo do próprio Fu Manchu.

Essa aventura incorporava muitos elementos dos filmes de espionagem na linha de 007, e também de Operação Dragão, como uma sequência na qual Chi está no interior da base de Fu Manchu e usa dois bastões para enfrentar vários adversários que saem de um elevador, tal qual acontece no filme citado.

Essa grande saga culmina com a primeira morte aparente de Fu Manchu e com a saída de Gulacy da revista.

Master of Kung Fu #38Shang Chi se prepara para enfrentar Shen Kuei

Mike Zeck e Gene Day

Mike Zeck também passou muitos anos ilustrando as aventuras de Shang Chi , contra velhos inimigos como Pavane, o Gato, Punho Elétrico, Brynocki etc. Um dos novos personagens de mais destaque mais é Zaran, o mestre das armas, vilão que posteriormente  apareceu também nas revistas do Capitão América e dos Vingadores.

Novamente, a saga mais marcante envolve o confronto entre Fah Lo Suee e Fu Manchu, que sobreviveu e está escondido na América do Sul. Ele tem planos de matar os líderes mundiais e, para isso, reuniu si fans, tugues, daicots, hashishins, fansigars, o culto do Leopardo e outros, na Ordem da Aurora Dourada.

Mas surgem outros personagens, como o boxeador que era agente da CIA, Rufus Carter, o espião Samisdat, o agente Syn e até mesmo Jack, o estripador.

Zeck, um grande desenhista, com traço mais estilizado e uma narrativa mais tradicional, levou outro ritmo para as aventuras.

Apesar disso, a revista já não estava mais no seu auge. A febre das artes marciais tinha diminuído e havia muita concorrência de outros títulos dentro da própria editora, como os X-Men, de Claremont, Cockrum e Byrne; o Demolidor, de Frank Miller; e a linha de graphic novels da Marvel.

Master of Kung Fu # 72Master of Kung Fu # 88

Outro desenhista que marcou o título foi Gene Day.

Seu trabalho se caracterizava por cenários complexos, sempre com vistas impressionantes, cheias de detalhes. Sua narrativa também era sofisticada, com um ritmo mais lento. As sequências de ação eram boas, mas a coreografia das lutas – um aspecto importante – já não impressionava.

Day tinha um design de página arrojado e também chamava a atenção pelo uso criativo dos títulos das HQs (quadros com formas de letras).

Mais uma vez, Shang Chi e o Gato se enfrentam numa aventura que envolve um navio nazista afundado na Segunda Guerra Mundial, no canal da baía de Hong Kong.

Velcro e um novo Executor retornaram numa HQ que mostrava que a revista tinha perdido seu fôlego, apesar da boa arte. Novos personagens, como o Anjo Negro e o vilão Satã – que enfrentou Shang Chi no Coliseu romano, num simulacro do confronto entre Bruce Lee e Chuck Norris – não chegavam a empolgar.

Para tentar recuperar os leitores, Fu Manchu retorna em sua última grande saga. Ele está velho e o seu elixir da juventude já não funciona mais como antes. Por isso, precisa do sangue de seus filhos para rejuvenescer.

Desta vez, em vez de ressuscitar um de seus antepassados, ele usa um clone de Shang Chi, disfarçado como o Agente da Morte. Claro que esse pálido reflexo não foi suficiente para derrotar o Mestre do Kung Fu.

Day dá um show de design e narrativa nessa que é a última grande aventura de Shang Chi.

Master of Kung Fu # 115Master of Kung Fu # 118

Encerrada a participação de Gene Day, as últimas histórias do personagem trazem arte de David Mazzucchelli, em começo de carreira; e William Johnson – um bom artista, com talento para as cenas de luta, que depois desenharia um arco importante do Demolidor –, arte-finalizado por Mike Mignola, dando seus passos iniciais como artista profissional.

Shang Chi voltaria anos depois, em outras aventuras, algumas delas até escritas por Moench e desenhadas por Gulacy, mas a mágica que havia naquelas velhas histórias da década de 1970 nunca mais retornou.

Na década de 1990, o herói retornou em uma aventura na antologia Marvel Comics Presents, e no especial Master of Kung Fu – Bleeding Back.

Nos últimos 15 anos, Chi ganhou uma minissérie de seis partes com Moench e Gulacy, Shang Chi – Master of Kung Fu, da linha Max; participou das aventuras dos Heróis de Aluguel, ao lado de Coleen Wing e Misty Knight; de uma edição especial coestrelada por Deadpool; e ajudou Pete Wisdom e o serviço secreto britânico.

Durante o arco Shadowland, auxiliou o Homem-Aranha e, alguns anos depois, ensinou Kung Fu para Peter Parker. Posteriormente, fez parte dos Vingadores Secretos e ao lado do Capitão América enfrentou agentes de Zheng Zu (o novo nome de Fu Manchu, que, por motivos de licenciamento, a Marvel não pode mais usar, salvo em certas republicações).

Na fase Marvel NOW, Shang Chi se juntou aos Vingadores e enfrentou uma ameaça extraterrena que lhe deu alguns superpoderes – a capacidade de criar duplicatas de si mesmo. No evento Guerras Secretas, ele ganhou uma minissérie de três partes, Battleworld – Master of Kung Fu. Atualmente, o herói está bastante ativo no Universo Marvel. Mas ainda distante do brilho de outrora.

A Panini Comics pretende relançar as aventuras clássicas de Shang Chi na Coleção Histórica Marvel ainda este ano.

Sérgio Codespoti é fã de Shang Chi, Punho de Ferro, Bruce Lee, Jet li e Sawamu, mas não é uma pessoa agressiva, prefere ver boas lutas no papel ou nas telas do cinema.

[adrotate group="10"]
Já são mais de 570 leitores e ouvintes que apoiam o Universo HQ! Entre neste time!
APOIAR AGORA