Os gibis que (quase) ninguém lembra mais
Elas tiveram sua época, marcaram presença nas bancas e deixaram saudades! Novinhas em folha, as revistas em quadrinhos esperavam para ser levadas para casa (quando isso não acontecia, viravam encalhe) e estavam sempre prontas para a sua leitura – no ônibus, na sala, no conforto da cama ou até em lugares não tão adequados.
Numa época em que celular era utilizado somente em filmes de ficção científica e a Internet um sonho muito, muito distante, a variedade de gibis já era enorme, para todos os públicos e gostos. Alguns bons, outros de qualidade duvidosa. E muitos deles foram esquecidos, quase para sempre, a não ser numa saudosa memória distante ou em coleções dos mais fanáticos por quadrinhos.
Gibis como o Almanaque de Mindinho – 1978 – Os Perigos de Paulina, da Editora Ebal. Baseado no seriado de 1914, The Perils of Pauline, famoso por trazer a donzela sempre em situações de enorme perigo, sendo salva somente no último minuto, sempre pelo mocinho da vez. Décadas após, esse seriado ganharia um filme para cinema, paródia em desenho animado (Os Apuros de Penélope Charmosa, da Hanna-Barbera) e em quadrinhos, pela Western Publishing Company, no começo da década de 1970, de onde veio o material dessa edição da Ebal.
No seriado original, Paulina é herdeira de uma fortuna que está nas mãos do secretário de seu falecido pai, até seu casamento. Antes disso, ela quer aproveitar e viver algumas aventuras, ocasiões em que o vilão tenta causar “acidentes” para ficar com todo o dinheiro para si.
No gibi, com a trama “modernizada”, o ricaço pai de Paulina compra um jornal para que a garota tenha uma vida mais produtiva, trabalhando como repórter. Mas o chefe de Paulina acredita que, se ela sofrer algum acidente, o velho largará a empresa, que ficará com ele. Daí os “perigos” de Paulina. E na HQ, com um traço estilizado, algo caricato e tiradas das mais divertidas, tudo é um grande clichê – a mocinha bonita “burrinha”, o mocinho bonzinho e um vilão malvado (e algo piegas).
Dois anos depois, em 1980, a Ebal lançou mais uma edição com a personagem, Almanaque de Mindinho – Os Perigos de Paulina. Nessa edição, ela dividia as páginas com outras HQs, como a Bruxa Caxuxa (depois publicada como Biruteia), a coruja Caburé (depois lançado como Arquimedes), a dupla Alceu e Roque e o trio Bufo, Bufão e Juru.
Ainda pela Ebal, uma linda série infantil em formato horizontal foi lançada em 1972, com duração de oito números. Os Tremendinhos em Cores trazia material de uma revista da DC Comics chamada The Three Mouseketeers.
Na trama, os ratinhos Quincas, Gordurino e Barriguinho vivem diversas aventuras. O título publicou também HQs de outros personagens – Pintotolo e Vivaldécio, Tunzinho QüeQüé, Birutildo K. Nidócio e Laparido e Raposeldo.
A editora Bentivegna publicou, em 1967, a revista em quadrinhos Curupira # 1, que durou somente uma edição. Os desenhos da capa e das HQs são de José Lancellotti, importante ilustrador brasileiro, criador de Raimundo, o Cangaceiro. A trama é sobre um caçador chamado Dr. Miracerta e o plano do Curupira para expulsá-lo da mata. Na outra HQ da edição, o protagonista é Pedrito, um gaúcho que, junto com seu tipo, decide apostar corrida contra os animais da floresta.
Dois títulos da editora Saber também tiveram duração de um número só. O Chefe, de 1971, apresentava uma HQ criada no Brasil, possivelmente, por Jorge Alberto Cavalli, que assinava a arte da capa. Na trama voltada para o humor, o mundo de um escritório vira de pernas para o ar quando uma linda secretária é contratada e seu chefe faz de tudo para conquistá-la, com tiradas que seriam consideradas hoje extremamente politicamente incorretas.
A outra revista foi O Mago Draculin, de M. Catalán (roteiro) e José Castillo (arte), lançada em 1972. Difícil achar referências sobre essa obra, embora tudo indique que seja originária da Espanha. Draculin, protagonista da aventura, era um mago totalmente atrapalhado, parecido com um vampiro, cujos feitiços acabavam invariavelmente tendo efeito oposto ao esperado.
