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Seduction of the Innocent

19 dezembro 2008

Seduction of the InnocentEditora: Holt, Rinehart & Winston - Livro teórico

Autor: Fredric Wertham.

Preço: só encontrado, com sorte, em sebos

Número de páginas: 400

Data de lançamento: 1954

Sinopse

Livro que enumera os malefícios causados pelas histórias em quadrinhos em crianças e adolescentes. Tem como base uma extensa e detalhada pesquisa da produção da época, com descrição de exemplos, reprodução de cenas e estudos de caso de delinqüência juvenil, área de especialidade do autor.

Além disso, aponta os quadrinhos como fatores que exerceriam uma forte influência negativa e induziriam os jovens a cometer crimes.

Dividido em 14 capítulos, cada um deles aborda aspectos explorados pelos quadrinhos como desvios de conduta sexual, violência e criminalidade. O objetivo era o de reforçar a tese do autor, que defendia um controle no tipo de leitura destinada a crianças e jovens.

Positivo/Negativo

O título sobre quadrinhos mais citado e mais comentado de todos os tempos, ironicamente, fala mal das HQs.Seduction of the Innocent, do psiquiatra alemão naturalizado norte-americano Fredric Wertham consta da referência bibliográfica ou é citado por, pelo menos, 70 livros e mereceu bons espaços e até capítulos inteiros de obras teóricas sobre os quadrinhos publicadas em diversos países, principalmente, as que abordam a história das revistas norte-americanas.

O livro, também referido simplesmente como SOTI, apesar de ser constantemente descrito como uma obra desvairada de um perigoso reacionário é, ao contrário, um trabalho que se pretendia científico, que exigiu por parte de Fredric Wertham e seus assistentes, uma dedicação de sete anos de pesquisa de conteúdo das publicações e o acompanhamento de um grande número de jovens.

Por sua formação e personalidade, o dr. Wertham tinha mais a ver com o pensamento liberal, e até de esquerda, do que com o conservadorismo dos que consideravam os quadrinhos nocivos. Em entrevista publicada na revista Comics Journal, em 1989, ele reafirma que em nenhum momento defendeu a censura, e sim um controle mais rígido do conteúdo das revistas voltadas ao público infanto-juvenil.

Profissional respeitado em seu campo, o psicanalista atuou como perito em julgamentos importantes e de repercussão nacional. Especializado no tratamento de jovens delinqüentes, foi o primeiro a oferecer atendimento a essa população, em uma clínica psiquiátrica pública, no bairro do Harlem, em Nova York.

Também não é verdade que o livro tenha provocado a onda antiquadrinhos, pois já havia um forte movimento de perseguição que beirava a histeria, a partir do final da década de 1940.SOTI trouxe uma compilação sistemática e o endosso "científico" que faltavam para agravar a situação. Foi o rastilho de pólvora que se acendeu num ambiente altamente inflamável.

Seduction of the InnocentComo conseqüência da sua repercussão, o senado dos Estados Unidos promoveu uma série de audiências para debater a violência nos quadrinhos. Nos diversos processos movidos para se estabelecer uma proibição oficial, os pleitos por uma censura sempre foram derrotados em defesa da primeira emenda constitucional norte-americana, que defende a liberdade de expressão.

No entanto, com a pressão da sociedade e de entidades educacionais, os empresários dos quadrinhos criaram um código de ética, uma espécie de autocensura, que baniu do mercado muitos títulos e inviabilizou a continuidade de várias editoras e mergulhou os comics numa séria crise de criatividade da qual só sairiam na década seguinte.

Durante 30 anos, Seduction of the Innocent foi a obra que todo mundo amava odiar, mesmo sem conhecer.

O livro, de fato, contém diversos pontos questionáveis, afirmações absurdas, teorias mal fundamentadas e, propositadamente, exagera no tom dramático de seus relatos. Mas, inegavelmente, era fruto de uma convicção sincera de um médico sério, preocupado em preservar as crianças e adolescentes da violência gratuita e inversão de valores freqüentes nos quadrinhos.

Nesse aspecto, basta ver os exemplos citados para constatar que, realmente, alguns gibis cometiam excessos. Um dos erros do Dr. Wertham foi partir de uma premissa equivocada ao inferir que, pelo fato de todos os delinqüentes que passavam por sua clínica terem lido quadrinhos, as revistas eram responsáveis por levá-los ao crime.

