O quinto Beatle – A história de Brian Epstein
Editora: Aleph – Edição especial
Autores: Vivek J. Tiwary (roteiro), Andrew C. Robinson e Kyle Baker (arte) – Originalmente em The fifth Beatle – The Brian Epstein story (tradução de Delfin).
Preço: R$ 59,90
Número de páginas: 168
Data de lançamento: Maio de 2014
Sinopse
Recortes baseados na história do inglês Brian Epstein, o visionário que descobriu, empresariou e guiou os Beatles a um estrelato internacional sem precedentes, reescrevendo as regras da indústria da música pop nos anos 1960.
Positivo/Negativo
“Se existiu um quinto Beatle, ele foi o Brian”, afirmou, no ano de 1999, Paul McCartney sobre o empresário que alavancou a carreira dos quatro rapazes de Liverpool ao estrelato e à imortalidade na História da música mundial.
Como toda história de banda de rock, há controvérsias sobre esse “quinto elemento”. O quarteto já teve o baterista Pete Best e o baixista Stuart “Stu” Sutcliffe no seu palco. Inclusive este último foi o personagem central do filme Backbeat – Os cinco rapazes de Liverpool (1994) e do álbum Baby's in black – O quinto Beatle (8Inverso), de Arne Bellstorf.
Para a grande maioria dos fãs, o posto deveria ser ocupado pelo produtor musical e arranjador londrino George Martin, mas, independentemente do título oficial, uma verdade é incontestável: Epstein foi uma das figuras importantes nos bastidores da criação do Fab Four.
Antes de tudo, deve-se perceber neste álbum que a maneira como o roteirista Vivek J. Tiwary aborda a trajetória de Epstein são recortes que não são atados às amarras da adaptação do mais alto grau de fidelidade. O autor mostra uma liberdade criativa de contar a história sem perder o foco no protagonista.
De acordo com o posfácio assinado pelo roteirista, a pesquisa sobre seu “mentor histórico” durou duas décadas, em consequência do choque que ficou ao descobrir quão pouca informação havia disponível sobre o empresariado dos Beatles.
Dentre outros recursos, o roteirista colheu depoimentos das pessoas do círculo de amizade e meio social do homem de negócios.
O quinto Beatle acompanha Brian Epstein desde a sua primeira visita ao The Cavern Club, o primeiro recanto onde a até então banda desconhecida apresentava seu rock’n’roll, no começo da década de 1960, até seu investimento empresarial para o grupo abraçar o mundo com sua música.
Partiu de “Eppy” a ideia do visual da primeira fase da banda. Os integrantes também eram censurados por ele a não falar palavrões ou fumar e se comportarem como solteiros. “Adeus”, jaquetas de couro e jeans; “olá”, ternos impecáveis.
Obstinado e convicto do sucesso desde o começo, o jovem empresário dizia sempre que os Beatles iriam ser maiores do que Elvis (há um obscuro encontro entre ele e o grotesco e implacável Coronel Tom Parker, o agente do “Rei do rock”). Essa meta arrancava gargalhadas das gravadoras, que não contavam com seu tino para os negócios.
Epstein chegou a comprar milhares de discos para a loja da família que administrava em Liverpool, a Nems, e a pedir aos funcionários que ligassem constantemente para as rádios para que Love me do ou Please please me subissem nas paradas britânicas.
Num dos momentos mais criativos da narração da obra, Brian é colocado diante de três momentos distintos da sua vida – no exército, na gravadora e no ateliê de alta costura –, e todos convergem para uma única sentença que prova o quanto ele tinha força de vontade para seguir em frente.
O autor também preenche lacunas pouco conhecidas em momentos cruciais da carreira dos Beatles. Uma delas é a negociação surreal de Epstein com Ed Sullivan para trazer os Beatles para a América, há 40 anos. Na visão de Tiwary, as propostas e contrapropostas foram discutidas entre o empresário, o apresentador de TV e um boneco de ventríloquo, que dava voz a Sullivan.
O roteirista até “tira onda” dessa passagem no posfácio, deixando no ar se ela existiu ou não. Além disso, levanta outras questões capitais abordadas no álbum, como a gravidez da namorada de Lennon, Cynthia, e a misteriosa assistente pessoal Moxie.
