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Homem-Animal – O Evangelho do Coiote

22 janeiro 2016

Homem-Animal – O Evangelho do CoioteEditora: Panini Comics – Série em três volumes

Autores: Grant Morrison (roteiro), Chas Truog e Tom Grummett (arte), Doug Hazlewood (arte-final) e Tatjana Wood (cores) – Originalmente em Animal Man # 1 a # 9 (tradução de Edu Tanaka e Fabiano Denardin).

Preço: R$ 26,90

Número de páginas: 248

Data de lançamento: Novembro de 2015

Sinopse

Buddy Baker é o homem com poderes de animais. Mas, no mundo de hoje, quem precisa da ajuda de um “zoológico humano”? A humanidade ou os próprios seres dos quais ele toma emprestado os poderes?

Na África, quando uma macaca considerada como o “elo perdido” é capturada por cientistas no Monte Kilimanjaro, seu sumiço despertará a fúria do Deus Branco. Enquanto isso, nos Estados Unidos, Buddy Baker quer ser reconhecido como super-herói profissional. O caminho dos dois vai acabar se cruzando.

Cansado da violência e crueldade do seu universo animado, o coiote Ardiloso confronta Deus e vai acabar sendo condenado na via crúcis de um “mundo real”.

Durante uma invasão alienígena, um mártir thanagariano fará sua performance artística baseada em tremores harmônicos numa das falhas geológicas da Terra. Para impedir seu “poema sísmico”, entra em cena o Homem-Animal.

Na volta pra casa depois da Invasão, Baker se depara com robôs enlouquecidos em Miami e um velho e decadente vilão, o Máscara Vermelha.

Depois que o Mestre dos Espelhos, da galeria de vilões do Flash, invade a casa do Homem-Animal, o Caçador de Marte dá as boas-vindas ao novo membro da Liga da Justiça Europa, que deve informar sobre os problemas com seus poderes após a bomba genética dos alienígenas, enquanto seu filho mais velho Cliff sofre bullying na escola, pela fama ascendente do pai.

Positivo/Negativo

A lembrança mais remota que este resenhista tem do Homem-Animal (personagem criado em 1965, por Dave Wood e Carmine Infantino) era de quando esse herói bizarro e sem graça era mero coadjuvante de uma aventura na revista Heróis em Ação (Abril), estrelada pela Mulher-Maravilha, ou de quando participava do inexpressivo grupo de “heróis esquecidos” da Crise nas Infinitas Terras.

Originalmente lançada em 1988, esta saga do então desconhecido Grant Morrison (vindo de uma nova onda da chamada “invasão britânica” aos EUA) teve 26 números, publicados regularmente pela primeira vez no Brasil na “revista uma década à frente” DC 2000 (Abril), em formatinho. Entre 2002 e 2003, a Brainstore foi até a metade da série, lançando dois encadernados em preto e branco.

O título foi muito importante na vida do escritor escocês, não apenas por colocá-lo na rota de uma nova legião de leitores, mas também por motivá-lo a mudar suas ideologias durante as pesquisas, como se tornar vegetariano e se associar às entidades de combate aos maus-tratos de animais.

Mesmo fazendo parte da cronologia da DC Comics (assim como Monstro do Pântano de Alan Moore e o Sandman de Neil Gaiman), o personagem foi o único super-herói “uniformizado” que migrou para o selo adulto Vertigo, anos depois.

Inicialmente pensado como uma minissérie em quatro partes, o primeiro arco do Homem-Animal é bem definido, apresentando os personagens e testando a capacidade dos poderes de Buddy Baker, um ex-dublê que vive no subúrbio de San Diego, Califórnia, e sonha estar no panteão dos super-heróis e ganhar a vida com isso.

Morrison não poupa o personagem de piadas e outras situações cômicas, como o encontro “mais rápido que uma bala” com o Superman (a música do REM é citada). Lidando com um herói de terceira linha na época, o autor tira sarro dos que estavam acima de Baker, como o Aquaman e o Besouro Azul.

Para ser o antagonista, o autor também retirou do limbo o Fera Bwana, criado nos anos 1960 por Bob Haney (1926-2004) e Mike Sekowsky (1923-1989). No arco inicial, já dá para notar os ecos que vão reverberar com mais força sobre os discursos ecológicos e dos direitos dos animais.

