Teresina, uma cidade que respira o humor
Durante o bem organizado 21º Salão
Internacional de Humor do Piauí, a população
deu um exemplo de como valorizar os artistas do traço, algo muito
raro no Brasil
Por Sidney Gusman
Quando
se fala em salão de humor no Brasil, a imensa maioria das pessoas logo
menciona, por toda sua (merecida) importância, o de Piracicaba. No entanto,
há um outro tão tradicional e relevante quanto; com a mesma premiação
para os participantes; que recebe trabalhos do mundo inteiro; e este ano
realizou sua 21ª edição: o do Piauí.
Este ano, o Salão Internacional do Piauí aconteceu de 20 a 26 de
outubro, na capital do estado, Teresina. O cartaz desta edição foi feito
pela artista polonesa Malgorzata Tabaka. A organização foi da Fundação
Nacional do Humor, encabeçada pelo incansável cartunista Albert Piauí,
com parcerias com o Governo do Estado, a Prefeitura Municipal,
a Fundação Cultural do Piauí, a Secretaria Estadual de Educação,
a Empresa Piauiense de Turismo, Serviço de Assistência Social e Comunitária
e o Departamento Estadual de Trânsito.
Foram
950 trabalhos vindos dos mais distantes pontos do planeta, como Ucrânia,
Cuba, Japão, República Tcheca, Israel, Bélgica, Polônia, Itália, Estados
Unidos, Argentina, China, Espanha, Irã, Rússia e outros. Passaram para
a fase final 200 obras, concorrendo nas categorias Charge, Cartum
e Caricatura, além de duas especiais: Caricatura de Herbert
de Souza, o Betinho e Cartum sobre Fome.
E o nível dos desenhos era altíssimo. Quem conhece o Salão de Piracicaba,
o mais renomado do Brasil, pôde atestar que, no quesito qualidade dos
trabalhos, ambos estão num nível bastante parelho. E isso é ótimo, pois
não deve haver rivalidade entre eventos desse gênero, mas sim uma cooperação
para que todos se sobressaiam a cada vez mais.
A comissão julgadora foi formada por Luiz Solda, cartunista de Curitiba;
o carioca Luís Pimentel, editor adjunto do jornal O
Pasquim 21 (que tinha um estande no evento); o caricaturista piauiense,
mas radicado em São Paulo, Dino Alves; este jornalista, representando
o Universo HQ; Érico Junqueira Ayres, cartunista maranhense; os
quadrinhistas pernambucanos Mascaro e Lin, da revista Ragú; o desenhista
Jô Oliveira, uma fera do traço nacional, atualmente morando em Brasília;
e Fred Ozanan, da Paraíba, um grande ganhador de salões pelo mundo.
Depois
de vários turnos de votações, foram eleitos os vencedores, que levaram,
cada um, dois mil reais. Devido ao excelente nível das obras, foram atribuídas
várias menções honrosas, sem premiação financeira. Confira:
Caricatura
Vencedor: Luiz Carlos Fernandes, de São Caetano do Sul/SP;
Menções Honrosas: Omar Figueroa Turcios, da Espanha; Gilmar de Oliveira
Fraga, de Porto Alegre/RS; e Gláucio de Oliveira Santos, de Embu/SP.
Charge
Vencedor: Braga Tepi, de Teresina/PI;
Menções Honrosas: Mário Magnatti, da Itália; e Francisco Tadeu Soares
da Silva, do Rio de Janeiro/RJ.
Cartum
Vencedor: Jurij Kosobukin, da Ucrânia;
Menções Honrosas: Las Muniz, de Belo Horizonte/MG; e Leslie Ricciardi,
dos Estados Unidos.
Caricatura
de Betinho
Vencedor: Gilmar de Oliveira Fraga, de Porto Alegre/RS;
Menção Honrosa: Omar Figueroa Turcios, da Espanha.
Cartum sobre Fome
Vencedor: Paulo Volmar Mattos Vilanova, de Porto Alegre/RS;
Menção Honrosa: Ajubel, da Espanha.
Muito mais que uma mera exposição
Como todo salão de humor, o do Piauí tinha sua principal atração na mostra
dos trabalhos finalistas, no Complexo Cultural Clube dos Diários.
Mas, com pouquíssima verba e criatividade de sobra, a organização se preocupou
em fazer do evento algo bem mais amplo. E conseguiu!
Para
toda a semana, foi montada uma intensa agenda de atividades abertas ao
público. Assim, quem se interessou pôde acompanhar oficinas de Quadrinho
Autoral, com Lin e Mascaro; Leitura de Charge, com Fred Ozanan;
Texto de Humor, com Luís Pimentel (aliás, uma excelente sacada,
pois os salões do Brasil nunca se lembram que o texto também precisa ter
humor); Desenho de Humor para Crianças, com o premiadíssimo (ganhou
Piracicaba este ano) cartunista local Jota A.; Anatomia Básica para
Quadrinhos, com Leno Jefferson de Carvalho, quadrinhista de Teresina;
Cartum, Charge e Caricatura para crianças, com Ribamar Júnior;
Grafite, com o Grupo MP3; Desenho de Humor em Bico de
Pena, com Paulo Moura; Conversando com Humor, com Dino Alves,
e outras.
Além disso, houve debates sobre temas como Humor na Escola e O
Mercado de Humor, com todos os jurados, mais artistas locais; e palestras
como Jornalismo Especializado em Quadrinhos, com este escriba.
Procurando integrar outras artes ao evento também ocorria diariamente
uma sessão de vídeos amadores produzidos em Teresina.
