Visões de 2001
"Hmm. Lembra 2001, não?". Foi o que comentou John Constantine, astro de Hellblazer, com Steve Dayton, o milionário anteriormente conhecido como Mento, da antiga Patrulha do Destino, e pai adotivo do Mutano, dos Novos Titãs, ao contemplar o céu vermelho e adulterado pela onipresente Crise nas Infinitas Terras, numa cena de Monstro do Pântano #4, publicada por aqui em abril de 1990.
Avançando para fora dos limites dos quadrinhos, 2001 - Uma Odisséia no Espaço, obra-prima de Stanley Kubrick, no caso do filme, e Arthur C. Clark, com o livro, em 1968, elevou a ficção-científica a um estágio de arte nunca antes alcançado. Previsões sobre a corrida espacial, contatos alienígenas e inteligência artificial mesclavam-se na enigmática trama do monólito negro.
Na verdade, uma jornada do homem ao encontro de seus criadores, num conto sobre a participação da humanidade na evolução universal. A volta ao lar, o fechamento de um ciclo, o eterno retorno manifestado. Enfim, o renascimento. E uma idéia tão poderosa que influenciou até a pesquisa científica no mundo real.
Mas esta coluna ainda deve tratar de quadrinhos. Nossa próxima parada, portanto, é a história comemorativa publicada em Superman #300, no ano de 1976 - Superman em formatinho #6, pela Ebal - inestimável jóia da Era de Bronze, produzida por seus expoentes Elliot S. Maggin, Cary Bates e Curt Swan, sob a supervisão de Julius Schwartz e Bob Rosakis. "Imaginem se o Super-Homem chegasse a Terra HOJE... e crescesse no mundo de AMANHÃ!" eram os dizeres de capa. E o que se propunha a mostrar, obviamente, era o personagem existindo em 2001.
Vindo de Krypton, ele chegou a terra no dia 29 de fevereiro de 1976, sendo disputado por americanos e russos. Num conflito característico da Guerra Fria, dois helicópteros, um de cada potência, acabam destruídos, e o único sobrevivente, o tenente americano Thomas Clark, garante a seu país a posse da criança superpoderosa.
Tempos depois, em 1990, batizado com o codinome Skyboy, Kal-El impediu a deflagração da Terceira Guerra Mundial, fruto das manipulações de uma potência ascendente do Terceiro Mundo. A paz triunfou, mas custou a vida do General Kent Garrety.
Reverenciando tanto a trágica vítima da guerra evitada quanto aquele que anteriormente o resgatara, o visitante de outro planeta adotou o nome de Clark Kent, e um emprego como âncora de uma rede internacional de notícias, abandonando suas atividades heróicas. Pelo menos, é o que pretendia. Na noite da virada para o ano 2001, uma nova ameaça o fez renascer como verdadeiro Super-Homem: alguém que não se proclama salvador, mas prega que cada um busque dentro de si os meios para a real salvação.
A Era de Bronze dos quadrinhos passou e cedeu lugar a uma atmosfera mais cínica e realista e, logo depois, à explosão dos mega-eventos revolucionários e das mudanças bombásticas. Nesse contexto, foi publicada em 1991 pela DC a mini-série Armageddon 2001; e como reflexo das novas tendências o primeiro ano do novo milênio já não era mais como costumava ser. Embora tenha decepcionado e seja lembrada pelos fãs com um certo desgosto, ainda possibilita reflexões válidas.
O primeiro número (com texto de Archie Goodwin e desenhos de Dan Jurgens) e as premissas iniciais eram interessantes. Diziam que no ano 2001 todos os super-heróis da Terra seriam mortos, assassinados por um ex-herói renegado. Este viria a se tornar o Monarca, implacável ditador que governaria com mão de ferro o planeta inteiro nos anos seguintes.
Os super-heróis estavam mortos e suas vitórias e ideais, esquecidos. Mas não por todos! Surge em 2030 o protagonista da série, Matthew Ryder, cientista e pai de família, obcecado por disquetes que adquiria no mercado negro, contendo histórias dos extintos super-heróis. Sua própria filha era uma agente a serviço do Monarca. O mundo à sua volta era uma prisão, e seu propósito era libertá-lo.
