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Meu amigo Dahmer

20 outubro 2017

Meu amigo DahmerEditora: Darkside Books – Edição especial

Autor: Derf Backderf (roteiro e arte) – Originalmente publicado em My friend Dahmer (tradução de Érico Assis).

Preço: R$ 59,90

Número de páginas: 288

Data de lançamento: Junho de 2017

Sinopse

Um perfil do psicopata Jeffrey Dahmer (1960-1994), quando este ainda era um aluno do ensino médio.

O autor foi seu colega de turma, nos anos 1970, e conviveu com o futuro “canibal de Milwaukee” com uma intimidade que Dahmer talvez só viesse a compartilhar novamente com as suas vítimas.

Os dois tomaram rumos diferentes e Derf Backderf só voltaria a saber do amigo pelo noticiário, anos depois. Em 1991, os crimes de Jeff Dahmer vieram à tona: necrofilia, canibalismo e uma lista de pelo menos 17 mortos, entre homens adultos e garotos. O primeiro assassinato teria acontecido meses após a formatura no colégio.

Positivo/Negativo

Não é incomum – independentemente das origens – ver, nas últimas décadas, jovens comprando armas pela internet e promovendo massacres em instituições de ensino pelos Estados Unidos.

Como sempre acontece, culpar ou tentar encontrar respostas simples, diretas e imediatas é a reação mais usual, conforme o tempo de atenção que os traumáticos ocorridos ficassem expostos na mídia. Quem nunca ouviu falar da violência dos games ou de livros dos quais os algozes estavam lendo como meros bodes expiatórios para "queimar a bruxa" da tragédia?

Quem viveu o começo dos anos 1990, com certeza ouviu falar do “canibal de Milwaukee”. Na época, boa parte da mídia fazia alusão ao papel que rendeu o Oscar a sir Anthony Hopkins, o Dr. Hannibal Lecter de O Silêncio dos Inocentes (filme que arrematou mais quatro das principais estatuetas douradas).

Depois das imagens dos tonéis supostamente com corpos das vítimas serem cuidadosamente retirados do apartamento de Jeffrey Lionel Dahmer, o quadrinhista Derf Backderf descobriu que o criminoso era seu colega de escola no ensino médio. Um dos “esquisitos”.

Foram 17 vítimas, no total. Crimes hediondos que envolviam desmembramentos, práticas de canibalismo e necrofilia, além de tentativas de "controle mental" envolvendo trepanação.

Dahmer confessou, numa longa entrevista para um canal de TV, que queria o poder total sobre uma pessoa. Tentava com o bizarro método cirúrgico e não conseguia êxito. Mesmo no insucesso, pretendia que elas permanecessem com ele de qualquer jeito... Nem que fosse apenas uma parte. Por isso, guardava macabros “souvenires”, como crânios e pênis mumificados.

Porém, esses detalhes não são dissecados no álbum. O recorte que Backderf privilegia são as suas memórias, inicialmente. O autor lançou uma breve HQ (que pode ser vista nos extras desta edição) que chegou a ser indicada ao Eisner Award.

Achando que apenas reminiscências não faziam jus ao fato de ter convivido diretamente com o assassino em série, o quadrinhista estendeu os horizontes dentro do recorte, analisando os relatórios, as entrevistas e falando com vizinhos, professores e estudantes daquele período dos anos 1970.

Dentro desse turbilhão de hormônios da puberdade, despertar sexual e incertezas na chegada de encruzilhadas na vida adulta, Backderf pinça traços que poderiam ser identificados como pistas para o que viria a seguir naquele garoto de expressão de pedra e olhar sinistro.

Mesmo sendo dramatizações embasadas em depoimentos, não existe uma espécie de julgamento acerca do próprio Dahmer, mas sim de algumas sinalizações que o colocaram neste caminho. Backderf não é burro de enveredar por algo mais profundo ou analítico. Posteriormente, nos extras, também impõe sua posição de repúdio do que o amigo veio a fazer no futuro não tão distante.

