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Álbum de Tintim volta a causar polêmica, desta vez, na Inglaterra

16 julho 2007

Tintim na ÁfricaO
álbum Tintim na África (Tintin Au Congo, em francês),
lançado originalmente em preto-e-branco, em 1930, é um dos mais polêmicos
da série, e voltou a causar controvérsias, desta vez na Inglaterra.

A nova polêmica surgiu de uma reclamação de David Enright, advogado londrino
de Direitos Humanos. Enright, sua esposa, uma mulher de origem africana,
e seus dois filhos estavam na livraria Borders (famosa
livraria do porte da Barnes and Nobles) quando depararam
com uma edição de Tintin in the Congo (título com o qual o álbum
foi publicado na Inglaterra).

Segundo Enright, o material sugere às crianças que os africanos são subumanos,
imbecis e selvagens. "Que mensagem estou passando à minha mulher e aos
meus filhos com um livro destes?", disse ele.

Existe uma confusão na mídia sobre qual a versão do álbum em questão que
causou a polêmica. Segundo alguns jornais foi o fac-símile, em
preto-e-branco, do original de 1931 (esta edição foi modificada
duas vezes, nas décadas de 1940 e 1970), disponível nas livrarias inglesas
há mais de dez anos.

Outros, provavelmente mais corretamente, falam da versão colorida, publicada
na Inglaterra pela Egmont, em 2005, pela primeira vez,
que traz um aviso numa faixa circulando a capa, que o livro contém uma
interpretação paternalista e estereotipada característica do período em
que foi produzido, e que alguns leitores podem considerá-lo ofensivo.

Após o incidente, ocorrido no início de junho, Enright reclamou com o
gerente e a diretoria da Borders, que tomaram a decisão
de mover o material para o setor adulto da livraria. Enright também reclamou
com a Comissão Britânica de Igualdade Racial, afirmando que o
aviso sobre o conteúdo do álbum não era suficiente.

Para Enright, o material estava erroneamente na seção de crianças, e deveria
receber o mesmo tratamento da literatura anti-semítica ou pornográfica,
longe das livrarias mais populares e tradicionais.

Tintim na África
A Comissão Britânica de Igualdade Racial acabou recomendando,
em 11 de julho, que as livrarias de todo o país recolham este álbum do
personagem, declarando que "o conteúdo desse livro é flagrantemente racista"
e que "todas as lojas devem tomar muito cuidado para decidir se vão vendê-lo
ou exibi-lo".

A Borders comunicou recentemente, que o álbum em questão
está atualmente no setor adulto junto com outras graphic novels,
e que continuará vendendo o livro.

A Fundação Hergé e a viúva de Hergé, atualmente casada
com um inglês, não se manifestaram sobre o assunto.

A polêmica, entretanto, disparou as vendas do álbum. Tintim na África,
que ocupava a posição 4.343, disparou para o 5° lugar nas vendas da Amazon.co.uk.

Hergé, o criador de Tintim e Milu, declarou diversas vezes que se sentia
embaraçado com a versão original de seus dois primeiros álbuns (Tintim
no País dos Soviéticos
e Tintim na África), e que eles
eram pecados de sua juventude, na década de 1920, refletindo os valores
da época, da sociedade que o cercava.

O artista começou a escrever a história ainda em 1929, e ela foi publicada
semanalmente no suplemento dominical Le Pétit Vingtième, em 1930,
sem nenhuma polêmica.

O primeiro álbum foi lançado em 1931 (razão pela qual alguns jornais indicam
como 1931 a data de publicação do material), após o termino da história
no suplemento. Na época, o colonialismo europeu ainda era marcante na
África e na Ásia, e o Congo pertencia à Bélgica.

Para se ter uma idéia mais clara da época, o jornal Le Petit Vingtième
e Hergé repetiram um golpe de marketing já realizado com o lançamento
de Tintim no País dos Soviéticos, e simularam o retorno da viagem
do jovem jornalista.

Tintim e Milu (um ator contratado e um cachorro), juntamente com uma comitiva
de dez congoleses, foram recebidos numa cerimônia, em 9 de julho de 1931,
numa estação de trem em Bruxelas, na Bélgica, por Hergé, outros dois de
seus personagens Quick e Flupk, e grande público. O evento virou
inclusive notícia nos jornais.

Na história original Tintim era uma espécie de grande caçador branco,
prática comum na época, matando diversos animais por esporte; e sua relação
com os nativos era paternalista e cheia da superioridade do colonizador
branco europeu.

Tintim na ÁfricaOs
aspectos colonialistas e racistas de Tintim no Congo foram modificados,
com páginas reescritas e redesenhadas, para a reedição colorida do álbum,
lançada em 1946. As piores cenas de racismo (e paternalismo colonial)
foram cortadas ou modificadas, a mais famosa delas, na qual Tintim ensinava
os congoleses sobre a sua "pátria", a Bélgica, foi substituída por uma
aula de matemática. Em 1975, a pedido de uma editora na Suécia, a violência
com os animais também foi minimizada e as motivações do personagem para
caçar (agora em escala muito menor) foram substituídas por uma razão mais
palatável: a fome.

Tintim na África existe atualmente em três versões (nem todos
os países publicaram todas, mas elas são fáceis de se encontrar
em francês): o fac-símile do álbum de 1931 em preto-e-branco, edição
fac-símile do álbum colorido de 1946, e versão moderna, de 1975,
que foi a publicada no Brasil, pela editora Record.

A editora Companhia das Letras provavelmente publicará
esta última versão quando lançar os três primeiros álbuns da série, que
foram postergados para saírem após as aventuras mais modernas.

Este não é o único aspecto polêmico da obra de Hergé, nem o único a ser
modificado. Em Tintim e o Lótus Azul, o personagem investiga
a guerra Sino-Japonesa na Manchúria, nos anos que antecederam à entrada
do Japão na Segunda Guerra Mundial.

Se por um lado os japoneses são retratados de maneira caricatural e estereotipada
(problema similar ao ocorrido em Tintim na África), por outro
ele delatou a violência e as atrocidades cometidas durante a invasão,
assunto que até hoje causa muita polêmica e continua a dificultar as relação
entre China e Japão.

Alguns álbuns de Tintim foram modificados simplesmente para atualizar
o contexto, como A
Ilha Negra
, que foi praticamente redesenhada de ponta a ponta,
em 1966, para agradar a editora inglesa antes da publicação do álbum,
que retratava uma Inglaterra de 1938, naquele país.

Outras histórias tiveram modificações em diálogos ou cenários, como algumas
passagens de Charutos
do Faraó
, Perdidos no Mar, A Ilha Misteriosa
ou O
Caranguejo das Pinças de Ouro
.

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