Recursos como esses são comumente usados em adaptações cinematográficas, mas também aparecem no mundo das HQs. Um exemplo é o quadrinhista alemão Reinhard Kleist no álbum Johnny Cash – Uma Biografia (8inverso) misturar as letras da música com a vida do cantor e compositor.
A força motriz em O quinto Beatle é captar a essência de um homem de vanguarda. Para este fim, vale o exercício criativo, principalmente porque o personagem não é apenas um bondoso ser humano. O pior inimigo de Brian Epstein é o próprio Brian Epstein.
Solitário e homossexual em uma época que havia leis na Inglaterra que coibiam severamente a “opção” sexual (que foi derrubada um mês antes de sua morte prematura, aos 32 anos), Brian teve um envolvimento maior com drogas prescritas por vários médicos para diminuir sua ansiedade, insônia, solidão e ajudá-lo a lidar com o “outro problema” das “tendências íntimas”.
Além de ter permanecido quatro semanas consecutivas na lista dos mais vendidos do jornal The New York Times, O quinto Beatle recebeu este ano duas indicações ao Eisner Awards, nas categorias de Melhor Trabalho Baseado na Vida Real e Melhor Pintor/Artista Multimídia, para Andrew C. Robinson.
Uma arte em belíssimas aquarelas que são um show à parte. Com pleno domínio de composição e diagramação dinâmica, o traço de Robinson – naturalista e cartunesco ao mesmo tempo – fortalece ainda mais a transmissão de liberdade criativa desvencilhada dos grilhões racionais que a obra pede.
Um dos destaques são as páginas do assassinato do presidente Kennedy, que deram muito trabalho ao artista, como confidenciado nos extras da edição, principalmente por causa da busca de movimento.
Com o processo de criação também pormenorizado no final do livro, a capa traduz e resume o que foi a vida do personagem principal: um toureiro que tentava domar os obstáculos intransponíveis, que agiu nos bastidores com os pés no chão enquanto alavancava seus “meninos de ouro”. Uma pessoa solitária que queria atenção e amor, mas abdicou disso para focar na maior tourada de sua vida, tão trágica e dramática quanto recitar Shakespeare.
Além das aquarelas de Robinson, a HQ conta com uma participação do premiado Kyle Baker (de Plastic Man), que ilustra com um traço mais cartunesco e estilizado as bem-humoradas páginas da desastrosa turnê dos Beatles pelas Filipinas, em 1966.
O título marca a entrada da Aleph no universo editorial dos quadrinhos. Bem cuidada, a edição tem um formato que chama a atenção (21 x 31 cm), capa cartonada com orelhas, ótima impressão em papel couché fosco de altíssima gramatura (170g) e um preço bastante convidativo, pela qualidade gráfica.
A edição ainda tem introdução do cantor Billy J. Kramer, texto do ex-empresário e produtor dos Rolling Stones, Andrew Loog Oldham, uma carta do ativista Howard Cruse, da Freedom To Marry, organização que faz campanha pelo direito ao casamento homossexual nos Estados Unidos, além de extras como o processo artístico de Andrew Robinson, memorabilias de colecionadores e amigos de Brian Epstein, e uma bem-vinda seção de notas da edição brasileira escritas pelo tradutor Delfin.
Apesar de não prejudicar a leitura, o volume tem alguns escorregões de revisão: um “que que” na página 54, um “IEU...” na 95 e um “...filhos encantadores, Kavi ‘and’ Nandini...” na biografia de Vivek Tiwary.
Além disso, o autor cometeu um equívoco histórico: situou a morte de Epstein, em 27 de agosto de 1967, quando John, Paul, George e Ringo faziam um retiro espiritual na Índia. Na verdade, no fatídico dia, os rapazes de Liverpool estavam em Bangor, no País de Gales, para serem iniciados em meditação transcendental por Maharishi Mahesh Yogi.
Outra liberdade do autor? Para Tiwary, um produtor de cinema, TV e espetáculos da Broadway, seria até justificável...
O quinto Beatle é uma síntese do que foi amar um sonho, vivendo intensamente o objetivo – e não a vida, que foi sacrificada na arena – até que o tal sonho simplesmente acabasse um dia.
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