Ele preferiu ignorar que, assim como os jovens desajustados, a maioria dos que eram "normais" também lia HQs. O que o nobre doutor não entendia é que a sociedade norte- americana do pós-guerra passava por intensas mudanças e o aumento da criminalidade não era culpa dos quadrinhos. Tanto que, mesmo após o advento do código de ética e o banimento de vários temas das páginas dos gibis, nada comprova que os índices de criminalidade juvenil tenham diminuído nos Estados Unidos, nos anos subseqüentes.

Wertham caiu no mesmo engano que ciclicamente ocorre em alguns setores: arranjar um culpado por um fenômeno social que está fora do alcance de sua compreensão. Os quadrinhos foram os perseguidos de então, mas a mesma acusação foi feita em épocas diferentes contra a TV, os videogames, os jogos de RPG e até o rock'n'roll.

Embora não nutrisse grande simpatia pelos gibis, Wertham nunca foi contra as HQs em si e apreciava as tiras de jornal, tanto que, em 1971, lançou o livro The World of Fanzines, um dos primeiros estudos dedicados às revistas feitas pelos fãs, inclusive de quadrinhos, e que o autor considerava uma forma de comunicação legítima e criativa.

Seduction of the Innocent inspirou ou serviu de referência para diversos outros livros sobre a fase de perseguição dos quadrinhos, dois deles particularmente interessantes: Fredric Wertham and the Critique of Mass Culture (2005), de Bart Beaty e Ten-Cents Plague (2008), de David Hadju (2008), ambos com o distanciamento histórico necessário para fazer uma retrospectiva mais honesta e menos passional do trabalho do dedicado psiquiatra.

Por outro lado, a fama de SOTI também propiciou o surgimento de livros radicais, que defendiam a censura aos quadrinhos. Em 1990, o arrependido ex-proprietário de comic shopJohn Fulce lançou Seduction of the Innocent Revisited, pela editora Huntington House, especializada em livros de doutrinação cristã. Neoconvertido ao fundamentalismo, Fulce retoma os argumentos de Wertham, mas com um viés nitidamente religioso, e acusa os quadrinhos de fazer apologia à heresia, à pornografia e ao comportamento imoral, segundo, obviamente, suas próprias crenças.

Seduction of the Innocent foi editado apenas uma vez, nos Estados Unidos, em 1954, com uma capa extremamente sóbria para um conteúdo tão explosivo. Por pressão das editoras de quadrinhos, as duas últimas páginas foram suprimidas da maioria dos exemplares já impressos. Elas continham a lista das editoras norte-americanas em funcionamento.

Em 1955, foi lançada a edição inglesa, pela editora Museum Press, com uma capa mais chamativa e uma sutil diferença no subtítulo.

Por questões de direitos autorais, uma vez que reproduzia alguns quadrinhos sem a devida autorização, o livro nunca foi reeditado, a não ser em pequenas tiragens, voltadas, principalmente, para fins acadêmicos. Uma é de 1972, pela Kennicat Press/Amereon. A outra, de 2006 e que serviu de base para esta resenha, é da Main Road Books e traz uma valiosa introdução de 45 páginas e inclui as tais páginas eliminadas. Essa edição, assumidamente, faz parte do esforço em recuperar a imagem e resgatar o trabalho de Fredric Wertham.

Por estar extremamente defasado e fora do contexto, Seduction of the Innocent Revisitednão é nenhuma leitura obrigatória, mas para quem tem interesse em conhecer o livro mais execrado pela comunidade dos quadrinhos e que chegou a ser comparado pelo estudioso inglês Roger Sabin ao Mein Kampf, a obra-ideário de Adolf Hitler.

Aliás, aí vai uma dica: o conteúdo completo está à disposição neste endereço. Além do texto integral e das imagens da edição original, foram incluídas ilustrações adicionais que ajudam ainda mais na compreensão.

Infelizmente, tanto para este resenhista quanto para você, caro leitor, ler Seduction of the Innocent Revisited será um alerta tardio: nós, há muito tempo, já fomos seduzidos pelos quadrinhos. Ainda bem.

Classificação

4,0

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