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Black Hammer – Origens secretas

25 maio 2018

Black Hammer – Origens secretasEditora: Intrínseca – Edição especial

Autores: Jeff Lemire (roteiro), Dean Ormston (arte) e Dave Stewart (cores) – Originalmente publicado em Black Hammer – Secret Origins (tradução de Fernando Scheibe).

Preço: R$ 39,90

Número de páginas: 184

Data de lançamento: Maio de 2018

Sinopse

No passado, eles salvaram o mundo, mas agora levam vidas medíocres em uma cidade rural fora dos limites do tempo. Não há como fugir, mas Abraham Slam, Menina de Ouro, Coronel Weird, Madame Libélula e Barbalien tentam empregar suas habilidades extraordinárias para se libertar desse incomum purgatório.

Obrigados a disfarçar seus poderes, sua natureza e suas origens aos olhos dos habitantes locais, eles personificam uma típica família disfuncional, tentando criar para si uma vida normal.

Positivo/Negativo

A combinação da unidade familiar e superpoderes não é algo novo. Pode ser visto tanto nas histórias do Quarteto Fantástico quanto nas do Capitão Marvel (ou Shazam, se preferir), para servir como exemplos.

Trabalhar com os mesmos mecanismos, dar um tipo de frescor à ideia e, ao mesmo tempo, continuar reclinado em reverência ao tema, sem cair na gratuidade. Talvez essas foram as marteladas que continuamente atingiam a bigorna prolífera na cabeça de Jeff Lemire.

O que se percebe em Black Hammer é que não existe o vazio daqueles verdadeiros pastiches presentes na maioria dos personagens presentes na formação da Image Comics, nos anos 1990, só para citar um passado recente.

Guardadas as devidas proporções, é mais aproximado de títulos como Astro City, mas com a marca recorrente que o roteirista canadense vem deixando nas suas séries.

Os conflitos “familiares”, a dicotomia urbana e agrária, a solidão e o ritmo mais doméstico com toques surreais da sua narrativa podem ser circulados na lista padrão recorrente nas obras do quadrinhista.

As ações aventureiras típicas da velocidade do gênero são refreadas por breves lampejos de flashbacks neste primeiro arco. O que realmente fica em primeiro plano é como os protagonistas estão convivendo em um ambiente limitado, em que seus poderes e identidades devem ser preservados perante os habitantes da cidadezinha à qual a fazenda deles pertence.

Lemire não explica ainda o porquê (ou as consequências) de tentar cruzar os limites rurais. Sabe-se que foi após o confronto dos super-heróis com um ser gigantesco – uma alusão ao Galactus, o Devorador de Mundos do Universo Marvel, misturado com Darkseid, da DC – é que os seis foram parar lá, com o sacrifício maior de seu Thor/Super-Homem, o misterioso Black Hammer.

Nessa pegada, um por um é apresentado naquele aprisionamento que completa uma década. Cada capítulo se centra num dos protagonistas exilados e também homenageia um gênero dos comics.

Abraham Slam, o Capitão América do grupo, tem a árdua tarefa de manter coesa e harmônica a unidade familiar imposta pelas consequências de salvar Spiral City. Mesmo com suspiros aborrecidos, é o mais à vontade neste ambiente bucólico – aspecto que justifica ter um pouco de Superman nesse velho “escoteiro”, já que o Homem de Aço tem suas raízes terráqueas também no campo.

Uma das mais interessantes personagens é a Menina de Ouro. Assim como os heróis deixaram a contragosto o meio urbano para o rural, Jeff Lemire faz o caminho inverso para a garota, que tem como base o Capitão Marvel/Shazam. Ela é uma senhora que se transforma em jovem dizendo a palavra mágica, o nome do mago Zafram (quase um anagrama).

De maneira inteligente, o perfil de garota rebelde não restringe apenas a criança que ansiosamente quer se tornar adulta e livre para tomar suas decisões. A rebeldia vinda da personagem é devido ao aprisionamento duplo em questão. Ela gostava de “rejuvenescer” quando passou dos 50 anos, mas aqui – por ter a consciência e experiência de ser uma adulta – deve agir como criança para o bem comum dos colegas.

O problema maior para a Menina de Ouro (e consequentemente a sua revolta) é que ela não pode voltar a ser adulta, mesmo dizendo várias vezes a palavra mágica. Uma interpretação contínua que faz uma fumante inveterada ir à loucura no dejà vu de frequentar novamente a escola.

