Asilo Arkham - Uma Séria Casa em um Sério Mundo - Edição Definitiva
Editora: Panini Comics - Edição especial
Autores: Grant Morrison (roteiro) e Dave McKean (arte) - Originalmente em Arkham Asylum.
Preço: R$ 60,00
Número de páginas: 216
Data de lançamento: Fevereiro de 2013
Sinopse
Os internos do Asilo Arkham fazem um motim, tomam os funcionários do hospício como reféns e exigem a presença de Batman.
Mais do que enfrentar seus velhos inimigos, o herói precisará confrontar a si mesmo e ao horror de sua própria loucura.
Paralelamente, o leitor conhecerá a trágica história do fundador do hospício.
Positivo/Negativo
Asilo Arkham - Uma séria casa em um sério mundo é uma das graphic novels mais emblemáticas de uma geração, a geração "Vertigo".
Embora tenha sido produzida antes da criação do famoso selo adulto da DC Comics e seja protagonizada por um dos mais icônicos super-heróis, a obra segue um caminho completamente não convencional e certamente faria jus ao logotipo da Vertigo na capa.
Trata-se de uma abordagem completamente sombria e psicológica, uma tentativa não de criar uma história de ação, como o popular jogo de videogame homônimo, mas de fazer um retrato assustador da loucura.
É inevitável começar a análise pela arte do inglês Dave McKean. Quase 25 anos após a publicação original, suas páginas mantêm o impacto arrebatador da época.
Diagramação, composição, concepção do visual dos personagens, múltiplas técnicas de ilustração e colagem, numerosas referências a diversas mídias, tudo se integra perfeitamente em imagens que não só contam a trama, como ampliam absurdamente seus significados.
Sem desmerecer o trabalho do roteirista Grant Morrison, é difícil acreditar que Asilo Arkham seria o que é se tivesse sido ilustrada por outro artista. Trata-se da perfeita combinação de estilo de arte e roteiro.
Quanto à parte de Grant Morrison, muito já foi escrito e dito sobre suas intenções, pesquisas e referências.
A história basicamente se estrutura pelo passeio forçado de Batman pelo casarão que abriga o Arkham e o ocasional encontro e confronto com seus moradores. Confronto que nem sempre é físico.
O simbolismo óbvio é que o asilo é, na verdade, o ego, a mente; e que cada um dos internos é um demônio interior, um medo ou um impulso sombrio ou um arrependimento que precisa ser confrontado.
A desintegração da racionalidade e a perdição lenta e inexorável na loucura são retratadas magistralmente na trama paralela que apresenta a trágica história de Amadeus Arkham. Ela é tão boa e instigante quanto a narrativa principal, e acrescenta novas dimensões aos conflitos de Batman com os internos.
A intenção de Morrison de ampliar e desdobrar os significados dos personagens se mostra na busca do autor em imbuir aos elementos da história simbolismos comparáveis aos dos arcanos do tarô.
Outra forte referência é ao livro Alice no País das Maravilhas, do qual saem as citações que abrem e fecham a história. A própria estrutura do álbum, de "passeio e encontro", repete o esquema da obra de Lewis Carroll. Uma das sequências mais marcantes da HQ é o encontro de Batman com o Chapeleiro Louco, uma paródia sombria da cena de Alice com a Lagarta.
Para os admiradores do trabalho de Morrison, a edição apresenta uma ótima seção de extras de mais de 80 páginas, contendo o roteiro original com comentários do autor, explicando suas ideias, intenções e referências, além dos thumbnails originais das páginas, esboçados pelo próprio roteirista.
Logicamente, nem tudo é perfeito.
A grande falha dentro de toda essa obra-prima é justamente o Batman.
Em suas intenções de escrever uma história sobre o medo e a impotência do homem diante da loucura, Morrison fragilizou o personagem com tal intensidade que praticamente o descaracterizou. Todas as características de Batman que foram estabelecidas ao longo de décadas simplesmente são desconsideradas.
É muito difícil acreditar que um estrategista, profundo conhecedor de seus inimigos, agiria de maneira tão insegura e sem planejamento diante de uma situação de motim com reféns.
Mais ainda: que um expert em artes marciais, um dos melhores combatentes do mundo, seria estrangulado quase até a morte por um médico psiquiatra.
Dentro de sua própria premissa de símbolos e arcanos, Morrison desconsidera que, por mais que exista um homem frágil por baixo do manto do morcego, ele ostenta e é impulsionado por um símbolo tão poderoso, que originou e mantém todas as insanidades encarceradas em Arkham.
O Batman em Asilo Arkham é exatamente como Dave McKean o desenha: uma sombra indefinida e insegura.
Outro problema refere-se à edição brasileira.
Tudo está excelente: a capa dura, o cuidado com a belíssima e praticamente perfeita impressão, o papel. Mas o letreiramento deixou a desejar. Muito!
Na edição original norte-americana e na primeira versão lançada no Brasil, pela Abril, em 1990, percebe-se que o letreiramento era feito à mão, por Gaspar Saladino e Lilian Mitsunaga, respectivamente. São dois nomes bastante conhecidos por quem acompanha histórias em quadrinhos, por serem sinônimos de qualidade no que fazem.
Afinal, nesta HQ, a letra manual era totalmente necessária, para que as irregularidades entre as letras conferissem expressividade às falas dos personagens, especialmente às do Coringa.
Nesta atual versão, as letras foram feitas com composição digital. Assim, todos os caracteres ficaram com o mesmo tamanho, padronizados mecanicamente. Toda a expressividade da caligrafia manual foi perdida, perdeu-se toda a organicidade de textos e falas, deixando-os mecânicos, padronizados e sem expressão. Chegam a destoar da arte de McKean.
No caso específico das falas do Coringa, não só a expressividade foi comprometida, mas certos trechos tornaram-se praticamente ilegíveis. Ficou muito, muito ruim. Este é um caso em que o letreiramento digital, apesar de prático, não dá conta do recado.
Letras são muito importantes numa história em quadrinhos. Embora o processo digital com certeza facilite o trabalho, as feitas à mão possuem uma expressividade única, que conferem à história toda uma personalidade.
Ainda assim, se o leitor nunca teve contato com a obra, esta é uma edição que merece ser adquirida. Os pontos positivos do trabalho superam os eventuais negativos. Uma obra que beiraria a nota máxima, não fosse pelo trabalho infeliz de letras.
Karen Berger, ex-editora do selo Vertigo, escreve no posfácio do álbum: "O livro arrebentou com todos os recordes de vendagens, com números que são impensáveis para os padrões de hoje. Somando as vendas domésticas e no exterior das versões em capa dura e cartonada até hoje, ultrapassou meio milhão de cópias, mantendo-a como a graphic novel mais vendida de toda a indústria de quadrinhos".
Vale refletir sobre essa afirmação. Asilo Arkham terá vendido mais que a edição encadernada de Watchmen ou de O Cavaleiro das Trevas?
Na Europa, álbuns como os do Asterix vendem cerca de 7 milhões de exemplares.
No final, é só tentar entender que tipo de lógica com restrições e especificações dão a Asilo Arkham o título de "graphic novel mais vendida de toda a indústria de quadrinhos": só considerar a indústria norte-americana? Só considerar originals graphic novels, que não tenham sido publicadas como séries anteriormente? Enfim, ainda assim, é uma afirmação bastante discutível.
Talvez o sucesso, assim como tudo na vida, seja relativo. E talvez o mérito de certas obras-primas também se construa com muito marketing e hype.
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