Emprestar meus gibis? Aqui, ó!
Por favor, não me peça um gibi emprestado. Mais ainda, não me ofereça alguma revista em quadrinhos emprestada em troca de minha disposição para fazer o mesmo. Receberei a sua, mas não emprestarei as minhas de jeito nenhum. Não insista.
Já tive o dissabor de, em nome de uma amizade, deixar alguém levar alguns itens da minha preciosa coleção para passar uns dias em uma prateleira distante de um mundo desconhecido e assustador. Não os vi mais. Perderam-se ou foram danificados irremediavelmente.
A coleção ficou com um buraco até hoje ou, quando pude, gastei uma grana preta para conseguir outros exemplares em sebos ou sites de leilão - essas entidades do mal que se aproveitam do desespero alheio para enfiar a lâmina longa e fria das cifras astronômicas nas costas desprotegidas dos colecionadores.
Graças a esse trauma irreparável (que, infelizmente, não me motivou a combater o crime vestindo uma fantasia de morcego, mas também não me transformou num maníaco assassino de pidões de gibis), adquiri o poder avassalador da falta de vergonha para dizer "Emprestar meus gibis? Aqui, ó!".
Mas vou expor meus motivos, para que não pensem que sou (apenas) um sujeito chato e sem noção:
1) Ninguém terá com as minhas revistas o mesmo cuidado que tenho com elas. Longe dos meus olhares, ninguém vai se preocupar em obedecer às exigências básicas de não dobrar o gibi como um canudo; não marcar uma página amassando a pontinha do canto superior; e, por todos os deuses dos quadrinhos, não deixar a revista embaixo de um papel em que alguém estiver escrevendo uma carta - é o cúmulo receber o gibi de volta e ver na capa, sob o reflexo da luz, as marcas de uma caligrafia tosca na qual se lê "Adalgisa, eu te amo!"
2) E se alguém que estiver com uma de minhas revistas em quadrinhos acabar partindo desta para melhor? Com que cara chegarei até um de seus parentes e direi: "Sei que o momento é difícil, mas aquele gibi ali, com o Homem-Aranha dando um pau no Duende Verde na capa, é meu e quero ele de volta"?
Nesse caso, o pior é se disserem que não tenho como provar a propriedade do objeto requerido. Afinal, a revista não vai me reconhecer, pular em cima de mim e abanar feliz da vida a página da seção de cartas.
3) Mesmo quando as revistas são devolvidas em perfeito estado, a espera por esse dia maravilhoso - em que elas saem do cativeiro no qual estiveram por um período comparado à eternidade - rende centenas de horas de preocupação que podem resultar em precoces fios de cabelo branco na cabeça. Não vale a pena.
4) Uma revista em quadrinhos perdida está para sempre perdida. O ser monstruoso e desumano que perder um gibi meu ainda continuará sendo isso se comprar outro igual, principalmente se o exemplar perdido carregar recordações da minha infância ou de alguma passagem marcante da minha vida.
Ora, não será a mesma revista pela qual rachei a cabeça no vaso sanitário ao pular para salvá-la da destruição certa na água em processo de descarga. Igualzinha, mas não a mesma. Não tem uma história por trás, dá para entender?
É claro que uma leitura vigiada eu proporciono a quem desejar ler meus gibis. Desde que não saiam de sua fortaleza, eles podem lidos por todos, democraticamente.
Mas cuidado aí com o jeito de virar essa página...
Marcus Ramone tem uma lista negra dos inimigos de seus gibis. As traças e os pidões estão no topo, mas não necessariamente nessa ordem.