O Sombra – Os sete irmãos mortais
Editora: Abril – Minissérie em três edições
Autores: Andrew Helfer (roteiro), Kyle Baker (desenhos) – Histórias originalmente publicadas nas edições # 8 a # 13 da série The Shadow, pela DC Comics, em 1988.
Preço: NCz$ 0,45 (as duas primeiras) e NCz$ 0,58 (a terceira)
Número de páginas: 64 cada uma
Data de lançamento: Março, Abril e Maio de 1989
Sinopse
Em meados da década de 1980, o famoso justiceiro conhecido como o Sombra volta a exterminar criminosos na cidade de Nova York. Sua guerra sangrenta acaba levando-o a confrontar a família Finn. Essa batalha será marcada por situações inusitadas e um final completamente inesperado.
Positivo/Negativo
Esta minissérie da Abril completou, no último mês de março, 25 anos de publicação no Brasil. É uma ótima amostra do tipo de quadrinho que se fazia na década de 1980. Era a chamada “Era das Trevas”, com títulos como Watchmen e O Cavaleiro das Trevas, que revolucionaram os cânones das histórias de super-heróis, tornando-as mais sérias, sombrias e, supostamente, adultas.
Mas também era uma época de experimentação com narrativas. Assim, surpreendentemente, o bom humor também ganhou as páginas dos super-heróis, tendo como exemplo mais marcante a famosa Liga da Justiça Internacional, de Keith Giffen, J. M. DeMatteis e Kevin Maguire.
O Sombra – Os sete irmãos mortais é uma empolgante mistura da seriedade e comédia que marcaram esse período.
A arte de Kyle Baker é um dos destaques. Extremamente expressiva, cartunesca, quase pendendo para os desenhos animados. O desenhista cria composições limpas e utiliza técnicas de ilustração que mesclam o traço tradicional de nanquim com efeitos de lápis comum. Suas imagens combinam perfeitamente com o estilo da trama que Andrew Helfer escreve.
E esta é uma história que não se leva a sério.
Há crime, brutalidade, violência e assassinatos, mas tudo isso vem misturado com doses de absurdo e humor. Por exemplo, um dos irmãos Finn “desova” os corpos de seus desafetos em sua fábrica de salsichas. Ao comer um cachorro-quente, um nova-iorquino quebra seu dente no brinco de diamantes de uma das vítimas.
A sensação de desconforto com o canibalismo vem junto com o riso ao ver o comilão mostrando seu dente quebrado em um sorriso, feliz por achar o diamante.
Essa é uma das situações que se sucedem numa velocidade vertiginosa: atentados terroristas, números de mágica, assassinos em série, detetives particulares, macacos adestrados... É uma série de pequenos episódios que se completam em um todo desconcertante.
Assim como diversas são as situações apresentadas, também o são os personagens. O Sombra parece um coadjuvante entre seus agentes, os irmãos Finn e as diversas figuras que vão aparecendo, como o advogado falastrão, o biólogo velhinho que parece um depósito de lixo hospitalar humano e os gêmeos que dirigem o conversível voador.
Helfer despeja uma sucessão de informações em ritmo alucinante sobre o leitor. O humor e a violência são seus ingredientes principais, mas não se trata de diversão descerebrada. Por meio do humor, as atitudes do próprio protagonista da série são questionadas.
Logo no começo da trama, o Sombra poupa um assassino em série por “simpatizar” com ele: suas vítimas eram criminosos. Mais adiante, decide eliminar um matador notório, mesmo ele tendo salvado a vida de um de seus agentes.
Assim, os padrões da “justiça” promovida pelo Sombra parecem variar de acordo com seu humor ou caprichos.
É interessante notar como os dois autores conseguem tirar humor da figura sisuda do Sombra sem descaracterizar o personagem. Em uma sequência, o justiceiro brinca com um aviãozinho em seu escritório enquanto lamenta a falta de dedicação de seus novos agentes. Em outra, seus próprios filhos debocham de seu discurso pulp, enquanto ele divaga sobre a futilidade das riquezas e o prazer de exterminar os inimigos.
Mesmo os irmãos Finn são caricaturas muito divertidas. Cada um é especializado em um tipo de crime: prostituição, drogas, jogo, roubo, tráfico de armas e até mesmo vadiagem. Eles fazem suas reuniões no mesmo prédio, exatamente um andar abaixo, onde o Sombra se reúne com seus agentes.
Vale ressaltar que esta minissérie foi um arco de histórias dentro de um título mensal do Sombra, publicado nos Estados Unidos entre 1987 e 1989. Durante a leitura, percebe-se que há referências a episódios e personagens que devem ter aparecido antes e consequências que foram desenvolvidas depois. Entretanto, isso não prejudica a história. Pelo contrário, torna-a mais interessante, deixando pontas soltas para o leitor preencher.
O final ganha dimensões extraordinárias justamente por insinuar, dentro desta edição brasileira, que não há uma continuação.
Aliás, a publicação da Abril traz ainda todo um charme para o leitor mais antigo. Em uma época em que o acesso às informações não tinha as facilidades da internet, eram os textos editoriais que situavam o fã a respeito da trajetória do personagem e seus autores.
Assim, acompanhavam estas edições matérias que explicavam as origens do Sombra nos programas de rádio e na literatura pulp dos anos 30. Abordavam também um pouco do processo criativo e intenções de Howard Chaykin ao escrever a série Crime e Castigo, que trouxe o personagem de volta e o ambientou na Nova York de 1980.
O tradicional “formatinho” (13,5 x 19 cm) e os diversos anúncios, que iam de refrigerantes a cursos profissionais por correspondência, passando pela apresentação do lançamento da primeira publicação de Watchmen no Brasil, dão a esta minissérie um valor não só sentimental, para quem viveu a época, como também documental.
Tratava-se de outra percepção de mundo, de uma apropriação de fragmentos e super-heróis que pareciam fascinantes justamente por serem tão extraordinariamente distantes do cotidiano brasileiro.
Para o leitor que nunca teve contato com essas publicações, vale conferir pelo excelente ritmo da narrativa, ação, humor e arte. E que se registre aqui o desejo deste resenhista por uma republicação que valorize as belas imagens de Kyle Baker.
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