Super-Herói sim, por que não?
Durante
muito tempo se propagou uma linha de pensamento que dizia respeito à impossibilidade
de se produzir quadrinhos de super-heróis nacionais. Alguns diziam que
não tínhamos a tradição; outros, o "talento"; e alguns, que o gênero (melhor,
subgênero) estava esgotado, pelo excesso de produção desse tipo de material,
principalmente, pelas duas grandes editoras que monopolizam o "mercado"
de quadrinhos brasileiros.
Pois bem.
Desconsiderar as possibilidades de uma HQ com um super-herói nela seria
ignorar um jeito diferente de narrar uma história. Veja bem, não creio
que um gibi de super-herói seja o melhor veículo para tratar de temas
sérios, mas que a presença de um sujeito assim numa história não chega
a ferir ninguém, principalmente se ele for só mais um elemento acrescentado
no cadinho da imaginação do leitor, é inegável.
Pense a respeito: o Brasil, assim como vários outros países que se encontram
numa situação de quase homogeneização cultural imposta pelos americanos,
não pode utilizar-se da antropofagia proposta pelos modernistas por qual
motivo?
Para
mim, a idéia da antropofagia é tão válida hoje, quanto foi em 1922 e nos
anos subseqüentes. Daí a assinar uma HQ by fulano de tal são outros
quinhentos. Até porque, caramba, temos a língua portuguesa, que é muito
mais rica em comunicar nuances que o inglês, que é perfeito para comunicar
o ódio, como um ou outro roteirista de quadrinhos anglófono já disse.
Deixar de pensar numa história porque ela precisaria de um super-herói
para funcionar seria tolher a imaginação de quem quer que se propusesse
a produzi-la. Aliás, o bendito super-herói, ou melhor, super-humano, já
existe há tempos, e freqüentou a Bíblia (Sansão), Odisséia,
Eneida, Ilíada (deuses e semi-deuses olímpicos), a filosofia
(Zaratustra, de Nietzche), o teatro (Homem e Super-Homem,
de Bernard Shaw) e assim por diante. O subgênero é derivado da ficção
científica, e não consigo enxergar grandes diferenças entre uma coisa
e outra.
Afirmar que não há nada a se acrescentar aos super-heróis é mais ou menos
como dizer que histórias de ficção científica (e, conseqüentemente, de
super-heróis) só devem ser produzidas em inglês, que não funcionam em
português...
Bom,
para quem não lembra, um dos iniciadores do gênero foi alfabetizado em
sua língua materna primeiro, neolatina como a nossa, o francês, e publicou
nela toda sua obra: trata-se de Júlio Verne.
Devemos, então, nos fechar para as possibilidades do subgênero? Mesmo
sem tentar a mão sequer uma vez? E engolir os enlatados, então, fica proibido
também?
Queiramos ou não, os super-heróis fazem parte do que chamamos de nossa
cultura popular (ou pop, para abreviar e americanizar) e não aparecem
mais só nos quadrinhos, mas também no cinema (Corpo Fechado) e
na literatura (As Incríveis Aventuras de Kavalier e Clay), sem
ficarem nem um pouco deslocados. Por que ignorar isso? Por que não tirar
proveito?
Recomendo que qualquer um que ainda tenha dúvidas a respeito leia A
Insólita Família Titã, de Gian Danton e Bené Nascimento, e veja como
se pode usar super-heróis de forma adequada, e sem ferir as convenções
do gênero, numa HQ 100% brasileira.
Abs Moraes tem uma
queda declarada pelo que chama de "subgênero" da ficção-científica, e
tem tentado escrever histórias em quadrinhos relevantes utilizando-se
dele há muito tempo. Você pode conferir alguns de seus trabalhos online
e também no site da Nona
Arte, e descobrir seu flerte com outros gêneros, como aventura,
drama e erótico (mas este último foi só uma vez).