Sandman – Edição Definitiva – Volume 1
Editora: Panini Comics – Edição especial
Autores: Neil Gaiman (roteiro) e Sam Kieth (arte edições # 1 a # 5); Mike Dringenberg (arte # 6 a # 11 e # 14 a # 16), Chris Bachalo (# 12), Michael Zulli (# 13), Kelley Jones (# 17 e # 18), Charles Vess (# 19), Colleen Doran (# 20). Originalmente publicado em Sandman # 1 a # 20.
Preço: R$ 154,00
Número de páginas: 608
Data de lançamento: Abril de 2010 (1ª tiragem); Novembro de 2013 (2ª tiragem);
Sinopse
Sonho, dos Perpétuos, foi capturado. Após quase um século em cativeiro, ele escapa e precisa buscar seus elementos de poder, reconstruir seu reino e dar cabo a um vórtice de sonhos – algo que surge de tempos em tempos e pode levar ao fim todo o reino do Sonhar.
Positivo/Negativo
“Onde termina o contar de histórias e começa a mitologia?”, é com essas palavras de Paul Levitz que se abre este volume e, sem dúvida, é a frase mais acurada para sintetizar a epopeia escrita por Neil Gaiman e ilustrada por diversos nomes entre os anos de 1989 e 1996 (com alguns especiais publicados posteriormente).
E a menos que o leitor tenha passado os últimos 30 anos numa caverna, falar sobre as histórias em si parece contraprodutivo. Afinal, é graças a Sandman que se lançou a multimilionária (e premiada) carreira literária de Neil Gaiman. Além disso, a série, somada a Hellblazer (de Jamie Delano) e Monstro do Pântano (de Alan Moore), deu início à Vertigo, o mais importante selo de quadrinhos adultos norte-americano, com o movimento chamado de “Invasão Britânica”, iniciado pela editora Karen Berger nos anos 1980.
Ainda assim, Gaiman se destaca de outros nomes. E Sandman o acompanhou, pela construção dos roteiros e arte de tal forma que se tornou quase indistinguível a literatura dos quadrinhos. Tanto que, até a data desta resenha, permanece como a única HQ a vencer o prêmio World Fantasy.
Seus álbuns figuraram na lista de mais vendidos do New York Times e, não obstante, conseguiu a façanha de manter o interesse de fãs de HQs e de literatura (em 2010 os editores Jessica Abel e Matt Madden destacaram, no livro Best American Comics, que Sandman aumentou exponencialmente a proporção de leitoras – mesmo que apenas do título, fato que, hoje, Saga, da Image, tenta reproduzir).
Se ainda parece pouco, são mais de 26 prêmios Eisner (incluindo os spin-offs da série), sendo três de melhor série em andamento e quatro de melhor escritor, para Neil Gaiman. Somam-se ainda os prêmios Bram Stoker de melhor narrativa ilustrada e o do Festival Internacional de Quadrinhos de Angoulême... É um currículo invejável.
Lendo as histórias, chega até a parecer algo “fácil” e “simples” o que Gaiman conduz, mas é nítido o tamanho de pesquisa e trabalho que o autor teve para construir a narrativa de maneira tão orgânica. As referências são numerosas e transbordam página a página, sejam sobre banalidades (como uma personagem coadjuvante da série do Metamorfo), personalidades e fatos históricos (como a doença do sono que assolou o Século 20 ou a vida e obra de William Shakespeare), além de mitos, histórias e literatura (da Hécate da mitologia grega à Casa das Bonecas de Henrik Ibsen, passando pelos quadrinhos de Little Nemo, o Senhor Milagre e o Sandman de Jack Kirby e muito mais).
E tudo isso se entrelaça com a narrativa principal, mesmo que tangencialmente, dando uma dimensão muito maior à obra toda. Não é de se surpreender que a tão difusa e longa quantidade de referências e fontes tenha gerado a série de livros The Annotated Sandman, cheio de toda sorte de informações (inclusive visuais) para a obra de Gaiman, que a autora Leslie S. Klinger conseguiu reunir.
Mas é importante frisar que muitas dessas “anotações” são um tanto superficiais para fãs de longa data de quadrinhos, incluídas apenas para agregar volume nas citações, como a primeira aparição de John Constantine, da edição 4 de Sandman, aqui reproduzida: “Quando coisas acontecem, John Constantine se encontra no meio da ação. É de sua natureza”. Dessa forma, vale mais a pena esta versão definitiva da Panini que o livro com as referências...
