Confins do Universo 216 - Editoras brasileiras # 6: Que Figura!
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Azul é a cor mais quente

29 novembro 2013

Azul é a cor mais quenteEditora: Martins Fontes / Selo Martins – Edição especial

Autora: Julie Maroh (roteiro e desenhos) – Originalmente em Le bleu est une couleur chaude (Tradução de Marcelo Mori).

Preço: R$ 39,90

Número de páginas: 160

Data de lançamento: Novembro de 2013

Sinopse

Clémentine é uma jovem de 15 anos que descobre o amor ao conhecer Emma, uma garota mais velha e de cabelos azuis.

Por meio dos textos do diário de Clémentine, o leitor acompanha o primeiro encontro das duas e caminha entre as descobertas, tristezas e maravilhas que essa relação pode trazer.

Positivo/Negativo

As descobertas de um novo mundo e a perda da inocência podem resumir o álbum da francesa Julie Maroh.

É uma história simples, mas com uma narrativa bem estruturada e com personagens dignas da complexidade do amadurecimento.

Clémentine é uma adolescente que leva uma vida normal, preocupada com a época das provas, tem a sua roda de amigos, pai e mãe que se preocupam com a hora que ela chegará em casa e até uns flertes com um garoto da escola.

Mas algo está errado. Sua vida está “acinzentada”. Ela não consegue retribuir os sentimentos de seu pretendente e, um belo dia, uma garota de cabelos e olhos azuis aparece – e se destaca – no meio da multidão... e sorri para Clémentine.

Assim como os sorrisos (na dedicatória de Maroh, no começo do álbum, tem o espaço para “as garotas que gostam de sorrir”), os gestos e o silêncio são muito valorizados na narrativa.

O uso das paletas de cores também faz parte desses momentos. Em um lugar onde o mundo é cinza, o azul se destaca como uma cor pulsante, paradoxalmente “quente” como sugere o título, e nada melancólico como é representado nas notas de blues.

Tais silêncios e gestos rodeiam o leitor com uma cerca formada por confidencialidade, mapeada desde o tom íntimo do flashback a partir dos diários da protagonista.

O azul é a cor mais quente mostra todo o bê-á-bá das crises adolescentes sem saídas didáticas ou fáceis: a insegurança sobre a sexualidade, o medo do preconceito da sociedade (e consigo mesma), as experimentações, o receio de ser diferente que gera uma agressividade e a raiva de todos.

Todos os altos e baixos, belamente ilustrado quando Clémentine e seu amigo gay Valentin passeiam em uma roda gigante. Em certa altura, ele filosofa que o amor não corresponde à moral que ensinam para eles. A inconstância do ser humano povoa cada um dos personagens. Afinal, as pessoas tendem a querer se proteger corriqueiramente.

Outra questão tocada na HQ é a sexualidade vista pela perspectiva de ser algo apenas íntimo duelando contra a sexualidade tida como um bem sócio-político, que ganha às ruas em protestos e se lamenta quando Nicolas Sarkozy ganha às eleições. Reflexo da própria Maroh, ativista do movimento pelos direitos dos homossexuais.

Até a própria confiança de Emma, um pouco mais velha que Clémentine, é colocada na berlinda das hesitações e dúvidas.

Em alguns momentos do terço final, o álbum talvez peque por acelerar seu ritmo cadenciado na maioria das páginas ou carregue demais no drama, a ponto de condensar para o melodramático, mas a trama é sobre adolescentes, descobertas, decepções e problemas que parecem maiores que qualquer “quintal verde do vizinho”.

Com tantas HQs intimistas ou de tom biográfico nos últimos anos, a autora usar metáforas como o chão literalmente se abrir e tragar a protagonista soa batido (lembra o carro que cai no abismo do mundo em Retalhos, de Craig Thompson?), mas é um mero recurso frente às outras ferramentas menos utilizadas.

O belo traço da quadrinhista, aliado aos tons conseguidos de aquarelas, ecolines, guaches e acrílicas, denunciam todo o clima europeu, ao mesmo tempo tradicional e sofisticado.

Lançado na França em 2010, O azul é a cor mais quente foi traduzido para o inglês, espanhol, alemão, italiano e holandês, além de ganhar o Prêmio de Público do Festival Internacional de Angoulême 2011, dentre outros.

O álbum ganhou notoriedade na mídia por ser base da adaptação cinematográfica homônima dirigida pelo franco-tunisiano Abdellatif Kechiche e protagonizada pelas atrizes francesas Adèle Exarchopoulos e Léa Seydoux. Principalmente quando o filme foi laureado com a Palma de Ouro no Festival de Cannes deste ano.

Em 66 edições, O azul é a cor mais quente foi o primeiro longa-metragem baseado em uma HQ que ganhou o prêmio máximo do importante festival francês.

A edição nacional produzida pela Martins Fontes é digna da obra, com bom acabamento em brochura, excelente impressão em couché de boa gramatura e capa cartonada com detalhes em verniz e sem orelhas.

Um detalhe é o letreiramento baseado na caligrafia original da Julie Maroh e a decisão editorial de não mexer nas onomatopeias, balões e intervenções escritas que interagem com a arte, sendo traduzidas no rodapé dos quadrinhos.

O tempo passa, os cabelos descolorem, mas o espírito de liberdade, as descobertas sexuais, a busca por uma identidade e perda da inocência na juventude nunca vão envelhecer. Gente como a gente.

Principalmente a missão mais clichê da humanidade: a procura incansável pelo amor e pela felicidade.

Classificação

4,0

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