Aos cuidados de Rafaela
Editora: Zarabatana – Edição especial
Autores: Marcelo Saravá (roteiro) e Marco Oliveira (arte).
Preço: R$ 46,00
Número de páginas: 144
Data de lançamento: Junho de 2014
Sinopse
O quarentão Nicolas vive à sombra da mãe, Aurelita Soares, uma senhora que um dia já foi estrela do rádio, mas que atualmente precisa de cuidados devido à demência.
Em virtude de sua instabilidade emocional por causa da doença, nenhuma cuidadora aguenta mais de 24 horas com ela, até aparecer Rafaela, que conquista de imediato a simpatia da idosa.
Apesar de Rafaela ser fria com Nicolas, ele acaba se apaixonando perdidamente. Quando sua mãe morre, o quarentão finge uma doença grave para manter a moça em sua casa, cuidando dele.
Positivo/Negativo
Se Nelson Rodrigues (1912-1980) fosse quadrinhista, Aos cuidados de Rafaela poderia, perfeitamente, ser uma obra assinada pelo “anjo pornográfico”.
Os diálogos de Marcelo Saravá não soam forçados, fluindo junto com o traço sofisticado e caricatural de Marco Oliveira. Tudo com o clima visceral e cruel que não deixa a dever para nenhuma das histórias nelsonrodriguianas.
Quando o médico e amigo da família Cabral não economiza paparicos com a mãe de Nicolas, dizendo que ela era “bem gostosa” nas fotografias penduradas pelo seu quarto, a ex-Rainha do Rádio diz orgulhosa: “Naquela época, o Brasil inteiro queria me comer! Minha foto foi mais rodada que catecismo do Carlos Zéfiro”.
A trama gira em torno da relação sufocante entre Nicolas, que abdicou de emprego e da vida social para se dedicar a sua mãe, e a jovem e manipuladora Rafaela.
Mas suas “garras” não são expostas de imediato. Sorrateiramente, Rafaela vai ocupando espaços, seja pela sua empatia com a dona Aurelita Soares, seja pelo sexy appeal que desperta em Nicolas uma relutante atração.
Os coadjuvantes também são bem explorados, como o médico alcoólatra sem escrúpulos e a irmã “ovelha negra”, que paga as contas da casa, mesmo sem visitar a mãe com tanta frequência.
Autor das tiras do site Overdose Homeopática, que também ganhou uma coletânea, Marco Oliveira usa seus experimentalismos com a linguagem e forma em função da narrativa longa, funcionando harmoniosamente com o texto de Marcelo Saravá.
É colocada, por exemplo, uma planta da casa. O que seria apenas para mostrar o cenário do álbum mostra o jogo malicioso de Rafaela para “tomar posse” do local como uma estratégia de guerra de nervos.
Outra forma usual presente nas suas tiras que é usada de modo inteligente neste álbum é a associação de ideias apenas com o apontamento de objetos, o que mostra claramente a fluidez iconográfica da história.
São passagens criativas que ajudam a incrementar a narrativa, como formar quadros dentro de uma garrafa que vai se “esvaziando” (e deixando apenas uma ideia para um personagem) ou a montagem de um tabuleiro de jogo de dados para enfatizar a manipulação da antagonista. A cor também é uma ferramenta importante em prol do álbum.
Nada no desenrolar da trama é “mastigado” ou didático para o leitor. Aos poucos, Saravá vai revelando por que a mãe não gosta da filha ou a razão do japonês que segue o médico e amigo da família, por exemplo.
Com um formato diferenciado (19 x 24 cm), que remete aos discos de 78 rotações gravados pela dona Aurelita Soares, a edição da Zarabatana tem capa cartonada sem orelhas e impressa em papel offset.
O único “escorregão” visível ficou nos agradecimentos, onde o sobrenome de Sidney Gusman, editor do Universo HQ, está com dois emes, além de nomes comuns sem os sobrenomes, como “Marília” e “Vinícius”.
Como outras edições nacionais da editora, o projeto teve o apoio da Secretaria da Cultura de São Paulo, por meio do Programa de Ação Cultural – ProAC.
Aos cuidados de Rafaela é uma tragicomédia posta em uma cadeira de rodas e atirada pela mais íngreme ladeira. Sem pena, os autores promovem uma sucessão de desfiles de desejos reprimidos, humilhações e quedas de braços por poder... durante a descida.
Classificação