Vale um destaque para esta versão da Panini, que compila os arcos Prelúdios e noturnos, A casa de bonecas e Terra dos sonhos, por manter as várias canções que surgem ao longo da série no original em inglês, com notas sobre o nome e cantor/grupo.
É preciso destacar também um pouco do humor britânico que se distila pelas páginas, seja de forma mais direta (como uma convenção de “cereais”, em que um dos organizadores procura o Homem de família, aquele mesmo de Hellblazer – Origens – Volume 6 – e lá mesmo se explica por que está ausente), ou mais sutil, espalhado pelos planos e quadros com pequenos chistes (o cordeiro sobre a porta na “hora 10” da sexta edição).
Até mesmo a brincadeira de criança do nome de cada um dos Perpétuos iniciar com a letra “D” no original (Death, Destiny, Dream, Desire, Despair, Destruction e Delight/Delirium) parece irrelevante, mas mostra o tamanho do empenho e comprometimento de Gaiman com seu ofício, pois nada no texto é mera coincidência.
Com tantos prêmios e tamanha aclamação, é fácil imaginar que a Panini não foi a primeira a publicar Sandman no Brasil. Primeiro foi a Globo, que lançou a série em edições individuais entre 1989 e 1998.
Em seguida, Tudo em Quadrinhos/Fractal/ Atitude e Brainstore tentaram retomar a série entre 1999 e 2003, mas, somadas, só chegaram ao número 26.
A Conrad teve mais sucesso, publicando a série, entre 2005 e 2008, em dez encadernados, mais um compilando as duas minisséries da Morte, tudo seguido da primeira publicação dos livros Noites sem fim e Os Caçadores de Sonhos.
Por fim, a Pixel, em 2008, relançou o primeiro volume, Prelúdios e Noturnos (dividido em dois fascículos), e nesse período a Opera Graphica publicou dois livros com as capas originais e comentários de Dave McKean, além de alguns dos especiais Sandman Apresenta (que não são escritos por Neil Gaiman e trazem coadjuvantes da história do Rei dos Sonhos), o que mostra o carinho e interesse dos fãs pela série no país.
Dito isso, vale notar que há uma diferença considerável nesta versão da Panini em relação às anteriores: a colorização.
Em 2007, a DC relançou (da mesma maneira que as versões definitivas brasileiras) a série do Mestre dos Sonhos, com algumas sutis mudanças, como ficam evidentes pela imagem abaixo.
À esquerda, o original de 1989; à direita, a versão feita para o novo volume. As diferenças são gritantes, com um detalhamento muito maior na transição de cores (principalmente na parte inferior, é possível identificar com maior detalhamento cada criatura). Claro que, hoje, o acabamento gráfico facilita esse tipo de situação, inclusive pelo papel utilizado nessas publicações de luxo.
Mas é importante ressaltar que a cor nova, por Danny Vozzo, não foi feita para a série toda. Apenas os 18 primeiros números da revista mensal receberam esse tratamento. Ou seja, neste encadernado as duas últimas HQs saíram com seus tons originais.
Como extras este volume traz algumas notas e histórias de bastidores (a proposta da série feita em 1987 com esboços de Sam Kieth, de Dave McKean e do próprio Gaiman e algumas informações sobre as primeiras edições), e a grande gema deste primeiro volume: o roteiro (acompanhado pela arte não finalizada) da emblemática edição 19, Sonhos de uma noite de verão.
Vale destacar ainda que o encadernado brasileiro é um pouco maior que as revistas originais, em formato americano (19 x 28 cm contra 18 x 26 cm, respectivamente). É pouca coisa, mas somada ao acabamento de luxo e capa dura, oferece mais qualidade à arte, como no caso das belíssimas capas de Dave McKean, que podem ser apreciadas sem logomarcas e outros elementos utilizados quando de sua publicação original. Ainda assim, a coleção nacional é menor que os livros da coleção Sandman Absolute, que medem 22,6 x 40,1 cm.
Desta edição da Panini, o único ponto questionável é a tradução estranha do nome da mendiga de duzentos e tantos anos Mad Hettie, que virou Hettie Maluquete, que soa muito anos 1980. Hettie Maluca resolveria a questão.
Enfim, uma obra-prima em sua melhor versão publicada.
Classificação