Na sua cabeça, os adultos têm uma grande parcela de culpa (principalmente os pais), porém, ao mesmo tempo, justifica que eram “caipiras demais” ou “inocentes demais” para alertar um adulto sobre as bebedeiras ou comportamento do colega. Não fica muito clara ou frisada essa “negligência” por parte dos próprios adolescentes. Parece que Backderf tenta fugir disso e concentrar no outro lado da moeda.

O que não tira a atenção da história construída aqui, diga-se de passagem. Fora da HQ, o próprio Dahmer, em entrevista, afirma que não se pode “transferir” a culpa dos crimes para traumas, educação ou outras pessoas. O que ele queria viver era no seu próprio mundinho e não responder a ninguém.

Por motivos de narração, o autor tira da jogada o irmão mais novo e uma peça importantíssima para a sua tese, que é o pai de Dahmer, o químico Lionel. Não obstante, deixar de retratá-lo evidencia a forte ausência que ele exerceu no momento mais tenso da crise conjugal e da vida do primogênito.

Inclusive a figura paterna exorcizou seus demônios numa biografia, A Father's Story, lançada nos primeiros anos de prisão do filho. Sua mãe, Joyce, uma figura bem mais controversa, chegou a divulgar que lançaria sua perspectiva para se defender das acusações de que ela foi o estopim para Dahmer cometer os assassinatos. Com o título provisório de An Assault on Motherhood, a obra nunca chegou a ser publicada.

Um deles chegou a afirmar que a vida do casal não era nenhum Ozzie e Harriet, sitcom dos anos 1950 e 1960, da ABC. Um pesadelo bem longe dos esquetes tragicômicos da televisão.

Com arte com o pé no melhor do underground, que tem a seu favor da correnteza de muitas biografias em quadrinhos com essa pegada, Backderf busca sair dos ângulos tradicionais e enquadrar de forma mais dinâmica algumas sequências. Seu traço sabe se comportar em momentos estáticos e ser expressivo quando é exigido.

Seus cenários expressionistas – principalmente os noturnos e as angulosas estradas – são um dos pontos altos da narrativa.

Para quem quer se aprofundar na vida do “canibal de Milwaukee”, há uma série de livros, filmes e documentários sobre o assunto. Uns bem fracos, como Dahmer – Mente Assassina (2002), longa-metragem estrelado por Jeremy “Gavião Arqueiro” Renner, e outros que prometem, como a adaptação homônima da história em quadrinhos, dirigida por Marc Meyers (de Infiel), lançada recentemente e ainda inédita por aqui.

Com uma breve busca no YouTube, se encontra também a longa entrevista com Dahmer e seus pais, além de depoimentos no tribunal de quem se salvou, de um psiquiatra e dos parentes de algumas das vítimas.

Inaugurando seu selo de graphic novels, a Darkside Books projeta na sua estreia a qualidade luxuosa e bem cuidada do seu catálogo. A edição tem capa dura (a gringa é cartonada), aplique de verniz, formato 16 x 23 cm, papel off-set de excelente gramatura e impressão.

Tão vital quanto a HQ em si é o material extra. Tomando quase 1/3 do volume, Derf Backderf enumera as fontes da sua pesquisa, comentando página por página, faz um breve resumo dos envolvidos, quadriniza quando soube da notícia de que seu amigo era um assassino em série, justifica e mostra “cenas deletadas”, apresenta algumas páginas do seu caderno de esboços e revela fotografias da época de colégio. Complementos à altura do recorte histórico de uma das numerosas tragédias colhidas no quintal dos Estados Unidos.

No final das contas, Meu amigo Dahmer não pretende bater o martelo do julgamento definitivo, nem procura justificar os atos ou projetar vitimismo no seu personagem principal. Ele apenas o humaniza. E isso não quer dizer que traz para ele uma redenção.

Classificação:

4,5

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