O roteirista explora bem o terror neste primeiro momento, seja ele psicológico (quando Ellen e Maxine, respectivamente esposa e filha do protagonista, estão à mercê de caçadores numa floresta) ou físico (como o inesperado desfecho do segundo capítulo).

Com o sinal verde para continuar como uma série mensal, a quinta história, que batiza o volume nacional, é uma das mais famosas e aclamadas pelos fãs do escritor. O Evangelho do Coiote faz uma ponte entre os desenhos animados e a metalinguagem de uma forma nunca antes vista nas histórias de super-heróis.

É neste capítulo que Morrison aponta seu vegetarianismo, fala de homossexualidade, Aids, fé, simbologia cristã e estrutura o que vem a ser a base metalinguística e vital de toda a trajetória do personagem.

É impossível não associar de cara com o Coiote e o Papa-Léguas dos desenhos animados da Looney Tunes. A crítica do deus tirano também pode ser entendida além das páginas, encaixando-se como uma luva para a indústria do entretenimento, os criadores e suas criaturas.

A ironia para o coiote Ardiloso é que ninguém consegue entendê-lo, nem no seu mundo, nem no do Homem-Animal. Apenas no nosso.

Os dois capítulos seguintes têm interligação com a saga Invasão (lançada no Brasil em três partes pela Abril, em 1990). Em resumo, a Terra sofre um ataque de uma aliança alienígena formada por domínions, khúndios, thanagarianos, psions, durlanianos, gil'dishpans, cidadelanos, okaaranos e daxamitas para exterminar o gene meta-humano.

No primeiro, Grant Morrison aproveita para criticar o universo da arte e o terrorismo, fazendo um paralelo com fractais e abalos sísmicos. Aproveitando o bom humor e a ironia típica do escritor, há uma participação especial e vital de um super-herói no final.

Apesar de compreender uma trama paralela aos acontecimentos da minissérie, a edição nacional careceu de uma nota ou texto explicativo sobre essa obscura saga, que aconteceu há mais de 20 anos e nunca foi republicada por aqui.

Tanto que, no final do capítulo sete, quando explode a bomba genética que embaralhará os poderes de Buddy Baker, há um aviso: “acompanhe o Homem-Animal na terceira parte da minissérie Invasão”.

Por causa do acionamento desse artefato, vale lembrar, a Patrulha do Destino foi desmantelada (alguns membros perderam seus poderes, outros entraram em coma ou morreram) para ser remodelada por Morrison – fase que está saindo agora pela Panini.

Fazer esse tipo de intervenção era (e é) comum nas revistas de linha, independentemente de ela ser importante ou não para a cronologia. Um exemplo disso aconteceu com o Monstro do Pântano de Alan Moore durante a Crise nas Infinitas Terras.

Já nas últimas duas partes, o Homem-Animal enfrenta as consequências da bomba, um escocês Mestre dos Espelhos de boca suja (espelhos são uma constante nas HQs do autor, por ele ter ficado preso numa casa de espelhos quando criança) e as cômicas mudanças de ter se tornado um novo integrante da Liga da Justiça Europa.

Neste último, a arte funcional de Chas Truog (cujo primeiro nome é grifado com “z” na capa, mas mantido com “s” dentro da edição) é substituída pelo traço correto de Tom Grummett, artista de títulos como Os Novos Titãs e Superboy.

Note que vai aparecer uma epígrafe na abertura da HQ (que será mudada no epílogo) digitada numa tela de computador, com uma gata ao fundo, além de um deslocado nativo norte-americano e uma figura entre as sombras durante a narrativa. Tudo isso faz parte de um todo pensado por Grant Morrison que desenrolará até o final de sua contribuição na série.

Atualmente, Morrison é um superstar e com ideias bem mais complexas e malucas. Por isso, vale a pena (re)visitar essa etapa inicial em que o roteirista escocês estava amadurecendo suas ideias em relação aos super-heróis norte-americanos de linha.

Assim como Alan Moore revitalizou o Monstro do Pântano, Morrison tirou o Homem-Animal do time de “heróis esquecidos” e o catapultou para um novo conceito e um patamar diferenciado, com histórias interessantes, divertidas e bem acima da média na sua época.

Classificação

4,5

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