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O mundo de Aisha – A revolução silenciosa das mulheres do Iêmen

24 abril 2015

O mundo de Aisha – A revolução silenciosa das mulheres do IêmenEditora: Nemo – Edição especial

Autores: Ugo Bertotti (roteiro e arte) e Agnes Montanari (entrevistas e fotografias) – Originalmente em Il mondo di Aisha (Tradução de Fernando Scheibe).

Preço: R$ 39,90

Número de páginas: 144

Data de lançamento: Março de 2015

Sinopse

Obrigadas a se casar ainda meninas. Escravizadas, violentadas, por vezes assassinadas. Cobertas com o véu negro, as mulheres do Iêmen parecem fantasmas.

Contudo, pouco a pouco, com delicadeza, coragem e determinação, elas travam uma batalha por sua emancipação. Uma revolução silenciosa está em marcha para fazer valer seus direitos e sua liberdade.

Positivo/Negativo

“Nas ruas, as mulheres são como manchas negras, que se movem flutuando. De vez em quando um rápido murmúrio, um preço que se pergunta, depois se afastam deslizando... A partir de certa idade seus corpos se preparam para desaparecer. E sob aqueles véus negros parece não haver mais mulheres de carne e osso. Parecem pássaros negros, inamistosos, inabordáveis”.

Esta é uma das descrições das mulheres do Iêmen mostrada no álbum pelo italiano Ugo Bertotti, inspiradas pelas imagens e entrevistas da fotojornalista também oriunda do país em forma de bota, Agnes Montanari.

Assim como vários quadrinhos que se aprofundam na cultura mulçumana, tão “distante” da ocidental, vista geralmente pela sua superfície nos rodapés dos livros de História ou nos segundos de imagens dos noticiários da TV, pouco se sabe sobre o Iêmen, muito menos de suas misteriosas mulheres.

Como revela no seu posfácio, Montanari descobriu o país árabe acompanhando o marido que estava em missão pela Cruz Vermelha. A fotógrafa só sabia de características básicas do local, que até podem soar desconhecidas pelo leitor: a Al Qaeda e seu fundador, Osama Bin Laden, o PIB baixíssimo – um dos menores do mundo, e armas fazem parte do cotidiano como o aparelho celular no Ocidente, principalmente as AK-47 (duas por habitante, incluindo crianças e recém-nascidos).

O mundo de Aisha reúne três histórias sobre algumas dessas iemenitas que saem de casa vestindo dos pés a cabeça o denominado niqab – ou nicabe –, o véu negro que revela apenas os seus olhos. A vestimenta é frequente nos países da Península Arábica como o Iêmen, mas também pode ser encontrado em outras nações de tradição religiosa muçulmana.

Dono de um traço rústico e estilizado, lembrando até a arte da iraniana Marjane Satrapi em Persépolis, Bertotti aponta que o hábito secular de trajar o niqab não saiu de moda nos guarda-roupas de 95% das mulheres do Iêmen em decorrência da obrigação, mais do que a própria tradição.

A primeira parte do álbum já exemplifica isso de forma brusca, quando a garota que dá nome ao capítulo, Sabiha, é vítima de violência doméstica por se debruçar na janela secretamente pela manhã, sem o uso do niqab.

No segundo tomo, o leitor é apresentado a Hammeda, uma senhora empreendedora de vários restaurantes e hotéis que lutou para criar sozinha os filhos depois que o marido morreu, razão de ser duramente criticada pela sociedade mulçumana. Nos anos 1960, ela começou os negócios encarando o preconceito e alimentando soldados durante a guerra civil.

Por fim, a terceira e mais longa, mostra a jovem Aisha e outras iemenitas que a cercam no seu cotidiano. Situações como frequentar um emprego no qual só existem homens no ambiente e ser alvo de preconceitos, mesmo usando o véu, ou a pressão de se casar o mais rápido possível são abordadas não só no traço de Bertotti, mas nos registros fotográficos de Montanari, que também aparece como personagem.

Tal narrativa “hibrida” – montando suas páginas com desenhos e fotos –remete à obra francesa O Fotógrafo (lançado por aqui pela Conrad), que conta a jornada de Didier Lefèvre no Afeganistão acompanhando os Médicos Sem Fronteiras. Ilustrada e adaptada por Emmanuel Guibert (autor de A Guerra de Alan, publicada aqui pela Zarabatana) com diagramação de Frédéric Lemercier (veja as resenhas dos volumes 1, 2 e 3).

A grande diferença entre as abordagens é que O mundo de Aisha sobrepõe balões às fotografias, mas igualmente serve para dar uma “realidade” aproximada e de carne e osso para ambos os relatos. Com a arte “preenchendo” e guiando as histórias, os cliques oferecem um choque de veracidade documental.

O que fica mais evidente no decorrer das três partes não é apenas a revolução silenciosa propriamente dita, na qual a geração entrevistada tem a consciência de lutar para a próxima não passar pelos mesmos obstáculos e preconceitos que elas enfrentaram.

Da mesma forma como foi revelador para a fotojornalista, o leitor também passa a enxergar além do anonimato dessas “manchas negras”, seja em virtude do uso do niqab, seja pela trajetória violenta que essas mulheres passam.

A edição da Nemo apresenta capa cartonada com orelhas, formato 17 x 24 cm, uma boa impressão em papel pólen, biografia dos idealizadores e fotografias nas últimas páginas. Apesar de ser uma obra de Ugo Bertotti, caberia tranquilamente o nome de Agnes Montanari figurar ao seu lado na capa. Afinal, as fotos são de autoria dela e suas entrevistas serviram de base para O mundo de Aisha.

O único “escorregão” na revisão coube à parte de agradecimentos, na última página, em que o quadrinhista oferece o trabalho à esposa Raffaella Bertotti, que está grafado “Rafaela” (a forma correta aparece no crédito fotográfico do autor, na orelha da edição).

Logicamente, esse errinho não influência na nota ou na avaliação de um sempre bem-vindo e esclarecedor material europeu.

Classificação

4,0

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