Ao saber dos experimentos com viagem no tempo que o Monarca vinha realizando, Matt armou para chamar sua atenção e ofereceu-se como cobaia. Lançado no fluxo temporal, existindo na forma de energia pura e dotado de novos poderes, adotou o nome Tempus (Waverider) e regressou à época dos heróis para descobrir aquele que os trairia e, então, detê-lo.
A partir daí, vimos Tempus investigando os maiores heróis do planeta. Com um simples toque, era capaz de visualizar o futuro mais provável de cada pessoa, até conhecer que papéis desempenhariam em 2001. Nenhuma das investigações chegou a revelar o Monarca, mas as projeções futuras revelaram um pouco da visão dos escritores da época, e é um bom exercício estabelecer paralelos com o que aconteceu posteriormente na cronologia real do Universo DC.
Ao visitar pela primeira vez o futuro do Super-Homem, em história de Dan Jurgens, Tempus presencia o casamento de Clark e Lois, a aniquilação total de Metrópolis, causada pela Intergangue e a conseqüente política cada vez mais intervencionista do herói frente aos governos terrestres. O Homem de Aço não chega a se tornar o Monarca, mas enfrenta a Liga da Justiça e acabe sendo responsável por mortes, inclusive a de Ajax, o Caçador de Marte. Termina sendo executado por Batman, num confronto trágico no Beco do Crime.
A segunda investigação sobre o kryptoniano ocorreu numa história de Roger Stern, e foi a mais positiva de toda a saga. Clark Kent torna-se presidente dos Estados Unidos e realmente consegue um mundo melhor. Ficaram visíveis as influências do marco Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller(nas cenas finais da história de Jurgens, onde Super-Homem e Batman se confrontam), bem como da história de John Byrne em que Super-Homem assassinou criminosos kryptonianos.
Quanto ao que acabou ocorrendo "de verdade" no Universo DC, Lois e Clark se casaram num especial feito às pressas, que deixou muito a desejar; e a saga Rei do Mundo apresentou eventos semelhantes aos previstos em Armageddon 2001, embora o herói estivesse sendo manipulado pelo vilão Dominus.
Algo ainda mais semelhante ao destino previsto do Super aconteceu com outro herói, Hal Jordan, o Lanterna Verde. E no lugar de Clark Kent, quem se tornou presidente dos EUA foi Lex Luthor.
Outros pontos interessantes foram a história da L.E.G.I.Ã.O., que revelou os futuros de Vril Dox e Lobo, e a da Liga da Justiça Europa, na qual seus integrantes acabam cada um numa época distinta e encontram figuras ilustres como General Glória, Merlin, Etrigan, Jonah Hex, a Legião dos Super-Heróis e até mesmo Sherlock Holmes e H.G. Wells. Por obra de Keith Giffen, como não poderia deixar de ser.
Hoje, no 2001 "real", não há mais divisão européia da Liga da Justiça, e o destino do Lobo foi virar adolescente e entrar para a Justiça Jovem. Quem poderia imaginar algo assim, além de Peter David?
O confronto derradeiro com o Monarca, que passou a se chamar Extemporâneo durante a Zero Hora, aconteceu apenas recentemente, nas páginas de JSA. E a série Empire, escrita por Mark Waid e lançada pelo selo Gorilla da Image Comics, apresentou com muito mais competência a trama de um vilão que governa o mundo após exterminar seus heróis.
Este é o ano em que nossos mundos entrarão em guerra, em que teremos o renascimento de dois guerreiros esmeraldas outrora tombados, e um gladiador alado reconquistando seu lugar de direito no comando dos céus. Os super-heróis não foram exterminados, mas encontram-se em situação preocupante; e a batalha não é mais para salvar o mundo.
Na época de Brian Michael Bendis, Mark Millar, Joe Quesada, Bill Jemas, Kevin Smith e Crossgen Comics, trava-se uma luta para que os super-heróis e a própria indústria dos quadrinhos recuperem o público que lentamente foi se perdendo ao longo dos tempos.
Mais importante que a ressurreição de um personagem é o retorno de leitores antigos, a conquista de novos fãs, e ter tudo isso ocorrendo em revistas acessíveis e atraentes. Que daqui pra frente a magia não só esteja viva, mas também revigorada e presente no coração de um público cada vez maior.
Marcus Vinicius de Medeiros garante que jamais vai acreditar não acreditar nas "previsões de futuro" feitas nos quadrinhos. Como você pôde comprovar no texto acima, ele tem 2001 motivos para isso!