Álbum do Fantasma - Os Piratas Singh - Partes 1 a 3
Editora: Ebal - Edições especiais
Autores: Lee Falk (roteiro) e Ray Moore (desenhos).
Preço: Cr$ 80,00 (preço da época)
Número de páginas: 32 por edição
Data de lançamento: Abril (# 2), Julho (# 3) e Setembro (# 4) de 1980
Sinopse
Os Piratas Singh, terrores dos mares há séculos e arquiinimigos do Fantasma, estão novamente em ação. Desta vez, atrás da milionária, bela e aventureira Diana Palmer.
A jovem descobriu no fundo do mar um reservatório de âmbar cinzento - resto de baleias que serve para produzir perfume e que vale uma fortuna.
De olho no lucro, a confraria dos Piratas Singh seqüestra Diana para descobrir a localização do âmbar.
Assim, o Fantasma entra em cena para impedir os planos dos Singh e proteger a linda Diana.
Positivo/Negativo
Não é nada difícil explicar o imenso sucesso e importância do Fantasma para o mundo dos quadrinhos, muito embora hoje ele esteja praticamente no ostracismo.
Ele foi o primeiro herói mascarado e uniformizado das HQs e ditou as regras básicas para Super-Homem, Batman e outros personagens que surgiriam ainda na década de 1930. Só nunca foi chamado de "super-herói" por questões técnicas, como não ter poderes sobrenaturais ou não usar um cinto de utilidades.
Questões filosóficas à parte, o Fantasma surgiu com histórias fantásticas que mexiam com um lado ainda pouco explorado do mundo naquela época. Ele atingia direto o imaginário popular - os leitores podiam vislumbrar aventuras em lugares exóticos que nem o cinema havia mostrado de maneira significativa. A África e Ásia distantes, misteriosas e, de certa maneira, ainda insondáveis pelos ocidentais.
Toda a caminhada do Espírito-Que-Anda teve início em 17 de fevereiro de 1936, justamente com esta história chamada Os Piratas Singh. Estas edições aqui resenhadas foram lançadas em 1980, pela Ebal, e não traziam uma HQ inédita.
A aventura já havia sido lançada por aqui em algumas outras oportunidades, inclusive em dezembro de 1936 - pelo jornal A Gazeta - e em preto-e-branco. A versão da Ebal tem formato grande, capa cartonada, um bom papel e era colorida, o que era uma novidade.
A publicação destes álbuns causou certo estranhamento aos leitores do personagem, pois ele mensalmente lançado nas bancas brasileiras pela RGE (atual Editora Globo). Não dá para saber exatamente os motivos pelos quais a Ebal soltou esse material, mas talvez a obra não interessasse à sua concorrente naquele momento. Enfim, rolos editoriais brasileiros.
O fato é que o tratamento dado foi de primeiro nível para a época, o que se tornou numa grata surpresa para os milhares de fãs do herói (não o cavalo dele, claro) naquela época. Sim, no início dos anos 80 o personagem era ainda bastante popular em nossas bancas, diferentemente de hoje.
Esta coleção chamada de Álbum do Fantasma é composta por quatro volumes. O primeiro era sobre a infância do herói (veja a resenha aqui e os outros três compunham a história Os Piratas Singh, na qual a segunda parte trouxe um texto introdutório (sem crédito) explicando quem eram Lee Falk e Ray Moore e falando um pouco do sucesso do mascarado.
Por falar em Falk e Moore, a dupla é, provavelmente, uma das mais importantes - e não reconhecidas, num certo sentido - dos quadrinhos em todos os tempos. O que fizeram neste Os Piratas Singhé digno de prêmios.
Publicada originalmente no formato de tiras nos Estados Unidos e aqui, é de causar espanto a destreza com que texto e arte são desenvolvidos. O roteiro é ágil, veloz, inteligente, com bons diálogos e ação de sobra. Já a arte, por sua vez, é um primor e virou uma marca registrada do início de carreira do Fantasma.
O mérito disso é todo de Ray Moore - o primeiro a trabalhar com o herói e quem definiu seu padrão visual -, um sujeito tão controverso e misterioso quanto o próprio Fantasma.
O estilo de Moore, que usava traços ágeis para misturar como poucos o preto e o branco, capta exatamente o tipo de imagem que se via no cinema da época. As belas mulheres com seus cabelos curtos, os homens impecavelmente vestidos, os carrões, as paisagens exóticas. Tudo acompanhava a estética da telona, o que agregava um grande valor às aventuras criadas por Falk.
O roteirista, por sua vez, mostra toda sua mestria no desenrolar desta trama. Apesar de ser uma obra de estréia, ele conduz os atos de forma extremamente hábil - a maturidade da história chega a surpreender, levando em consideração que era a primeira HQ do personagem.
Nesta aventura inicial, o leitor é apresentado aos personagens. Quem aparece de cara é Diana Palmer, uma bela exploradora, rica e grande atleta. Por ter descoberto uma reserva de âmbar cinzento, a moça passa a ser perseguida pelos Piratas Singh, inimigos clássicos do Fantasma como se descobre nesta edição.
