11 de setembro: o dia em que os super-heróis falharam
Antes do fatídico 11 de setembro de 2001, em que os Estados Unidos sofreram o maior atentado terrorista de sua história, talvez apenas a Segunda Guerra Mundial havia repercutido no mundo do entretenimento de forma tão avassaladora.
Nos quadrinhos de super-heróis, as reações foram imediatas e, como ainda pode ser observado depois de passados 14 anos, mudanças significativas foram impostas no que ainda restava de inocência em suas histórias.
Se a sociedade norte-americana - e, por que não dizer, do resto do mundo - ficou mais desconfiada, isso se refletiu sobremaneira nos gibis.
Poucos meses depois dos atentados - o mais destrutivo deles foi realizado por intermédio de dois aviões sequestrados e jogados contra as duas edificações que formavam o World Trade Center - uma avalanche de HQs especiais sobre o tema chegou às comic shops dos Estados Unidos.
A editora independente Alternative Comics ganhou mais notoriedade no mercado ao publicar 9-11 Emergency Relief, com 208 páginas de histórias em quadrinhos nas quais 80 artistas, dentre eles ninguém menos que Will Eisner e Harvey Pekar, narravam o heroísmo de bombeiros e policiais que trabalharam no resgate de corpos e de sobreviventes daquela tragédia.
Os valores arrecadados com as vendas de 9-11 Emergency Relief foram doados à Cruz Vermelha norte-americana. Outras editoras fizeram o mesmo, destinando também as rendas para fundos de apoio aos familiares das vítimas.
Foi o caso de Amazing Spider-Man #36, lançada pela Marvel Comics ainda no ano do atentado e, no Brasil, em Homem-Aranha - Em memória das vítimas do 11 de setembro (Panini Comics, 2002). Embora a história apresentasse cenas pouco convincentes, como Magneto e Doutor Destino chorando pelos mortos na tragédia, a intenção era mostrar o profundo sentimento de pesar que pairava sobre a população dos Estados Unidos. A HQ vendeu mais de 200 mil exemplares.
O Homem-Aranha também foi afetado em seu primeiro longa-metragem para o cinema. A cena em que o personagem detém a queda de um helicóptero, armando uma rede de teias entre as torres gêmeas, foi sumariamente deletada da edição final do filme.
Um ano depois do ataque ao World Trade Center, a Marvel deu novo fôlego editorial ao Capitão América. A partir dali, o Sentinela da Liberdade passou a voltar suas ações contra terroristas, inimigos bem mais críveis pelos leitores do que os supervilões que o personagem costumava enfrentar.
A missão de combater o terrorismo coube até mesmo a um herói urbano, como foi visto em Holy Terror!, graphic novel produzida por Frank Miller nos Estados Unidos. A trama deveria ser protagonizada pelo Batman, que mediria forças com o grupo terrorista al-Qaeda e com Osama bin Laden, mentor dos acontecimentos que marcaram o dia que o mundo jamais esquecerá. Mas o autor mudou de ideia no decorrer do projeto e o Cavaleiro das Trevas foi limado da história, sendo substituído por um novo personagem. A graphic novel foi lançada nos Estados unidos pela Legendary Comics, em 2011, depois de cerca de seis anos de desenvolvimento (no Brasil, foi publicada pela Panini, em 2013).
O 11 de setembro também influenciou a Guerra Secreta, minissérie da "Casa das Idéias" em que Nick Fury, até então o mandachuva da S.H.I.E.L.D., reuniu, às escondidas, vários super-heróis para acabar com os planos terroristas da governante da Latvéria contra os Estados Unidos.
Fury revelou haver prometido a si mesmo que "aquele dia" jamais iria se repetir, se dele dependesse. Por isso, à revelia do governo norte-americano, invadiu a Latvéria para, segundo ele, "cortar o mal pela raiz".
A Marvel ainda publicou alguns especiais abordando o atentado de 11 de setembro: a HQ A Moment of Silence (produzida por Brian Michael Bendis, John Romita Jr., Kevin Smith e outros); Heroes, um livro de arte com pin-ups de vários artistas, mostrando heróis como Hulk, Capitão América e criações de outras editoras, além de personagens comuns como bombeiros e policiais, retratados com reações diversas diante de tanta morte e destruição - a obra foi uma compilação dos trabalhos exibidos em 2002 na mostra Heroes Among Us, realizada pelo New York City Fire Museum, nos Estados Unidos; e The Call (no Brasil, Emergência: A serviço da vida, lançada pela Panini em 2003), minissérie protagonizada pela Polícia, Defesa Civil e o Corpo de Bombeiros.
Também houve um crossover entre editoras para o lançamento de 9-11: September 11, 2001. Apresentando dezenas de quadrinhistas consagrados, dentre eles Neil Gaiman, Will Eisner, Stan Lee e muitos outros, a revista apresentou diversas histórias sobre o tema e foi publicada em dois volumes, o primeiro pela Dark Horse, Chaos! e Image e o segundo com a chancela da DC Comics, destacando uma aventura em que Superman se lamenta porque não pôde fazer nada para impedir o atentado terrorista, já que o personagem não existe no mundo real.
A mais contundente HQ sobre esse amargo assunto, entretanto, é The 9/11 Report: A Graphic Adaptation, escrita por Sid Jacobson, desenhada por Ernie Cólon e lançada em 2006, nos Estados Unidos, pela editora Hill and Wang.
Trata-se da adaptação do relatório oficial do governo norte-americano sobre o 11 de setembro, mostrando eventos depois e antes do atentado, incluindo as informações que as agências de inteligência daquele país já haviam coletado sobre vários dos suspeitos.
Outra aplaudida graphic novel sobre o tema é In the Shadows of No Towers - no Brasil, À Sombra das Torres Ausentes (Companhia das Letras, 2004), de Art Spiegelman -, em que o autor narra seu trauma e o de sua família quanto àquele fato marcante em suas vidas.
Apesar de vítima direta daquele dia de terror, entretanto, não foi apenas a sociedade norte-americana que se sentiu afetada pelo que aconteceu naquela data. Em outros países, as manifestações de solidariedade, indignação e luto também se traduziram em histórias em quadrinhos.
Dentre alguns desses exemplos, estão Le 11e jour, de Sandrine Revel, publicado na França em 2002 e que narra o relato pessoal da autora, testemunha do período de horror por que passaram os norte-americanos durante e depois do ataque terrorista; e Cão Maravilha, Reencontro Mortal, de Reginaldo Carlota e Micael Holderbaum, produção brasileira em que o super-herói canino, inconformado com o fato de não ter evitado os atentados de 11 de setembro, torna-se violento a ponto de espancar e matar seus inimigos.
O Universo HQ, na época com pouco mais de um ano de existência, registrou aquele fato que chocou o mundo.
Era 12 de setembro de 2001 e o trecho de uma nota sobre a tragédia, assinada pelo editor Sérgio Codespoti, antecipou o que foi incansavelmente mostrado em praticamente todas as histórias em quadrinhos que abordaram o assunto desde então: "Hoje e nos próximos dias, os heróis não serão personagens como o Homem-Aranha, a Liga da Justiça, os Vingadores ou o Justiceiro, mas todos os voluntários, bombeiros, policiais e pessoas envolvidas neste esforço monumental para salvar vidas."