Com duração de dois volumes, Jack do Espaço, de 1972, também da Saber, trouxe algumas aventuras publicadas originalmente como The Adventures of Smilin' Jack, de Zack Mosley, publicada ininterruptamente nos Estados Unidos entre 1933 e 1973 (!) no formato de tiras, em mais de 300 jornais. As HQs desses volumes reuniam tiras publicadas em 1967. Típico mocinho norte-americano, Jack era um piloto que enfrentava ladrões e espiões em HQs que têm como tema principal a aviação.
A Super Plá lançou Os Anjinhos em 1972. O título teve apenas um número publicado. Embora conste que o material é da King Features Syndicate, o autor desta matéria não conseguiu encontrar nenhuma referência aos personagens – a edição tem mais de uma dezena de HQs diferentes.
Ainda em 1972 (ao que tudo indica), a Cedibra lançou o álbum europeu Philemon e o náufrago do “A”. Com prefácio de René Goscinny (Asterix), a série criada pelo francês Fred (Frédéric Othon Théodore Aristidès) foi sucesso no mercado franco-belga, publicada entre 1965 e 2013, ano do falecimento do autor. Com humor inteligente e muito nonsense, mostra o protagonista, Philemon, caindo num poço e, como Alice, indo parar num lugar estranho, cheio de perigos e situações inusitadas. Infelizmente, só teve esse volume lançado no Brasil.
Perry – Nosso homem no espaço chegou às bancas em 1975, pela editora carioca Etcetera. Era uma quadrinização da série de livros de ficção científica Perry Rhodan. Voltada para adultos, a revista em quadrinhos teve apenas dois números lançados.
A Ideia Editorial lançou, em 1976, dois números da revista em quadrinhos Pixoxó Apresenta, com os títulos Pixoxó Apresenta Puff-Puff e outras histórias e Pixoxó apresenta Lino O Monstro. O material era originário da Dell Publishing Company, que publicou centenas de títulos e milhares de revistas em quadrinhos nos Estados Unidos, especialmente entre as décadas de 1940 e 1960 – nos títulos, HQs das séries Puff Puff, Caxuxa e Tuneu, No País dos Chapéus, Lino o Monstro, Teleca e a dupla Hugo e Sabugo.
No mesmo ano, a Ideia publicou Don Piloto, uma coletânea de “mil piadas com o aviador mais avoado do mundo”. A série, da United Features Syndicate, trazia as tiras de um atrapalhado piloto da Primeira Guerra Mundial e seu parceiro, o gato Flap. O autor Eli Bauer não foi creditado.
Também em 1976, a Vecchi publicou duas edições de Os Livros de Ouro da Juventude Apresenta - Taka Takata. O título trazia quadrinhos infantojuvenis europeus, publicados pelas editoras Dargaud e Éditions du Lombard. Na revista, diversas séries, além do protagonista – Aquiles, Radubol, Efêmero e Radubol, Max o explorador, Rififi e Cubitus, criações infantis/infantojuvenis de importantes nomes dos quadrinhos franco-belgas.
E pela Vecchi, chegou ainda ao Brasil, em 1975, a famosa série franco-belga Spirou, criada em 1938 por Rob-Vel e grande sucesso na Europa. A editora lançou a revista em quadrinhos com o nome de Xará. Foram duas edições em formatinho seguidas por duas em formato europeu. Na trama, estilo infantojuvenil, as movimentadas aventuras do jornalista Spirou e de Fantasio, um fotógrafo desastrado. Dentre os coadjuvantes, o carismático Marsupilami, um bichinho inteligente que tem uma cauda que faz, literalmente, o que ele quiser. As tramas foram criadas pela dupla Franquin e Greg. Spirou ganhou um álbum especial, em 1996, pela Editora Manole, com o título Luna Fatal.
Em 1977, a Editora Abril lançou King Tongo. Baseado no famoso e enorme gorila, o personagem, criação dos espanhóis Miguel Angel Nieto e Enrique Ventura, trazia em suas tiras a preocupação com as mazelas da civilização, sempre pelo viés do humor.
No ano seguinte, a Abril publicou Dani Futuro, da Editions Du Lombard, criação de Carlos Gimenez e Victor Mora. Com sete volumes no original, só teve o primeiro lançado por aqui. Na trama, o jovem Dani sofre um acidente e desperta no mundo de 2104, numa jornada de fantásticas descobertas e maravilhas científicas. No original, o título foi lançado no mercado espanhol e, logo depois, no franco-belga.
