Os Invisíveis – Volume 1 – Revolução
Editora: Panini Comics – Edição especial
Autores: Grant Morrison (roteirista), Steve Yeowell (arte de Beatles Mortos e Na pior entre Céu e Inferno), Duncan Fegredo (arte de Hexy), Jill Thompson (arte do arco Arcádia), Dennis Cramer (arte-final de Arcádia) e Daniel Vozzo (cores) – Originalmente publicadas em The Invisibles # 1 a # 8 e Absolute Vertigo.
Preço: R$ 25,90
Número de páginas: 232
Data de lançamento: Maio de 2014
Sinopse
Beatles Mortos – Dane McGowan é um adolescente revoltado que pratica atos de vandalismo e acaba sendo preso e enviado a uma estranha instituição de reabilitação. Além disso, ele tem a peculiaridade de ter visões que poderiam ser de mortos e demônios. Talvez por essa razão tenha sido selecionado para ingressar no seleto grupo dos Invisíveis. A partir daí é que sua vida realmente se complica.
Na pior entre céu e inferno – Arco em três partes que apresenta a “educação” de Dane McGowan por seu tutor Tom O'Bedlam. As coisas estão por aí, tudo é uma questão de saber enxergá-las.
Hexy – King Mob recebeu um molotov místico e sua vida depende de desarmá-lo.
Arcádia – Poesia maldita – Byron e Shelley conversam e os Invisíveis preparam uma viagem no tempo, mesmo estando cientes de que um assassino chamado Orlando os procura.
Arcádia – Mistérios da guilhotina – Em plena Revolução Francesa, King Mob e sua equipe salvam o Marquês de Sade dos Criptos. Mary Shelley partilha sua carruagem com um estranho misterioso. Algo dá errado na viagem pelo tempo. Orlando encontra os Invisíveis.
Arcádia – Os 120 dias de se fôda – Na esfera ôntica, King Mob, Boy e o Marquês de Sade encontram o castelo de Silling. Dane e Lord Fanny enfrentam Orlando. Percy Shelley sofre pela morte de sua filha. Em Rennes-le-Château, Ragged Robin se depara com o tal estranho misterioso e uma bizarra relíquia.
Arcádia – Revolução neurológica – King Mob e Boy apresentam as festas sadomasoquistas de Los Angeles para o Marquês de Sade enquanto os outros Invisíveis sobrepujam Orlando e os Criptos. Percy e Mary Shelley conseguem se reencontrar.
Positivo/Negativo
Os Invisíveis é uma das séries mais consagradas do selo Vertigo e talvez seja a obra-prima da carreira de Grant Morrison. Foi publicada originalmente nos Estados Unidos entre setembro de 1994 e junho de 2000. No Brasil, a exemplo de títulos como Preacher, teve uma periodicidade errática. Entre 1998 e 2008, foram feitas tentativas pelas editoras Magnum, Tudo em Quadrinhos, Brainstore e Pixel. Com base no trabalho realizado pela Panini nos últimos anos, é grande a expectativa de, enfim, ter uma versão brasileira completa da obra.
A série apresenta a trajetória de um grupo de cinco agentes de uma grande sociedade secreta que combate forças malignas que ameaçam a humanidade. A narrativa é cheia de psicodelia, dadaísmo, figurinos espalhafatosos, simbolismo, menções históricas e literárias e autorreferências.
Em um texto que encerra este primeiro volume, o roteirista define Os Invisíveis como “a HQ sobre tudo: ação, filosofia, paranoia, sexo, magia, biografia, viagens, drogas, religião, ÓVNIS...”. De fato, a quantidade de informações despejada na cabeça do leitor nessas 232 páginas é intensa.
Trata-se de uma HQ em que as ideias são mais importantes do que a sucessão de eventos ou o carisma dos personagens. Isso não quer dizer que os personagens são mal construídos ou que o roteiro é descuidado, mas tudo é pensado de forma a estimular um mergulho em um turbilhão de informações e fluxos de pensamentos.
Em seu livro Superdeuses, Morrison conta que os cinco protagonistas da série trazem algum aspecto de sua própria personalidade, especialmente King Mob, que seria seu alter ego. Por isso, considera Os Invisíveis uma história “quase” autobiográfica.
A concepção do título se deu durante um período em que o autor dedicou-se a viajar pelo mundo, ter contato com diversas culturas e experiências, inclusive com substâncias que alteravam estados de percepção e consciência. Tais vivências influenciaram, e muitas vezes são representadas diretamente na trama.
Assim, Os Invisíveis é uma obra profundamente vinculada à vida pessoal de seu roteirista, especialmente ao seu ego e suas pretensões artísticas e filosóficas. Morrison buscava criar algo original e que servisse de veículo às suas visões de mundo. Nesse sentido, trata-se de um trabalho bastante honesto.
