O árabe do futuro 2 – Uma juventude no Oriente Médio (1984-1985)
Editora: Intrínseca – Série em cinco volumes
Autor: Riad Sattouf (roteiro e arte) – Originalmente publicado em L'arabe du futur 2: Une jeunesse au Moyen-Orient (1984-1985) (tradução de Carolina Selvatici).
Preço: R$ 39,90
Número de páginas: 160
Data de lançamento: Março de 2016
Sinopse
Continua a história da infância do quadrinhista Riad Sattouf no Oriente Médio. Nascido na França em 1978, filho de pai sírio e mãe francesa, o pequeno passou os primeiros anos de vida dividido entre a Líbia, a Bretanha e a Síria.
Nesta sequência, ele narra os choques de seu primeiro ano como aluno de uma escola síria, na qual começa a aprender a ler e escrever em árabe enquanto enfrenta um ambiente rígido e violento.
O garoto também conhece mais a fundo a família paterna e, apesar dos cabelos louros e das semanas de férias na França com a mãe, faz todo o possível para se tornar um verdadeiro sírio e encher o pai de orgulho.
Positivo/Negativo
A janela da infância de Riad Sattouf se estreita em apenas dois anos nesta edição. No volume anterior, ela abrangeu de 1978 a 1984.
Essa concentração temporal oferece muito pano para manga, já que aborda a primeira ida do garoto à escola, aos seis anos. Um “mundo novo” com o qual muitos leitores vão se identificar devido às temeridades do jovem protagonista.
A família de Riad – pai, mãe e o irmão caçula – voltaram a morar num vilarejo perto de Homs, na Síria, local da origem paterna.
O álbum documenta como era o rígido e decadente sistema de ensino na época do ditador Hafez al-Assad (1930-2000), que governou o país desde 1971 até a sua morte. Atualmente, quem ocupa o lugar é o seu filho, Bashar al-Assad.
Antes mesmo de aprender as primeiras sílabas, as crianças tinham uma unilateral noção de civismo,ensinada por uma enorme professora cheirando a perfume de rosas e de panturrilhas grossas. A princípio, ela era simpática e amável, mas o pesado e inseparável bastão que carregava dizia o contrário quando um aluno se desviasse da conduta disciplinar: “como antigamente”, o objeto que mais parecia uma régua de madeira servia para açoitar as mãos dos infratores.
Apesar de serem cenas violentas, o humor involuntário vindo da inocência dos garotos ameniza as lembranças do jovem de madeixas loiras, que continua sofrendo descriminação por ter uma mãe francesa, nascida na Bretanha.
Há, inclusive, uma pequena e minuciosa aula de árabe (bem mais fácil que o francês, segundo o próprio) feita pelo autor franco-sírio, além de outros detalhes do aprendizado, como os cinco pilares do Islã e o respeito (praticado fora da sala de aula) ao Corão, o livro sagrado da religião mulçumana.
Falando em costumes e base cultural, o segundo volume de O árabe do futuro tem em particular uma atenção voltada ao papel da mulher. Isso não quer dizer que nos primeiros capítulos não era tocado este assunto, mas aqui se desenrola um fato acontecido na família da meia-irmã do pai do protagonista que choca os ocidentais devido à natureza e à perspectiva social daquela sociedade.
Vai muito além do que é captado pelos olhos do pequeno Riad, quando as mulheres servem os homens e esperam eles comerem primeiro para se servirem dos restos ou a esposa que anda passos atrás do marido altivo na rua.
Interessante notar que existe uma repreensão passiva por conta da mãe francesa, mas que não é levada a sério pelo pai sírio. Mesmo sendo liberal em alguns conceitos do islamismo, ele sempre mostrou na ótica do autor suas nuances de preconceitos.
Mas não pense que essa hostilização se restringe apenas ao que poderia ser pré-julgado como o “exótico” e “atrasado” povo mulçumano. O autor mostra também o preconceito do outro lado da sua família, quando a avó materna critica os alemães devido à herança nazista da França pós-Segunda Guerra Mundial.
Num capítulo em que o pai do protagonista tenta sua fracassada “escalada social” entre os graúdos locais, as famílias visitam Palmira, cidade milenar localizada a 120 quilômetros de Homs (a 215 da capital Damasco), no meio do deserto sírio.
Lá, o personagem encontra as ruínas de uma cidade que foi um dos maiores centros culturais do mundo antigo. Um importante sítio arqueológico, patrimônio mundial pela classificação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO.
Mais de 30 anos depois, fazendo um link com o presente, Palmira recentemente foi retomada pelo regime sírio. Desde maio de 2015, a cidade era controlada pelo Estado Islâmico, grupo extremista que vem espalhando o terror no Oriente Médio e na Europa. Em agosto, os jihadistas explodiram o templo de Bel, o mais importante do conjunto arqueológico do local, conhecido como "pérola do deserto".
Com desenhos cartunescos, dinâmicos e funcionais, Riad Sattouf continua usando de forma inteligente as cores monocromáticas nas páginas da obra. Na Síria – assim como na capa –, ele utiliza as matizes da bandeira do país (vermelho e verde); já quando é mostrada a França, os tons predominantes são azul e branco, com alguns detalhes em vermelho.
A edição da Intrínseca continua com o tratamento acima da média para o material: capa cartonada com orelhas, formato 17 x 24 cm, miolo em papel pólen de boa gramatura e impressão.
A “escorregada” se dá na penúltima página, terceiro quadrinho, quando a fala repetitiva e lamurienta de um senhor é direcionada à mãe do protagonista. Além de ver que o “mantra” é do outro personagem no decorrer de toda a página, percebe-se que a forma do balão é bem característica do homem.
Com o terceiro tomo ainda para ser lançado lá fora, a edição abre mais uma janela para o Ocidente vislumbrar o Oriente na visão de um garoto dividido entre dois mundos bem distintos. Talvez esse conflito que lhe faz refletir quando come um pedaço de carne de porco – proibida pelo livro sagrado – possa indicar o caminho da formação do árabe do futuro do título.
Classificação
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