Um grande e possível furo no roteiro envolve a questão da idade da heroína. Presa nesse corpo, ela não pode crescer. Por isso vem a dúvida não esclarecida neste primeiro arco: após dez anos lá, como ninguém da comunidade percebeu isso? A hipótese mais óbvia seria por meio de um encanto coletivo condicionado pela bruxa Madame Libélula. Mas isso em nenhum momento é indicado na trama.

Madame Libélula, por sinal, é a homenagem de Lemire aos famosos quadrinhos de terror dos anos 1950. Inclusive sua origem segue o modelo de narração do gênero, no qual se quebra a “quarta parede” para conversar com o leitor. O autor ainda bebe de fontes como o Monstro do Pântano, a revista The House of Secrets e a lenda da Baba Yaga, do folclore russo.

Por fim, o lado de ficção científica é lembrado com os personagens Coronel Weird e Barbalien. Respectivamente, um é o Adam Strange que ficou insano por visitar uma dimensão com toques psicodélicos do Adam Warlock, de Jim Starlin; e o outro é uma versão bem peculiar de Ajax, o Caçador de Marte.

Sobre este último, o transmorfismo, uma das características que ele apresenta do personagem da DC, é explorado de uma perspectiva bem diferente. Vai além de um funcional poder alienígena e levanta curiosas pontes metafóricas sobre “identidades”.

Há também um robô típico da sci-fi dos anos 1950 e 1960, mas com personalidade feminina, a Talky-Walky. Companheira do Coronel Weird, sua utilidade é reduzida à cozinha e às anuais tentativas de enviar uma sonda além do lugar de confinamento.

Mais do que uma reverência aos gêneros de HQs, Black Hammer faz uma boa investigação psicológica, definindo bem cada um dos seus personagens. Há o mais centrado, a mais rebelde, o mais louco, a mais passiva e o mais impreciso. Todos se sentindo deslocados e aberrações. Se um ou outro não transparece isso na essência, haverá situações que farão lembrá-los disso.

Em paralelo, Lemire sabe conduzir os clichês que arma entre os super-heróis e os habitantes da cidadezinha. Questões religiosas, amorosas e cotidianas são trabalhadas para ajudar na “humanidade” dos protagonistas e avançar a trama.

Inicialmente, como revela no posfácio, seria o próprio Lemire que desenharia a série, há mais de uma década, praticamente o tempo de exílio dos heróis. Anos depois, já sobrecarregado com trabalhos nas principais editoras dos Estados Unidos, coube a Dean Ormston assumir a arte.

Uma decisão bastante acertada, já que o seu traço um tanto “estranho” é um perfeito enlace para o tema. Cheios de detalhes, seus desenhos são ligeiramente mais simples nos flashbacks, enaltecendo a “Era de Ouro”, que também tem o uso dos clássicos balões de pensamento.

Geralmente, Ormston é um quadrinhista escalado para obras do selo Vertigo, como Sandman, Lúcifer, O inescrito e Corpos (todos lançados por aqui pela Panini).

O uso das cores pelo veterano e premiadíssimo Dave Stewart (Hellboy, Gideon Falls) segue um caminho mais sóbrio e sombrio. Mesmo nas passagens em retrospecto, não há uma predominância de tons mais vivos para mimetizar a época. Talvez seja proposital esse distanciamento da fantasia, mesmo com a própria constantemente presente.

A edição da Intrínseca é bem cuidada, com capa cartonada sem orelhas, papel couché de boa gramatura e impressão. Capas originais de Ormston e variantes de Lemire abrem os capítulos. O volume conta ainda com o supracitado posfácio assinado pelo autor, uma seção com fichas dos personagens (incluindo os descartados com o tempo), caderno de rascunhos comentados por Dean Ormston e outras capas alternativas do título.

Lançada originalmente pela Dark Horse e eleita a Melhor Nova Série de 2017 pelo Eisner Award, atualmente Black Hammer está se encaminhando para seu terceiro arco, Age of Doom, além de gerar spin-offs como Sherlock Frankenstein and the Legion of Evil e Doctor Star and the Kingdom of Lost Tomorrows, esta última com previsão para o segundo semestre deste ano.

Como Jeff Lemire aponta no texto final deste volume, a série é a sua carta de amor ao gênero, como um Condado de Essex com super-heróis. Ele também afirma que existem HQs boas e ruins, independentemente do gênero. Black Hammer está bem acima da primeira qualificação.

Classificação:

4,0

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