O Espírito-Que-Anda logo surge e seu uniforme roxo é praticamente igual ao atual, com a diferença de que usava luvas (apenas na primeira parte, depois elas somem). Na versão original da história, não havia cores.
O traço de Ray Moore é perfeito e foi concebido para ser lançado em preto-e-branco, mas as cores não deturparam o sentido da obra e nem tiram o ar de mistério do protagonista.
Como foi bem feita, a colorização acaba sendo um adicional para quem já havia visto a obra original, além de um atrativo para novos leitores.
Neste primeiro álbum, o roteiro se desenrola em solo norte-americano, já que Diana estava voltando da viagem em que descobriu a localização do raro material. No início, se vê de tudo: o Fantasma detona os índios dos Piratas Singh, salva a mocinha, arrebenta um verdugo, escapa de uma sessão de tortura, perde Diana e, numa seqüência em que salta de um avião sobre uma lancha, a resgata novamente.
Para finalizar, arrebenta Ahmed, um dos chefes dos Singh, e ainda sobra tempo para um romancezinho com a garota. Ufa! E é só a primeira parte.
Ainda neste volume, Lee Falk aproveita para apresentar os elementos míticos do Fantasma, ao mostrar que o herói combatia o crime havia mais de 70 anos. E que havia relatos de suas proezas em livros com mais de 300 anos.
"Como é possível?", pergunta o leitor que descobriu a tira em 1936. A resposta viria mais à frente, quando o Espírito-Que-Anda revela toda a verdade sobre a sua família a Diana e conta que não é imortal, mas sim o 21º de sua linhagem, que passa o uniforme de pai para filho.
No segundo volume, surgem novos personagens, como o Grande Kabai, líder máximo dos Singh, e a belíssima Sala. Ray Moore parecia ter um capricho especial para desenhar mulheres e as retratava de maneira extremamente sensual.
Sala é um exemplo disso. Não que Diana não fosse, mas as vilãs eram muito mais sexy e fatais. Tanto é que o Fantasma volta e meia tinha uma quedinha por algumas delas. Aliás, uma curiosidade: Sala aparece no longa-metragem do Fantasma de 1996, interpretada por Catherine Zeta-Jones.
Para enfrentar seus inimigos, o Fantasma tem de invadir o esconderijo deles, que fica submerso no mar. Então acontece mais uma incrível seqüência de ação, inclusive com o herói enfrentando um tubarão apenas com uma faca. Mas não fica só nisso.
Falk, sob o pretexto de um ferimento grave do protagonista, mostra ao leitor a Caverna da Caveira, os temidos pigmeus Bandar e o lobo Capeto. Enquanto o Fantasma está ferido, surge uma cena de curandeirismo comandada por Guran.
Então é mostrada uma cena pela qual Lee Falk foi algumas vezes chamado de racista: o herói acorda brevemente do desmaio e dá uma bronca nos índios, dizendo que não precisa daquele ritual, mas sim da medicina branca. E graças a um médico acaba se curando.
Sim, as histórias de Falk muitas vezes tinham um teor um pouco racista, mas não era algo intencional. Era, na verdade, a maneira como a sociedade branca norte-americana via outras consideradas "primitivas". O roteirista provou em vários momentos não nutrir preconceito contra os índios, tanto que a relação do herói com as tribos locais evoluiu muito rapidamente para uma parceria.
Daí em diante, o que se vê é uma aventura de nível altíssimo, contada com uma arte impecável. Em Os Piratas Singh estavam lançados todos os elementos que tornariam o Fantasma um clássico dos quadrinhos em todos os tempos.
A edição da Ebal faz jus à importância do herói. Mas não era perfeita. Houve alguns poucos probleminhas de português, diferença de estilo de letreiramento da primeira parte para o restante e a ausência completa de créditos para a equipe - o que era muito normal na época.
Assim, editor, tradutor, letreirista e capista permaneciam desconhecidos do público. Hoje, pelo menos, sabe-se que as capas foram produzidas por A. Monteiro Filho. Aliás, um trabalho e tanto, com um Fantasma estilizado, lembrando muito motivos africanos.
Mas esses defeitos são mínimos e completamente passáveis. Provavelmente, esta versão deOs Piratas Singh tenha sido a melhor já feita até hoje no Brasil. Houve outra em 1990, publicada pela Sampa, mas em formato pocket, em preto-e-branco e em três partes - e a terceira nunca saiu.
Ou seja, esta coleção - que já tem quase 30 anos - reinará absoluta até que outra editora se digne a trazer novamente ao nosso mercado este material pra lá de clássico. Como isso deve demorar um bocado, se é que vai acontecer, a Ebal permanece com um mérito que dificilmente perderá.
Classificação
Odair Braz Junior, editor-chefe do site GameTV e responsável pelo blog V Oitão