Terra da Liberdade, Lar do Bravo!
Dia 17 de março de 2003. Cenário: a Casa Branca. Mais precisamente o Salão de Reuniões. Aqui, várias vezes, foram tomadas decisões que orientaram o rumo da América e do mundo. Além do próprio presidente e seu vice, estão presentes os conselheiros militares, e os diretores da CIA e da Shield.
Com um ar de tranqüilidade que lhe é peculiar, o presidente George W. Bush dirige a palavra ao coronel Nick Fury:
- Peça a ele para entrar, Fury.
Espalhando fumaça pela sala, o diretor da Shield caminha até a porta, dá uma ordem a um soldado que aguardava do lado de fora e, em menos de um minuto, eles ouvem se aproximar os passos mais firmes e decididos que já puderam perceber. O homem envolto num uniforme azul estrelado evoca respeito de todos os olhares, o escudo de metal reluzente alçado em suas costas não é menos imponente.
- Senhor presidente! - Como um soldado pronto a acatar quaisquer ordens, ele assume a posição de sentido ante a mesa de reuniões onde Fury torna a se acomodar, junto dos demais líderes.
- Você está a par dos últimos acontecimentos?
- Se está se referindo às recentes hostilidades com relação ao Oriente Médio, sim.
- Nós temos provas de que ele está ocultando dezenas de fábricas de armas de destruição em massa.
- São as mesmas provas que o senhor apresentou ao Congresso?
- Ham-Ham! - Fury pigarreia alto ao fundo, alertando o homem por trás da máscara de que está entrando em terreno perigoso.
- Ora, hã... Não, não, não, aquilo foi um pequeno lapso de troca de documentos. - Bush tenta dissimular e continua - Temos outras fontes. Fotos de satélites e informes de um grupo avançado da Shield.
Os gigantescos olhos azuis dirigem-se lentamente para Fury, perscrutando-lhe os gestos e lendo as mensagens subliminares de cada poro de seu rosto. Uma gota de suor próxima ao tapa-olho confirma o que ele já suspeitava. "Eles estão procurando uma desculpa".
- Aquelas pessoas, você sabe, mulheres, crianças... gente idosa, ignorante. Todos estão seduzidos pelo discurso dele. Aquilo é uma ditadura das mais cruéis. Nós estamos analisando uma intervenção para libertar aquelas pessoas. - Enquanto fala, Bush levanta-se e anda pela sala, aproximando-se do Capitão.
- O que pensa o resto do mundo? - Sua voz, mesmo em tom ameno, soa firme como um trovão.
- Estão cegos! A Inglaterra está conosco nesta empreitada, mas o restante da Europa e dos outros continentes não se importa com aquelas pobres pessoas.
- O que diz a ONU?
- Ora, filho! Você sabe que a ONU somos nós.
- O vocês que querem de mim?
- Nós precisamos que seja nosso símbolo! Queremos que lute mais uma vez em favor da liberdade e leve uma imagem de otimismo e segurança para o front! Quando entrarmos em Bagdá, quero que esteja à frente de nossas tropas alardeando para o mundo como a América lida com ditaduras.
Fury apaga o charuto na mesa, mas ninguém percebe. A tensão naquela sala seria capaz de provocar a fissão de um átomo. Ele sabe quem é o homem por trás da máscara, sabe como ele pensa, sabe quais suas prioridades. De fato, desde o início foi contra trazê-lo aqui, mas este novo presidente é menos flexível que o pai, e certamente menos inteligente, se dirige a palavra ao Capitão América desta forma.
Mas, o que ele pode fazer?! Há forças maiores por trás disso tudo, a indústria armamentista, os figurões do petróleo, o consenso de Washington... e não podemos esquecer a "conspiração". Ele quer a guerra, mas não só para entrar nos livros de história. Ele a quer para pacificar a economia da América, criar uma cortina de fumaça sobre todos os problemas que permeiam sua administração. E ele é mais ingênuo do que pensa, se acha que o Capitão América não sabe disso.
- O senhor quer que eu conduza suas tropas para a vitória?
- Sim! Quero que faça história mais uma vez!!!
- Sinto muito, senhor presidente, mas minha resposta é não. - Fury ainda se impressiona com a naturalidade como ele faz essas coisas. Deve ser fácil pra um cara que está por aí desde a Segunda Grande Guerra.
- Desculpe. Acho que não ouvi direito. - Cinismo. Talvez fosse a atitude menos recomendada neste momento - Você vai desacatar uma ordem minha?! Devo lembrá-lo para quem você trabalha, rapaz?! - Oh-Oh! Ele agora está cruzando a linha. Fury esfrega a mão lentamente ao longo do rosto. Eu não acredito! Ninguém disse pra ele o que o Capitão fez com o Reagan quando soube do caso "Irã-contras"?
- Senhor presidente, estamos falando de um país que tem suas leis e sua soberania assegurada pela Carta das Nações. Quer gostemos ou não, aquele território é a casa de outras pessoas, não podemos entrar lá e dizer-lhes o que devem fazer. O líder deles é um tipo fanático e uma ameaça ao mundo livre, mas que tipo de homens seremos nós se invadirmos o seu território sob o pretexto de fazer justiça... O petróleo deles não vale a vergonha de uma guerra.
- Você está passando dos limites, rapaz! - Com a voz trêmula de raiva e visivelmente contrariado, o presidente assume uma coloração avermelhada.
- Calma, senhor presidente. - O secretário geral tenta acalmar os ânimos - Capitão, por favor, seja razoável.
- Razoável?! Você achou o Panamá razoável, a Coréia razoável, o Vietnã?!
- Agora, a voz do Capitão passa a ribombar pelo salão oval, atraindo respeito e atenção. - Eu não concordei com nenhuma dessas intervenções. Verifique os arquivos! O Capitão América só participou de batalhas justas! Já vi sangue inocente demais derramado por ódio e ganância!
- Você serve a este País! (gasp!) Você (gasp!) serve a este País! - O presidente se apóia na mesa atrás de si, com a mão sobre o peito. A respiração parece difícil. Os conselheiros se aproximam para auxiliá-lo. O homem vestido com as cores de uma bandeira dá as costas lentamente e dirige-se à porta. O silêncio toma conta do recinto.
- Gostaria de lembrá-lo de mais uma coisa, sr. presidente: É bem verdade que trabalho para vocês, mas, quero que fique claro: antes de tudo, sirvo aos ideais de justiça e liberdade! - Os passos fortes caminham na direção da saída. Uma mão de ferro gira o trinco da porta e lentamente abre passagem. Antes de sair, seus olhos cruzam os olhos de todos dentro daquela sala, parecendo enxergar as almas e os segredos mais profundos de cada um. Parando na face trêmula do presidente: - Sim, senhor presidente, eu sirvo a América... mas, acima de tudo, eu sirvo ao sonho!
A porta se fecha lentamente atrás do gigante azulado. A confusão retorna, todos tentam auxiliar o presidente que, ao que parece, está diante de um ataque cardíaco.
Fury esboça um sorriso por trás da fumaça do charuto que acaba de acender e pensa: "É... Sempre achei tremendamente ridícula e cafona essa roupa dele, mas uma coisa é certa. Por trás dessa breguice toda... tem um cara com cujones! Talvez ainda haja esperança para a América".
20 de março: Estados Unidos e Inglaterra vão a guerra contra o Iraque... sem o Capitão América.