O ETERNAUTA
Editora: Martins Fontes - Edição especial
Autores: Héctor Germán Oesterheld (roteiro) e Francisco Solano López (arte).
Preço: R$ 69,80
Número de páginas: 360
Data de lançamento: Janeiro de 2012
Sinopse
Em Buenos Aires, quase nunca neva. Quando isso ocorre, é porque algo anormal pode estar acontecendo, até mesmo uma catástrofe.
A partir de um acontecimento inesperado, um grupo de pessoas comuns vai enfrentar o maior desafio de suas vidas, numa batalha pela sobrevivência.
Positivo/Negativo
No final dos anos 1950, uma estranha e fosforescente neve cai numa noite tranquila de Buenos Aires. Porém, o simples encostar de um floco na pele faz com que qualquer ser vivo despenque morto imediatamente. Desta premissa bastante básica e intrigante inicia-se uma das obras artísticas mais importantes e significativas da América Latina: O Eternauta, uma história em quadrinhos publicada em capítulos semanais, entre 1957 e 1959, na revista argentina Hora Cero, com roteiros de Héctor Germán Oesterheld e desenhos de Francisco Solano López.
Ao longo das décadas, O Eternauta se firmou como um símbolo argentino, reeditado numerosas vezes e sempre rememorado em pichações, homenagens e até em campanhas políticas. No entanto, demorou 55 anos para que enfim fosse publicada no Brasil. Em janeiro de 2012, a Martins Fontes fechou essa lacuna.
É difícil dosar a importância de O Eternauta. Em primeiro lugar, há a qualidade do trabalho sob todo e qualquer aspecto. Como já disse o jornalista e professor do departamento de letras da USP Paulo Ramos, trata-se de uma das melhores HQs já produzidas em todo o mundo. "Em termos de impacto social e influência na produção de quadrinhos do país vizinho, não seria exagero comparar o personagem a Mafalda, de Quino", avalia Ramos, no prefácio da edição nacional.
Em outro aspecto, a relevância está na própria gênese da obra de Oesterheld e López, fortemente vinculada à política da Argentina - na época, recém-saída de uma ditadura e ainda prestes a sofrer novos golpes militares.
Héctor Oesterheld era, além de jornalista e quadrinhista, um ativo militante político, defensor de causas a favor do coletivo e do social. Em introdução escrita nos anos 1970 para uma das republicações de sua criação mais notória, o autor registrou: "O verdadeiro herói de O Eternauta é um herói coletivo, um grupo humano. Isso reflete, embora sem premeditação, meu sentimento íntimo: o único herói válido é o herói 'em grupo', nunca o individual ou solitário".
A trama é narrada por Juan Salvo, que se define como "viajante da eternidade" logo na terceira página. Ele passa a contar tudo que lhe aconteceu a um assustado roteirista de quadrinhos (espécie de alter ego de Oesterheld).
Salvo fala da neve assassina e de como ele, sua família e alguns amigos depararam com uma ameaça absolutamente inimaginável, um inimigo sem precedentes disposto a dominar o planeta e eliminar a raça humana.
A ação transcorre em tempo real, como se Salvo estivesse falando ao próprio leitor no sofá de casa. Cada segundo da trama é detalhadamente contado e desenvolvido com surpreendente tensão e engenhosidade, ao longo de 360 páginas.
Os desenhos de Solano López são fundamentais na fruição, especialmente porque seus traços retratam locais facilmente reconhecíveis de Buenos Aires - entre os espaços por onde os personagens transitam, estão o estádio do River Plate, a Praça de Maio, as barrancas de Belgrano e ainda ruas, vielas e estações de metrô.
A ambientação e o tom realista e apocalíptico serve para que O Eternauta não apenas funcione como uma ótima história de ficção científica, mas também de referência política da América Latina. "Não é preciso ser um grande caçador de metáforas para associar os Eles (os líderes da invasão da Terra) com os militares que tomaram o poder", apontou certa vez o escritor argentino Carlos Trillo.
Oesterheld pagou caro por suas convicções. Cada vez mais inserido na luta política a partir do golpe militar de março de 1976, o escritor - que causara polêmica por fazer releituras mais politizadas de uma nova versão de O Eternauta em 1969 e por sua biografia em quadrinhos de Che Guevara, publicada em 1968 - foi sequestrado em 1977 e nunca mais encontrado.
Mesmo assim, a segunda parte de O Eternauta, previamente pronta, foi sendo publicada quando Oesterheld já estava desaparecido. Os leitores, contudo, não sabiam de seu sumiço, já que informações sobre a oposição eram filtradas. Assim foi até o término da série, em 1978.
Ironicamente, Oesterheld pode ter sido assassinado naquele ano. De sua família, quatro filhas (duas delas grávidas) e dois genros também foram mortos, por atuarem na Juventude Peronista, contrária aos militares. Apenas a viúva do autor, Elsa, a única a não se envolver na militância, sobreviveu.
O trágico destino de Oesterheld criou o mito em torno de seu nome e trabalho. Apesar de outros projetos que publicou, O Eternauta ficou como o grande representante de sua genialidade.
Em geral, a edição brasileira é muito boa, com ótima tradução de Rubia Prates Goldoni e Sérgio Molina e formato 28 x 22 cm (maior que o argentino), que chama atenção. Os problemas, porém, são bastante significativos para um lançamento deste porte: a capa é frágil demais, sempre perigando amassar a cada leitura; e o preço de quase 70 reais não parece condizer com o tratamento gráfico - especialmente no tipo de papel. Isso talvez exclua quem não pode investir um pouco mais para conhecer este clássico.
Uma curiosidade: a diretora de cinema argentina Lucrécia Martel, cultuada pelos filmes O Pântano e A Menina Santa, iria dirigir uma adaptação de O Eternauta para as telas. Um cartaz chegou a circular no Festival de Cannes, em 2008. Mas ela se afastou do projeto por diferenças criativas com os herdeiros da obra. Outro diretor ainda deve assumir a produção.
Classificação: