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Sonhos de um morcego

1 dezembro 2001

Sonhos de um morcego

Por Sidney Gusman
Ilustrações: Tomo Maeichioka

Manhã em Gotham City.

Enquanto almas apressadas cruzam a cidade rumo aos seus afazeres diários, um homem imita o animal que o inspira e dorme um sono merecido. Ou, pelo menos, tenta...

Bruce Wayne, sem camisa, mas ainda com a calça do uniforme, sua muito enquanto dorme. Seu corpo se debate na cama larga. Ele tenta acordar, mas não consegue. Mais uma vez, ele revê a cena que deu origem ao seu alter-ego, o Batman.

"Já faz quase 30 anos... Mesmo assim, esse maldito pesadelo continua me perseguindo. Não há semana em que eu não reviva cada detalhe de como tudo aconteceu", pensa Bruce Wayne, em seu sonho.

"Eu estava radiante! Papai e Mamãe sorriam ao ver como eu enaltecia o Zorro! Nossos passos dirigem-se para o maldito beco. Vejo-me ainda garoto e tento avisar a mim mesmo ou aos meus pais para mudarem de caminho. Não entrem aí!. Mas ninguém ouve meus gritos. Minha voz é abafada! Tento tocá-los, mas atravesso-os como um fantasma. Oh, não! Vai começar tudo de novo!"

"Espere! Algo está errado! Quem é esse homem? O que ele faz aqui?"

"Misteriosamente, a cena que precedeu o assassinato de meus pais se congela. O homem esguio, de rosto pálido e cabelos arrepiados e vestindo um estranho manto caminha em minha direção... Como ele pode me ver? Isso não pode estar acontecendo! Ele não estava lá!"

Então, o estranho responde, com uma voz sombria e grave: "Sei que não presenciei essa cena, mas, cada vez que você a revive, compartilha-a comigo. Sua dor pode ser sentida até mesmo aqui, no Mundo dos Sonhos.

"Mundo dos sonhos? Do que você está falando? Quem é você? O que quer? Deve ser algum plano de um de meus inimigos... O Espantalho ou talvez o Charada...", imagina Batman.

Imediatamente, Batman tenta acertá-lo com um murro, mas o corpo do estranho some, reaparecendo imediatamente atrás do herói.

"Sua inquietude e desconfiança são tamanhas, que extrapolam os limites do seu corpo físico. Fascinante!", diz o enigmático ser, antes de se esquivar de outro golpe do Morcego.

Então, com um mero gesto, ele faz Batman ficar imóvel. "Se esta é a única maneira de fazê-lo me ouvir, então, assim será!", estabelece.

Batman fica imóvel. Seus músculos não respondem aos seus pensamentos. Impotente, ele decide ouvir o estranho... pelo menos até descobrir uma maneira de se livrar de seu confinamento.

"Pois bem, quem é você? O que quer de mim?", indaga Batman.

"Eu tenho muitos nomes. Sonho, Morpheus, Kai'ckul, Oneiros e entre os seus pares sou conhecido como Sandman. Mas isso pouco importa..."

"Mentira! Eu conheci três homens que usaram o nome Sandman para combater o crime; e garanto que você não se parece com nenhum deles!", retruca o Homem-Morcego.

"Cale-se! Eu não tenho necessidade de mentir. Estou muito acima das verdades e mentiras de vocês, humanos. Mas, você tem razão. Outros executaram meu trabalho no seu mundo, enquanto estive aprisionado. Eles foram úteis em suas missões. Cada um ao seu modo."

"Mas não estou aqui para discutir amenidades. Vim lhe oferecer uma dádiva. Não costumo fazer concessões desse tipo, mas tua alma já foi atormentada demais! Não posso mudar o que aconteceu no seu passado, mas posso amenizar sua dor, impedindo que continue a rever sempre essas cenas, pois meus são os desígnios que regem o Reino dos Sonhos."

Batman observa calado enquanto o Mestre dos Sonhos continua: "Apesar de ser espantosamente determinado, você caminha sobre o fio de uma navalha, a todo momento. Se continuar assim, não tardará a conhecer os reinos de minhas irmãs, Delírio e Desespero. Por isso, resolvi lhe fazer esta oferta. Então, qual é sua resposta?"

O Homem-Morcego fita-o, de cima abaixo. Os segundos de silêncio parecem uma eternidade. Então, para espanto do Mestre dos Sonhos, Batman move-se, libertando-se de sua prisão mística.

"Inacreditável! Ninguém nunca se libertou de minhas amarras oníricas. Tens uma força mental enorme. És mesmo um ser especial e provou ser digno de minha oferta", disse Sandman.

"Se eu não fosse um homem de boa educação, lhe diria onde enfiar sua oferta. Mas como não é este o caso, vou simplesmente recusar sua 'dádiva' e pedir que suma agora da minha frente!", grita Batman, já caminhando em direção a Lorde Morpheus.

"O que? Tens a audácia de recusar minha oferta? Não entendo...", fala o atônito Sandman.

"Há uma coisa que você, do alto de sua sabedoria, não consegue entender: eu não quero me livrar desse pesadelo... porque preciso dele! Ele é que me impele, dia-a-dia, a realizar minha missão... a limpar a minha cidade da imundície dos criminosos... Rever as cenas da morte de meus pais, apesar de doloroso, é algo que me fortalece para esta luta!", exclama Batman, cerrando os dentes.

Sandman apenas o observa, soturno, até que resolve falar: "Sua lógica é insana, mas respeito sua decisão! Vou partir e você não mais se recordará de nosso encontro. Mas, antes, devo fazer uma correção: eu disse que se continuasse nesta trilha, acabaria por conhecer os reinos de minhas irmãs Desespero e Delírio... Eu estava errado! Seu auto-controle e sua força interior não deixariam que isso se concretizasse. Você está cada vez mais perto é do reino da minha irmã mais velha..."

"Não sei como, mas acho que sei de quem está falando e, acredite, quando chegar o momento, estarei preparado para o nosso encontro", enfatiza Batman, que, atrás do Mestre dos Sonhos, vê seus pais, com um ar de serenidade, ao lado de uma estranha e pálida moça, de cabelos negros.

"Agora, peço que saia da minha frente e me deixe despertar, pois está na hora de eu voltar, para enfrentar um pesadelo muito pior do que esse, o mundo real de Gotham City!".

"Que assim seja, Batman", finaliza Lorde Morpheus.

17h. O aparelho de som desperta, com um volume mais alto do que o apropriado. Preciso pedir que Alfred tenha mais cuidado com isso. A música no rádio é In dreams, de Roy Orbison. Sinto uma estranha e inexplicável sensação de déja-vu. Recordo que tive um sonho esquisito, mas... não consigo lembrar dos detalhes...

Bem, não há tempo para ficar pensando em sonhos agora, pois, para enfrentar a corja que infesta a noite de Gotham City, eu preciso estar bem acordado!

08

 

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