Confins do Universo 203 - Literatura e(m) Quadrinhos
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Sérgio Cariello fala de sua carreira ao Universo HQ

1 dezembro 2001

Sérgio Cariello - Desde que consegui pegar num lápis, aos 3 ou 4 anos. Desenhava tudo que imaginava e via na TV.

UHQ - Você e seu irmão Octavio (Cariello) (nota do UHQ: um dos fundadores da Fábrica de Quadrinhos), começaram a se interessar por quadrinhos na mesma época?

Cariello - Creio que sim. Lembro que inventávamos nossos próprios personagens, com nomes americanizados, e íamos às bancas pra comprar gibis juntos.

UHQ - Hoje, com a globalização, internet e outras coisas mais, o contato com editoras estrangeiras ficou mais fácil. Como foi que surgiu a idéia de viajar para os Estados Unidos e estudar na escola de Joe Kubert (nota do UHQ: Sérgio foi também aluno desta escola)?

Cariello - Sempre sonhei em ser desenhista de HQ. Aos 5 anos de idade disse aos meus pais que era isso que seria quando crescesse. Fui fã do Joe Kubert bem cedo, quando fez Tarzan.. Em 1982, vi uma revista do Batman, desenhado pelo Gene Colan, no aeroporto de Recife, com uma propaganda da Escola do Joe Kubert. Logo quis saber mais a respeito. Pedi Catálogo, comprei um Curso "Fale Inglês" da Abril e comecei a juntar grana pra ir.

Envolvido na Igreja, conheci o Reitor de Seminário Rev. Francisco Leonardo, holandês, que conseguiu meia bolsa no Word of Life, de onde, de lá, em 1986, me inscrevi na Joe's School. Após estudar a Bíblia por um ano, fui aceito. Pra pagar a escola do Joe trabalhei como zelador de uma igreja em Manhattan.

Por problemas de visto tive que sair da escola e retornei em 1990 e, com ajuda do governo americano e trabalhando na Sears (empresa americana), como mecânico e Supervisor, meio período, fiz o primeiro ano e metade do segundo, pois fui trabalhar na Marvel como letrista no Bull Pen.

Arte de Sérgio Cariello, para AzraelUHQ - Quais as principais dificuldades que um artista como você enfrentou numa terra desconhecida?

Cariello - Nos primeiros 6 meses, o idioma. Mas como estava sempre envolvido com americanos e estudando a Bíblia em inglês, consegui o que precisava pra dominar a língua. O resto, grana, poucas horas de sono, imprevistos, puxadas de tapete por baixo dos pés, acontece com todos. Tudo valeu. Tudo contribuiu pro meu bem, assim como fala a Boa Palavra do nosso Criador, lá em Romanos 8: 28.

UHQ - E qual foi seu primeiro trabalho como profissional de quadrinhos na terra do Tio Sam?

Cariello - Ironicamente, meu irmão, Octavio me indicou pra Caliber, num projeto de H. P. Lovecraft, Dagon, que iniciei enquanto cursava na Kubert School e terminei no Bull Pen da Marvel, o que me levou a pegar mais trabalhos, já que os editores de lá viram que eu podia fazer mais do que só letrinhas nos gibis.

UHQ - E de letrista da Marvel como conseguiu o seu primeiro trabalho como desenhista?

Cariello - Sempre ficava fazendo caricaturas de funcionários, e baseado nisso, Pat Garrahy me deu O Demolidor # 128 pra fazer, enquanto Rich Ashford me deu Spellbound pro Marvel Comics Presents, por ver o que fiz pra Caliber.

UHQ - Depois disso, você passou por várias editoras (Image, Dark Horse etc). Hoje você desenha o título Azrael, da linha do Batman. Como foi seu contato inicial com a DC Comics?

Cariello - Pat Garrahy foi pra DC pra alavancar o Deathstroke e me convidou pra ser o desenhista.

