Eu mato gigantes
Editora: NewPop – Edição especial
Autores: Joe Kelly (roteiro) e J. M. Ken Niimura (desenhos) – Originalmente publicado em I kill giants (Tradução de Fábio Garcia).
Preço: R$ 39,90
Número de páginas: 208
Data de lançamento: Agosto de 2013
Sinopse
Sem muitos amigos, Bárbara Thorson é uma garota que vive totalmente imersa em seu mundo de Dungeons & Dragons.
Ao se deparar com uma dura realidade, ela acaba se perdendo em seu mundo de fantasia. A garota acredita que gigantes são reais e, como a vinda deles é iminente, a sua responsabilidade é matá-los.
No decorre dos dias, Bárbara faz todas as preparações necessárias para o grande combate, enquanto as pessoas à sua volta tentam ajudá-la a superar suas fantasias e lidar com a realidade.
Positivo/Negativo
Eu mato gigantes pode chamar atenção do público pelo nome de Joe Deadpool Kelly na capa, pelos prêmios que colecionou, pelo sucesso de crítica ou pelo estilo artístico do desconhecido J. M. Ken Niimura (este é seu primeiro trabalho longo).
Mas, mesmo ficando com um pé atrás no começo da obra, o leitor terá uma boa surpresa pela sua concepção, mesmo calcada em personagens bem típicos.
Originalmente lançada pela Image Comics em sete partes, a minissérie sai encadernada em um único volume no Brasil. Recebeu premiações bem distintas na indústria como o International Manga Award, prêmio do governo japonês aos mangás produzidos fora do país nipônico, e como Melhor Livro Indie 2008 pela IGN, além de ser indicada ao Eisner Award, dentre outras.
Sem revelar muito do enredo central, que carrega simbolismos e mistérios em torno das motivações da protagonista, o que Kelly faz é oferecer uma nova perspectiva de assuntos universais como as transformações, dúvidas e rebeldia da passagem para a adolescência.
Nessa estrada, o escritor não segue uma mão única: quem desconhece o Role Playing Game (RPG), famoso jogo de interpretação de papéis, pode acompanhar tranquilamente a trama. Essa característica faz mais parte da personagem e da linha artística e narrativa da ação do que uma engrenagem motriz da história.
Sarcástica e antissocial, Bárbara tem os traços pessoais tão bem marcados quanto os personagens coadjuvantes nos seus estereótipos, a exemplo do diretor linha-dura, a irmã mais velha com espírito materno, a sua melhor amiga, a dedicada psicóloga escolar e as garotas “rivais” que acham seu comportamento maluco e idiota.
Joe Kelly trabalha com inteligência os maneirismos usuais nas questões familiares, de bullying e rebeldia, bem como a própria personagem central e sua preparação para a suposta vinda dos gigantes à pequena cidade costeira onde vive.
Estranha, a garota com óculos fundo de garrafa teme o sótão de sua casa, usa orelhas de coelhos ou ursos na cabeça, estuda fazendo anotações em seu catálogo de gigantes e carrega sempre sua bolsa que contém o martelo de guerra, a sua arma mais letal, batizada com o nome de um esquecido jogador de beisebol.
A dúvida está sempre presente nas páginas da HQ. O lado de fantasia – com evidência de pequenas criaturas aladas como fadas – é uma constante apenas nos monólogos da protagonista, o que pode indicar para uma mera manifestação da sua fértil imaginação.
Tão importante quanto a história, a arte é um dos grandes trunfos para o enredo de Eu mato gigantes funcionar tão bem, tornando-o envolvente.
O estilo mangá de Niimura – mesmo à primeira vista sendo caricatural, leve e simples – mostra uma complexidade no uso de tons de cinza, diagramação de páginas e angulações de um ilustrador e narrador nato.
Nascido em Madrid, na Espanha (o JM do seu nome se refere a João Maria), mas com ascendência japonesa, o quadrinhista também bebe da fonte europeia no seu elegante traço.
Ele sabe extrair grandiosidade quando ela é exigida nas sequências de ação, com planos abertos e cinematográficos (tão característico dos quadrinhos nipônicos), bem como enquadrar para um clima mais intimista e dramático.
A sua visão dos gigantes lembra o designer dos robôs do mangá Evangelion. Nos extras, Kelly chama a atenção sobre a concepção de Niimura para os monstros no que diz respeitos aos seus falos (um traço mais europeu de seu nanquim), “mal visto” pelo público norte-americano e consequentemente atenuado no trabalho.
A “simbiose” proposital de estilos faz com que Eu mato gigantes transite com sensibilidade entre o drama e a ação, o que reflete também nas suas identidades de ser um mangá produzido off Japão, uma aventura escapista e uma obra indie.
A edição da NewPop é bem cuidada, com capa cartonada (sem orelhas), papel couché e vários extras. Mas a revisão continua pecando.
Nos bônus, os autores comentam os bastidores de cada passo da produção (acompanhado de esboços), como o desenvolvimento do roteiro, a concepção de personagens e objetos, breakdowns (uma espécie de storyboard em que o artista decide como se desenrolará a ação e diagramação nas páginas) e design das capas.
Complementando a publicação, uma hilariante série de tirinhas sobre os mesmos bastidores de produção, protagonizada por um Joe Kelly ranzinza e preocupado com sua carreira, junto com um amalucado e baixinho J. M. Ken Niimura.
Em comparação à edição definitiva em capa dura que saiu nos Estados Unidos (I kill giants - Titan edition), a brasileira deixou de lado apenas a transcrição integral do roteiro referente ao primeiro capítulo.
Quem tem algum preconceito com a escrita de Joe Kelly ou com o estilo mangá, pode se arriscar a se emocionar ou se sensibilizar por uma obra que está acima da média em termos de roteiro e arte. Tal opinião desfavorável logo será esmagada pelo martelo de Bárbara Thorson.
Classificação