A balada de Halo Jones
Editora: Mythos – Edição especial
Autores: Alan Moore (roteiro) e Ian Gibson (arte) – Originalmente em 2000 AD Progs # 376 a # 385, # 405 a # 415 e # 451 a # 466 (Tradução de Pedro Bouça e Daniel Lopes).
Preço: R$ 69,90
Número de páginas: 208
Data de lançamento: Junho de 2015
Sinopse
No Século 50, quando Halo Jones fica entediada com a vida no complexo chamado Aro – uma imensa colônia flutuante presa na extremidade de Manhattan –, ela parte para conhecer a galáxia de todas as formas possíveis.
Entretanto, como sobreviver aos altos e baixos que a esperam no caminho? Incluindo um longo período de servidão espacial e uma temporada de serviço militar numa aterrorizante guerra que desafia a física do espaço e do tempo?
Positivo/Negativo
Como muitas histórias de Alan Moore, A balada de Halo Jones vai além de uma mera ficção científica. Extrapola o gênero e invade os terrenos sociais e políticos reais usados como referência há mais de 30 anos pelo roteirista, também conhecido, entre os leitores, como mago de Northampton.
O Século 50 da protagonista poderia muito bem ser o Século 20, mais especificamente 1984, ano do lançamento da saga em pequenos capítulos de cinco páginas, divididos em três tomos e apresentados por completo neste encadernado da Mythos (a obra chegou a ser publicada no Brasil em 2003, pela finada Pandora Books).
Essas estruturas episódicas não eram novidades para o roteirista, já que ele estava na reta final de sua reformulação do Miracleman / Marvelman na mesma época, personagem que atualmente está sendo relançado por aqui pela Panini. A editora britânica Warrior também estava publicando V de Vingança, outra HQ que seguia a mesma narrativa de poucas páginas por capítulo.
Moore domina muito bem a cadência dos acontecimentos, as ideias que serão aproveitadas mais à frente, os ganchos e as reviravoltas no final de cada pequeno ciclo que forma um todo. É um tipo de narrativa bastante difundida pela britânica 2000 AD, vide as histórias apresentadas no mix mensal da revista nacional Juiz Dredd Megazine, também da Mythos.
Um ritmo próximo de uma (boa) telenovela – tema bem explorado pelo autor entre as personagens, inclusive –, como compara o escritor Octavio Aragão na sua apresentação do álbum.
Numa época em que as figuras masculinas cheias de testosteronas (como o próprio Dredd, carro-chefe da 2000 AD) dominavam, a HQ concentra-se num elenco proeminente feminino.
Apesar de ser uma garota aparentemente frágil, sem grandes ambições ou problemas, Moore vai esculpindo tridimensionalmente a personalidade de Halo Jones, deixando-a cada vez mais forte, cheia de “calos” e interessante, assim como o mundo (e o espaço) onde ela segue o seu destino.
Não se pode esquecer a arte com bastante personalidade de Ian Gibson, desenhista britânico lembrado pela sua passagem (bem mais estilizada) no título solo do Sr. Milagre, publicado nos anos 1990 em DC 2000 (Abril Jovem). Inclusive, o nome da revista mix em formatinho brasileira é uma homenagem à 2000 AD.
Utilizando-se de mais detalhes e hachuras, o traço de Gibson vai evoluindo na mesma proporção que a história avança. Seus desenhos não sentem a pressão do texto de Moore ou dos vários quadrinhos que exigem da narração de cinco em cinco páginas.
Na primeira parte, o leitor é apresentado ao complexo flutuante denominado Aro, colônia onde os desempregados da América são encaminhados e mantidos com cartões de benefícios estatais (alguém pensou no nosso Bolsa Família ou algo do gênero?). Um lugar que pode ser bastante perigoso, principalmente quando você não planeja bem sua ida às compras.
Assim como V de Vingança, o clima de recessão econômica reflete a Inglaterra da época, sob o comando da Primeira-Ministra Margaret Thatcher (1925-2013), a famosa “Dama de Ferro”.
O consumismo com as gangues da moda, os “ratos de shopping”, tensões raciais interplanetárias, cultos de “zumbis” adolescentes com batidas hipnóticas, os rompantes de violência das manifestações sociopolíticas interestelares, o racionamento de água e o burocrático direito de ir e vir ainda soam como críticas bastante atuais para uma ficção científica dos anos 1980.
Outro destaque são as gírias (por exemplo “picotar” ou “piadar”) que Moore introduz nesse futuro, sempre um pesadelo para o tradutor. Em textos da edição da Pandora, ele mesmo disse que abandonou esses neologismos nas outras duas partes porque os leitores sentiam dificuldades nesta primeira fase de A balada de halo Jones.
O horizonte de autoconhecimento da personagem é estendido com a jornada a bordo de um cruzeiro espacial de luxo na segunda parte. Trabalhando como comissária, mesmo sem deixar de ser o centro das atenções na leitura, Halo Jones oferece espaço para os coadjuvantes e mais críticas contemporâneas de Moore.
A questão da invisibilidade social, o racionalismo tecnológico versus a inteligência emocional das máquinas centrada no seu cão robô (o “melhor amigo do homem” colocado em xeque) e até a tão atual discussão do gênero e da sexualidade das pessoas podem ser vistas nestas sequências.
Por fim, a terceira e última parte apresenta a loucura da guerra num planeta distante, disparidades espaço/temporais e consequências vindas do passado. Personagens e eventos que eram apenas mencionados antes sem aparente propósito ou nexo ganham notoriedade e amarração aqui.
Impossível não fazer um paralelo com conflitos famosos como a Guerra do Vietnã (1955-1975). Com crueza e poesia, em determinada sequência, Moore e Gibson mostram que uma criança abatida numa ronda que agia como franco-atirador pode “envelhecer” muitos anos devido à incredulidade da realidade que a ação bélica colocou sobre as chocadas companheiras de Jones.
Mesmo carregando em dramaticidade, o escritor britânico também se preocupa em buscar equilíbrio oferecendo leveza e situações cômicas ao longo da jornada da heroína.
A luxuosa edição da Mythos tem capa dura, papel couché de boa gramatura e um formato “mais quadrado” (19,5 x 26,5 cm), devido ao original. Há também uma galeria de capas e breves biografias dos autores. Apesar da qualidade superior à da Pandora, o preço pode afugentar alguns leitores.
Dentre um ou outro errinho de revisão, o mais grave está na última linha sobre Alan Morre: ignorando o batismo das outras editoras, a série A Liga Extraordinária foi traduzida literalmente, porém de forma equivocada, como Liga dos Cavalheiros Estraordinários (o certo é “extraordinários”).
Além da arte de Ian Gibson, as sacadas inteligentes de Moore e todo um universo coeso e instigante, um dos motivos que faz A balada de Halo Jones uma grande obra é a força da protagonista.
Ela busca seu lugar no mundo, sua identidade, seus desejos de sanar seus dilemas e uma motivação para viver. A força de uma personagem, a poderosa força reflexiva da ficção científica.
Classificação