Captar
Editora: independente – Edição especial
Autores: Camilo Solano e Thobias Daneluz (roteiros e desenhos).
Preço: R$ 15,00
Número de páginas: 40
Data de lançamento: Novembro de 2014
Sinopse
Dois “causos” passados numa das maiores metrópoles do mundo, São Paulo, na perspectiva de dois jovens quadrinhistas vindos do interior.
Personagens de suas histórias, os autores narram encontros, desencontros, coincidências e destinos de dois caipiras “modernos” inseridos na cidade grande.
Positivo/Negativo
Uma obra com um sotaque carregado, despretensiosa e feita a quatro mãos por dois jovens quadrinhistas do interior de São Paulo. Ao mesmo tempo cheia de sutilezas, a começar pelo título: Captar pode ser tanto o lirismo sonoro do “caipirês” de falar “Capital” (se referindo a São Paulo, neste caso) quanto o verbo transitivo direto que significa “atrair, receber, reter ou decodificar” algo.
Além da musicalidade, um dos grandes representantes do interior se encontra no cinema, materializando-se no personagem ingênuo, honesto e de bom coração Jeca Tatu, ícone da cinematografia brasileira personalizada pelo diretor, ator e produtor paulista Amácio Mazzaropi (1912-1981).
A dupla Solano e Daneluz carrega no DNA deste trabalho um quê de Mazzaropi, o eterno Jeca. Eles documentam em nanquim duas passagens em que transparece a sinceridade, sentimento frisado por Daniel Lopes, editor de HQs que assina o prefácio da edição.
A primeira tem o traço limpo e direto de Thobias Daneluz. Ele optou por uma narrativa “muda” – sem balões ou recordatórios – de uma simples história de encontros e desencontros, expectativas e destinos.
Apesar de ser uma leitura rápida, o autor preserva várias interpretações nas suas entrelinhas. Quando o seu alter ego entra num ônibus lotado, percebe-se que as pessoas retratadas à sua volta praticamente não são identificáveis, seja pelos ângulos ou pelo posicionamento dado na diagramação de cada página. Uma forma de representar a massa orgânica que é o cotidiano de uma metrópole como Sampa.
Quando os quadrinhistas foram descritos como “caipiras modernos”, na sinopse acima, é porque existe um upgrade da forma como os personagens se apresentam. Fardado com a camisa xadrez típica, Daneluz – com sua barba rala e cabelo estiloso – também carrega na sua mochila um exemplar do Homem-Aranha e um celular palm touch.
A leitura do gibi no coletivo pode ser interpretada como mero passatempo ou como se o autor percebesse o seu papel entre a distante, porém presente, massa imutável de pessoas incomunicáveis.
Com a força cartunesca, o que lembra um dinamismo digno de uma boa animação (por causa da sua ágil narração), a HQ brinca com clichês e ensaia até um momento carregado de surrealismo.
Apoiado no “udigrudi”, o traço de Camilo Solano é mais detalhista e sujo. Fã confesso de Lourenço Mutarelli, o renomado autor foi protagonista no seu álbum de estreia, Inspiração, também um recorte biográfico.
Com balões e recordatórios, Camilo é mais direto no que diz respeito ao olhar de um novo desafio: um interiorano que vai tentar a sorte na cidade grande não só com coragem, mas também com talento.
Entre os altos e baixos de um enfrentamento como esse, existe a altura imensurável dos prédios e produtos, além da baixeza da autoestima de um novo habitante rodeado de multidões.
Outro símbolo da mudança é representado na lavadora de roupas dada pela mãe do protagonista. A imensa máquina (que lava até 10 kg) ocupa mais do que o figurino do seu guarda-roupa, tal qual o espaço demarcado da sua solidão.
Os dois mundos se encaixam como peças de quebra-cabeças quando um desolado Camilo Solano liga para casa. O presente reflete no passado, como se o destino já fosse demarcado.
Outro destaque da história é a participação especial dos pais do autor. A preocupação materna quando se assiste a um programa sensacionalista de São Paulo comprova a teoria que “mãe é mãe e só muda de endereço”. Já o pai bonachão de Solano é uma figura tarimbada desde Inspiração, solidificando o bom humor e leveza do álbum.
A capa dupla da edição traduz bem a imensidão da “selva de concreto” que fascina e envolve a dupla. Independente, a edição em formato álbum (20 x 28 cm) tem capa cartonada sem orelhas, num papel offset de boa gramatura e impressão.
Completam a edição pin-ups assinadas pelo quadrinhista Vitor Cafaggi (de Valente e Turma da Mônica – Laços) e o ilustrador Vini Santos.
O que faz falta no álbum é uma breve biografia dos autores para apresentar e enfatizar melhor a condição de interioranos, apesar de o assunto ser tocado na introdução de Daniel Lopes. O leitor descobre que Solano vem de São Manuel pelas citações na sua história, mas desconhece totalmente as origens de Daneluz.
Mesmo assim, ao final de Captar, o leitor percebe o quanto esse “causo” narrado pelos dois é uma verdadeira declaração de amor não apenas de “filhos adotados” de São Paulo, mas de matutos que têm enraizados em si, com muito orgulho e respeito, uma cultura passada de geração em geração. Um dos milhões de retratos 3 x 4 multifacetados de um país continental.
Classificação