Outra
atração do evento foi o talentoso potiguar Zaia, que faz caricaturas ao
vivo, em cerca de dez minutos. Até aí, nada de mais, certo? A diferença
é que ele não usa lápis e papel, mas sim argila! O resultado é
impressionante. Até o governador do Piauí, Wellington Dias, levou a sua
para casa.
A preocupação de levar a "cultura do traço" às escolas de Teresina foi
outro ponto alto do evento. A exemplo do que aconteceu na Maratona
de Quadrinhos do
3º Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte,
a organização do Salão do Piauí se aliou a um entusiasmadíssimo
grupo de arte-educadores, comandado pela professora Judith Guacyra, e
criou o projeto Humor nas Escolas.
A
intenção é levar à rede de ensino conceitos básicos sobre o desenho de
humor. "Não será o cartunista que irá para a sala de aula, mas o próprio
professor, que trabalhará esses aspectos com a nossa orientação", explicou
Albert Piauí. "Além disso, precisamos criar material didático nessa área,
pois no Brasil não existe. Vem muita gente ao Salão, mas não conhecemos
essas pessoas. Com esse projeto, queremos criar um público específico,
que começará a ser formado na escola."
E, apesar de tímidos, os resultados já começaram a aparecer nesta edição
do evento, com as visitas de diversas turmas de alunos à exposição dos
selecionados, com vários intuitos, de apenas apreciar a fazer trabalhos
escolares.
Fica a torcida pelo sucesso deste relevante projeto; e a dica para que
haja um intercâmbio de experiências com outras cidades do Brasil que estejam
fazendo atividades similares.
O humor está no ar
No
entanto, a "jogada de mestre" da organização foi espalhar exposições de
seu acervo por vários pontos da cidade, sob estruturas tubulares cobertas
com uma espécie de toldo. Assim, criaram uma integração ainda maior com
a população. Afinal, as pessoas nem precisariam se deslocar para ir ao
humor; o humor ia até elas!
Havia exposições sobre Ziraldo, o Pasquim 21, de quadrinhistas
de Recife e de Teresina; a temática Fome Zero e outras. Numa das
principais avenidas de Teresina, além de três mostras "enfileiradas",
havia uma linda caricatura de quase dez metros do Rei do Baião, Luiz Gonzaga.
E o mais incrível de tudo, que denota o respeito que o povo de Teresina
tem pelo Salão: esses locais não tinham portas e o efetivo de segurança
era mínimo. Ou seja, ficavam abertos 24 horas por dia. Mesmo assim, não
houve nenhum ato de vandalismo contra os trabalhos. Um exemplo também
de cidadania.
Vale
lembrar que, normalmente, quem vai a uma exposição de um salão de humor
são pessoas que curtem o assunto. Por isso, outro grande mérito dessa
iniciativa foi despertar o interesse de cidadãos comuns que, muitas vezes,
nem sequer sonhavam em passar os olhos sobre uma mostra de desenhos.
E os efeitos disso puderam ser conferidos no Complexo Cultural Clube
dos Diários, onde pessoas de todas as classes sociais, das mais díspares
faixas etárias, caminhavam lado a lado, admirando os trabalhos expostos
e, claro, rindo bastante.
Esses visitantes também puderam apreciar o trabalho magnífico de Solda,
um cartunista de mão-cheia que ganhou uma bela exposição de alguns de
seus trabalhos, impressos em pano, numa solução gráfica barata, criativa
e muito interessante, visualmente falando.
O
que mais chama a atenção em suas obras, é que ele só faz hachuras usando
letras ou números (confira no detalhe), que sempre têm a ver com o tema
central da piada. Excelente a idéia de Albert Piauí de homenagear Solda
e, assim, mostrar para o público de Teresina um talento de outro estado.
Essa integração é vital para a disseminação cada vez maior do humor no
País.
Durante todos os dias, a imprensa local (rádios, TVs, sites e jornais)
deu grande destaque para o Salão do Piauí, em mais uma prova da
importância do evento para a cidade e seu povo.
Isso pôde ser comprovado também na forma carinhosa como as pessoas tratam
seus artistas. Na solenidade de abertura do evento, por exemplo, ao ser
chamado ao palco, Jota A. foi ovacionado pela platéia. E o assédio se
repetia no dia-a-dia. Os pernambucanos Lin e Mascaro até brincaram com
ele, dizendo que era a primeira vez que viam um cartunista ser tratado
como popstar.
A
sensação que se tinha durante o Salão, é que a cidade "respira"
o humor. Talvez essa integração explique o fato do Piauí ser berço de
muitos humoristas de grande sucesso pelo Nordeste e alguns até no Brasil,
como o ótimo João Cláudio Moreno, que fazia o Caretano, na Escolinha
do Professor Raimundo, na Rede Globo, e que tem todos os seus
shows com lotação esgotada em Teresina.
Quem já participou de alguns dos principais eventos do gênero do País,
com certeza, já ouviu falar do realizado na abrasadora Teresina, de sua
tradição, da qualidade dos trabalhos etc. Mas, honestamente, nada do que
se diz se compara à experiência de constatar, de perto, esta interação
entre o povo da cidade e o humor, algo único no Brasil. Em sua 21ª edição,
o Salão Internacional de Humor do Piauí completou a "maioridade"
em grande estilo.
Sidney Gusman foi pela
primeira vez a Teresina, onde conferiu de perto a grande hospitalidade
do povo local, o "frescor" dos quase 40 graus durante o dia
e a famosa Cajuína, um refresco à base de caju. O duro foi
o cara levar uma caixa de doze garrafas na bagagem de mão e fingir
que estava leve na hora do embarque.