A saga do Monstro do Pântano – Livro um
Editora: Panini Comics– Edição especial
Autores: Alan Moore (roteiro), Dan Day, Steve Bissette e John Totleben (arte), Tatjana Wood (cor) – Originalmente em The Saga of The Swamp Thing # 20 a # 27.
Preço: R$ 23,90
Número de páginas: 208
Data de lançamento: Abril de 2014
Sinopse
As primeiras histórias de Alan Moore com o personagem, que tem sua concepção virada do avesso, mas mantendo-se ainda como uma sequência de histórias de terror.
Positivo/Negativo
Do ponto de vista histórico, poucas HQs são mais importantes para entender o quadrinho norte-americano mainstream (e todos os demais países influenciados pelo modelo cultural ianque) do que The saga of the Swamp Thing. A raiz de tudo que se viu nos anos 1980, 1990, 2000 e ainda se vê em 2010, para o bem e para o mal, está neste terreno.
O tratamento absolutamente adulto da série, sem se importar se atingiria também leitores mais novos é uma diferença fundamental para que o escritor Alan Moore pudesse complexificar diversas questões que se desenvolveriam ao longo de todo o tempo em que escreveu o personagem, sendo duas delas perceptíveis desde o começo: a busca por identidade, sempre mutável e em dúvida, e os limites daquilo que se entende por relação amorosa.
Moore foi o primeiro escritor de quadrinhos daquilo que se intitulou mais tarde de invasão britânica, quando diversos autores ingleses escreveram ou desenharam personagens da Marvel e da DC, como os notáveis, Neil Gaiman, Jaime Delano, Grant Morrison, Dave McKean e Brian Bolland e, num segundo momento, Garth Ennis, Steve Dillon, Warren Ellis, Mark Millar, dentre tantos outros.
Boa parte deles foi influenciada por Moore mesmo na Inglaterra, quando o barbudo publicou V de Vingança, Miracleman, Capitão Bretanha, histórias curtas na 2000 AD (algumas delas têm saído em Juiz Dredd Megazine) etc.
Alan Moore conseguiu notoriedade, respeito e prêmios na Inglaterra, a ponto de chamar atenção nos Estados Unidos. Quando a DC resolveu colocar na mão de um novato promissor uma revista que secava e se encaminhava para mais um cancelamento, não sabia que estavam semeando umas das linhas mais interessantes dos quadrinhos norte-americanos, a Vertigo.
Parece exagero, mas não é: tudo parte daqui, desse pântano e dessa criatura verde cheia de musgo, flores e folhas. Além de ser o melhor encaminhamento na época certa, Moore apresenta aquela que é sua maior virtude, acima mesmo de seu poder de construção de narrativas e do uso cruzado de referências, a ousadia.
Em momento algum, o escritor inglês segura a mão por medo de perder “sua grande chance na América”. Sempre mirando em frente e fiel à história que se propôs a contar, mata seu protagonista no final da edição 20, para redimensioná-lo de forma brilhante na 21. É como se tudo aquilo que acontecera até então não importasse mais.
Une-se a isso uma ousada diagramação de página proposta pelo roteirista. E, sim, sabemos que a criação do aspecto da página é trabalho dele, graças aos seus famosos e já anedóticos roteiros, em que um único painel pode precisar de páginas de texto para ser descrito, tamanha são as pormenorizações, detalhes e referências.
Muitas páginas da primeira história, Pontas soltas são adornadas com imagens, como que colocando sob o mesmo arco simbólico toda a ação (uma garrafa de bebida, o próprio Monstro do Pântano). Aqui, resolvem-se todas as questões abertas pela equipe criativa anterior e se aduba a terra para Lição de anatomia, a trama seguinte, que é realmente uma narrativa muito acima da média ainda hoje.
Por mais que às vezes o texto de Moore pareça excessivo e empolado, o que poderia datar a HQ, as qualidades se sobressaem e o leitor se encontra com uma obra magnífica. O autor consegue fazer uma história sobre o Monstro do Pântano com uma aparição mínima do personagem, focada em um vilão coadjuvante (até então), o Homem-Florônico.
A inteligência narrativa de Moore é mesmo grandiosa. Ao “esconder o protagonista” da série, ele dá relevo ao personagem que será o vilão de seu primeiro arco, consegue criar um efeito de suspense, o que é sempre bom numa trama de terror, além de pôr de lado justamente aquele que tem sua identidade transformada.
Spoilers generosos no próximo parágrafo, fique atento.
O personagem descobre que ele não é Alec Holland, um cientista que após uma explosão foi banhado em produtos químicos e fundiu-se com o pântano, mas sim um vegetal que ganhou a consciência de um homem e que, por meio das suas memórias, pensava ter sido um dia humano.
Ou seja, o Monstro do Pântano não é um humano que virou um ser planta, ele é uma planta que pensava ter sido homem; e Holland está morto. Não é à toa que após essa descoberta a criatura entra em choque e fica literalmente brotando no pântano.
Essa simples alteração de perspectiva realoca toda a motivação e a ação do personagem no mundo, lhe entregando à consciência um drama humanista, mas que, na verdade, funciona pela oposição.
Ele nunca foi ou será humano, porque é uma planta. Mas não é um vegetal qualquer. O que é então? Ao reter as memórias e a consciência de Alec Holland, o monstro é um humano em um corpo vegetal? Continue acompanhando a HQ para saber.
Fim dos spoilers, siga tranquilo.
Vale também destacar a equipe de arte. Steve Bissette e John Totleben fazem um trabalho competentíssimo, aliando-se muito bem às palavras e à narrativa de Moore. Fala-se muito (com razão) do roteiro e da trama do escritor inglês para a série, mas o trabalho dos dois artistas é fundamental.
Uma boa revista de terror, e mesmo com todos os enxertos é isso que Monstro do Pântano é, exige desenhistas competentes em expressão facial e movimento do corpo, com bom domínio de luz e sombra, com poder de indicar mais do que mostram. Basta ao leitor passear pelas páginas e vai colher excelentes exemplos de arte. Mesmo quem chegar ao volume desprovido de toda essa informação histórica, não estará despreparado. Este é o começo de uma das mais importantes sagas dos quadrinhos norte-americanos.
E, por mais estranho que isso pareça, uma criatura do pântano, formada de folhas, galhos, musgo e frutas vai revelar ao leitor uma visão do ser humano.
Classificação