Arte de Geraldo BorgesUHQ - Como é o relacionamento entre o escritor e o desenhista, principalmente quando se trabalha para as grandes editoras, que têm uma pressão muito grande no que diz respeito aos prazos?

Cariello - Como qualquer relacionamento, em qualquer trabalho. Todo trabalho tem prazo. Trocar o óleo de um carro não deve passar dos 20 minutos; e desenhar um livro de 22 paginas não deve passar de 30 dias. Se passar disso, há uma reação de insatisfação em cadeia, que levará o chefe a trocar de trabalhador. Se você cumpre seus deveres, o relacionamento com seu chefe é ótimo.

UHQ - Entre tantos personagens importantes que você trabalhou (Homem-Aranha, Demolidor, Deathstroke, Batman), qual você teve maior satisfação no resultado final?

Cariello - Frederico, O Detetive, publicado pelo suplemento infantil do Diário de Pernambuco, de 1975 a 1980! Porque fiz tudo: história, lápis, arte-final, letra. Batman e o Arqueiro Verde foram muito gratificantes, talvez o melhor resultado de tudo que fiz, principalmente pelo Batman ter sido escrito por Dennis O'Neal.

UHQ - E quais são seus ídolos na arte seqüencial (escritores, desenhistas, arte-finalistas etc)?

Cariello - Jeph Loeb, Frank Miller e Mark Waid são um dos melhores escritores. Joe Kubert, Lee Weeks, John Romita Jr, alguns dos melhores desenhistas. Jesse Delperdang, Scott Hanna e Scott Williams, os melhores arte-finalistas. Bill Oakly, John Workman e Ken Bruzenak, os melhores letristas.

Eu não quero dizer que os artistas e escritores acima citados, são os MELHORES, mas estão ENTRE os melhores. Há tantos outros bons artistas por aí. Acho injusto escolher apenas três.

UHQ - Uma coisa interessante é que você acabou voltando pra Joe Kubert's como professor. Como aconteceu isso e o que você leciona na escola?

Cariello - Houve uma "depressão" no mercado, que me levou a pedir emprego lá, uns seis anos atrás. Joe não hesitou em me empregar. Já passei por várias matérias: Story Adaptation, Color, Methods and Materials, Basic Drawing, etc. Human Figure tem sido minha matéria nos últimos 3 anos, acho.

UHQ - Inclusive um dos desenhistas oficiais no Universo HQ, Daniel Brandão, é seu aluno.

Cariello - Foi meu aluno no primeiro ano. Daniel foi meu melhor aluno! Em todos os sentidos! Bom desenhista e educadíssima pessoa (fator principal em qualquer trabalho).

UHQ - Qual o panorama atual do mercado de quadrinhos nos Estados Unidos?

Cariello - Muita gente diz que o mercado encolheu. Muito pelo contrário! Ele aumentou. Muito mais opção de trabalho, com seus vários estilos e temas, pra todo tipo de gosto. Só que a concorrência é mundial! Qualquer pessoa , de qualquer lugar, pode concorrer a um lugar ao sol americano. Basta ter a apresentação certa, na hora certa , pra pessoa certa.

UHQ - Pra terminar, qual conselho você daria para aqueles que ainda estão batalhando pra conseguir seu espaço no Brasil?

Cariello - Procure seu espaço no mundo. Creio que todos que têm ideais, os têm porque foram CRIADOS com ideais. Por isso, terão oportunidades pra passarem por eles. No entanto, eles precisam se preparar pra tais oportunidades, no traçar e no se relacionar. E é preciso ter conhecimento de que GRANDES oportunidades vêm, na maior parte das vezes, disfarçadas de oportunidades tolas, sem valor, mas que, se pegas e aproveitadas, serão o primeiro passo de uma longa e próspera caminhada.

UHQ - Sérgio Cariello, muito obrigado pela entrevista.

Cariello - Foi um prazer, Geraldo!

Desenho de Sérgio Cariello para o Universo HQ

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