Também era intenção do autor fazer uma história que se passasse em um mundo que fosse o “nosso”, o mais “real” possível, distante do conceito de super-heróis ou dos universos mágicos consagrados em outros títulos Vertigo, como Sandman.
Mas já neste primeiro volume se percebe que o universo de Os Invisíveis abraça todos esses conceitos: magia, esoterismo e a estrutura de supergrupo que combate as forças do mal.
Por um lado, é um material ousado, instigante, que transborda ideias originais e dá novas perspectivas a velhos conceitos. Por outro, às vezes é pomposo, pretensioso e mais confuso do que complexo.
As quatro primeiras HQs apresentam o universo ficcional da perspectiva do jovem Dane McGowan. O rapaz e sua violenta rebeldia ocupam a maioria das páginas, alternando-se com a trama de King Mob, que busca um substituto para John-a-Dreams, antigo integrante de sua equipe de Invisíveis.
As referências intertextuais e extratextuais são um dos grandes charmes do trabalho de Morrison. Por exemplo, os desdobramentos do título do primeiro episódio, Beatles mortos, podem implicar na aparição de John Lennon (que surge como lembrança e depois entidade), se relacionar com os significados da figura do escaravelho (apresentados na primeira página) e também fazer um trocadilho com a gíria britânica deadbeat, que significa “vadio”, “vagabundo”, “inútil”.
Juntando os três significados, tem-se o escaravelho como símbolo de morte e ressurreição, John Lennon como “humano” e “entidade” e a referência à condição de Dane McGowan nesse princípio da série como alguém sem perspectivas, aparentemente sem grandes talentos mas com uma promessa subconsciente de surpreender com extraordinárias capacidades.
McGowan é escolhido e será integrado aos Invisíveis com o novo nome de Jack Frost, que, aliás, é seu demônio pessoal e aparece na página 22 e depois é citado outras vezes ao longo da trama.
Mas, para ingressar em seu novo papel, Dane precisa passar por um ritual de iniciação, que envolve um severo desligamento de sua vida anterior. Ele é exilado de sua cidade e passa a viver como mendigo em Londres, onde conhece seu novo tutor, Tom O'Bedlam, e tem contato com perigos que nem imaginava que pudessem existir.
Esse ritual encontra ressonância em diversas outras histórias e personagens, como Eve, em V de Vingança, ou o personagem de Edward Norton, em Clube da Luta. Ao lado dessas referências externas, há também os detalhes sutis dentro da própria trama.
Por exemplo, todos os Invisíveis são discretamente apresentados logo no segundo episódio, Na pior entre céu e inferno, embora possam passar despercebidos ao leitor, uma vez que o foco está em Dane.
Na página 53, Boy é visto pela primeira vez; na 54, Ragged Robin dá uma moeda para Dane; e na 62, está a carismática Lord Fanny.
Esses tipos de “mensagens secretas”, ora mais imperceptíveis, ora mais óbvias, pedem uma leitura atenta a todos os elementos textuais ou imagéticos da história em quadrinhos.
O recurso relaciona-se com os conceitos de conspiração e desdobramentos e conexões de significados, caros ao autor, e também praticamente confere a Os Invisíveis uma dimensão de jogo, na qual o leitor tem um papel muito mais ativo na construção da história.
Essa produção de significados é um dos temas do segundo arco, Arcádia. Ele aparece nas conversas de Byron e Shelley, nas referências à obra do Marquês de Sade, na cabeça de São João Batista e mesmo no conceito de viagem no tempo utilizado por King Mob e sua equipe.
Aliás, a intenção de Morrison de reproduzir uma “realidade” convincente se perde nas múltiplas narrativas e na enorme quantidade de informações e ideias presentes em Arcádia.
Lido com concentração e em boa velocidade (sem repetir nenhum balão), esse arco termina deixando o leitor com uma sensação de tontura, como se tivesse despertado de um sonho.
Vale citar a pequena história Hexy, protagonizada apenas por King Mob e com arte de Duncan Fegredo, o melhor desenhista da edição, para este resenhista. Apesar de curta e aparentemente não fazer muita diferença no álbum como um todo, essa HQ apresenta alguns dos principais conceitos da série, especialmente a conexão de informações e produção de significados.
Afinal, para escapar do feitiço letal, King Mob tem que encontrar um sigil adequado. E para isso precisa estar atento às coincidências, sincronicidades e pistas inconscientes do seu entorno.
Essa é a receita para ler Os Invisíveis: relaxar e estar atento para ligar peças e montar seu próprio quebra-cabeças. E talvez descobrir nas coisas mais ordinárias ao nosso redor os elementos para transformar a nós mesmos e o nosso mundo.
Os Invisíveis apresenta a grande contradição de Grant Morrison: a enorme pretensão de desnudar os segredos da vida e do Universo, ao mesmo tempo em que se entrega com alma de criança à brincadeira de ser super-herói.
É um fanfarrão esse Grant Morrison, mas podemos aprender uma ou outra coisa com ele.
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