Mr. Magoo ganhou um almanaque da RGE em 1978. O personagem surgiu como desenho animado, na década de 1940, e é um senhor de idade praticamente cego, o que termina por causar situações de enorme confusão, para desespero de todos e especialmente de seu sobrinho Waldo. Destaque para as HQs protagonizadas por Gerald Boing Boing, uma criança cujas falas eram representadas na forma de desenhos – no desenho animado, ele imitava ruídos como buzinas, animais, aplausos etc. No Brasil, Mr. Magoo também teve uma série mensal em quadrinhos de curta duração lançada pela Ideia Editorial.
Em 1982, a editora Grafipar, responsável por um momento importante na história dos quadrinhos nacionais (a editora teve um volume expressivo de títulos em bancas, especialmente aqueles voltados para o público adulto), lançou dois títulos infantojuvenis de qualidade ímpar.
Robô Gigante – O Poderoso Guardião apresentava duas aventuras. A primeira, com roteiro de Cláudio Seto (figura das mais importantes na história das HQs brasileiras, assinando com o pseudônimo Selene Tobias) e arte do mestre dos quadrinhos nacionais Watson Portela, era uma aventura inspirada pelos mangás, que, na época, ainda eram praticamente desconhecidos do público leitor. O Robô Gigante era um autômato comandado por três pessoas, os Dragões da Independência, para enfrentar grandes ameaças. Com uma galeria de personagens dos mais interessantes, infelizmente só teve essa HQ publicada. Na segunda aventura do título, Ultraboy, de Franco de Rosa (arte e roteiro), trazia uma aventura com um personagem totalmente inspirado nos seriados Ultraman e Ultraseven.
Super Pinóquio – O roteirista e desenhista Cláudio Seto fez uma releitura do personagem Tetsuwan Atom (Astro Boy, criação de Osamu Tezuka) em A Origem de Super Pi. Um velho e solitário cientista criou um menino robô para ter companhia. Apesar de poderoso, o robô tinha os mesmos sentimentos que um ser humano normal, o que viria a ocasionar grandes problemas para os dois, em especial na figura de um vilão que queria expulsar o cientista da cidade. Outro título que, infelizmente, só durou um volume.
Ágata, de 1988, foi uma revista nacional com duração de dois números, com arte e roteiro de Paulo Hamasaki, que também era o editor – o título era publicado pela Comércio de Livros e Revistas Hamasaki Ltda. A personagem principal e que dá nome ao título era uma viajante espacial que se metia em grandes apuros por onde passava. No segundo número, ela estava no futuro decidindo uma eleição entre “Trenkredo” e “Maluk”, uma brincadeira com Tancredo Neves e Paulo Maluf. Outros personagens deram as caras no título, como Caruncho e Caroço, Dino e Anjo 13.
Jovem Radical em quadrinhos, da Editora Abril, também contou com o talento do traço de Watson Portela. Foram duas edições lançadas em 1988, provando que “Jovem radical é gente que sabe curtir, com intensidade, cada momento de ação”, como dizia o prefácio. As HQs mostravam três garotas que se metiam em confusões quando “iam à luta”.
Outro título que chegou às bancas em 1988 foi Cobra, da editora Dealer. O mangá, publicado no formato ocidental, é uma criação de Buichi Terasawa. A série, lançada em 1977 no Japão, virou seriado de animê, longa de animação e até jogo de videogame. A trama mostra um jovem que, entediado, visita uma empresa que oferece a chance de entrar no mundo dos sonhos. Enquanto dorme, ele passa a ser o pirata Cobra. Mas, ao acordar, fantasia e realidade se misturam e a aventura começa. Para variar, mais um título promissor que só teve uma edição em bancas – pelo jeito, elas ainda não estavam preparadas para os mangás.
Para finalizar, uma curiosidade. Em 1997, chegou às bancas um título pioneiro, o HQ CD. A revista continha matérias e entrevistas sobre o universo dos quadrinhos e ainda trazia um CD-Rom com uma enciclopédia sobre os super-heróis. Era só comprar e instalar. Lembrando que ainda estávamos no início da era da Internet, era uma ótima opção.
E assim, por ora, terminamos essa nostálgica viagem por quadrinhos “quase” esquecidos, com a certeza de que, na memória de leitores e colecionadores, eles ainda estarão presentes por muitos e muitos anos.
Marcelo Naranjo é o arqueólogo do Universo HQ. E, depois desta matéria, seus amigos desconfiam que ele tenha encontrado a tumba de algum faraó colecionador de quadrinhos mumificado. Quem nunca?