Talvez seja mentira
Editora: independente – Edição especial
Autores: Shiko (roteiro e desenhos) e Bruno R. (roteiro).
Preço: R$ 25,00
Número de páginas: uma (com um metro de largura)
Data de lançamento: Setembro de 2014
Sinopse
Talvez ela nem se chame Flora, muito menos Nana, como está no anúncio.
Positivo/Negativo
Literalmente, este álbum é um “panorama” erótico. Shiko (com ajuda nos roteiros do seu irmão, Bruno R.) remete aos “catecismos”, aquelas publicações baratas de HQs pornográficas, comercializadas clandestinamente entre os anos 1950 e 1970, que tiveram como seu grande símbolo o carioca Carlos Zéfiro (1921-1992), pseudônimo do funcionário público Alcides Aguiar Caminha.
Junto com o tema da sacanagem, o formato da edição (10 x 15 cm) relembra as dimensões das publicações proibidas na época, que mais pareciam cartilhas de bolso da doutrinação elementar católica (daí o batismo), passados de mão em mão pelos ávidos jovens nos tempos de ditadura militar.
Mas as semelhanças param por aí. O conteúdo de Shiko não tem nada de Zéfiro em relação ao traço (bem mais rebuscado) e seu livreto tem um quê de sofisticação em termos de editoração frente à qualidade barata do gênero de outrora e a facilidade de se ter uma obra independente com excelência hoje.
Apresentando um bem cuidado projeto gráfico de Izaac Brito, o quadrinhista faz uma abordagem diferente: Talvez seja mentira é dobrada em “sanfona” entre duas capas duras nos seus extremos. Quando esticada, a única página mede um metro de largura, apresentando em cada lado uma história em quadrinhos panorâmica.
Em proporções menores, o álbum lembra a abordagem estética de The Great War, July 1, 1916: The first day of the battle of the Somme, recorte histórico sobre a Primeira Guerra Mundial feito por Joe Sacco, inédito no Brasil.
Na primeira HQ, com toques de metalinguagem, um homem descobre que a ex-namorada mantinha um diário das suas anônimas escapadas sexuais, documentando tudo em forma de quadrinhos.
Além das lindas aguadas do Kama Sutra particular da moça nas mãos de Shiko, o inusitado desfecho contrabalanceia com um humor ácido e rasteiro, comumente encontrado nos seus trabalhos.
Já na segunda narrativa, o leitor acompanha um desses amantes casuais da garota, que se mostra tarada por citações em virtude de ser uma ex-aluna de Direito.
Aparentemente simples, o roteiro de Shiko e Bruno R. é uma atração à parte, com situações rasteiras e safadas entre quatro paredes (ou nem isso) que também se “aprofundam” no latim, uma língua não tão morta assim nos paralelos sexuais da garota.
Assim, sentenças e provérbios como “Ab ungibus leo” (“Pelo dedo se conhece o gigante”), “Non scholae, sed vitae discimus” (“Não estudamos para a escola, mas para a vida”) ou “Absque argento omnia vana” (“Sem dinheiro, tudo é vão”) ganham novas interpretações e funções a favor da história.
Em alguns diálogos também pode ser notado o cordão umbilical com os “catecismos” (nos dois sentidos do termo), fazendo provocativas analogias religiosas.
Com um contador de histórias do calibre de Shiko, as breves e excitantes narrativas não devem a nenhum trabalho “curvilíneo” do autor, sempre com bons enquadramentos e ângulos.
A edição é acompanhada de um slipcase (caixa) personalizado. A fragilidade do box é compensada pela altíssima gramatura do miolo e sua boa impressão em preto e branco.
Dentre os pecados editoriais, alguns termos do latim citados em Talvez seja mentira estão grafados erroneamente. E, apesar de serem harmoniosos, os “bordados” que adornam os créditos e as minibiografias dos autores prejudicam bastante a leitura.
Talvez o ponto negativo mais pulsante no álbum seja sua brevidade. Como um coito interrompido ou uma ejaculação precoce, o leitor voyeur desejaria conhecer mais das peripécias sexuais e pensamentos soltos da misteriosa garota, sempre focada na visão masculina.
Mas o gozo de ler uma bem contada – ou seria “bem dada”? – HQ de sacanagem é garantido.
Classificação