Patota: os grandes criadores de HQs e suas tiras maravilhosas
Atenção, leitor: confira no blog
do Universo HQ algumas das tirinhas comentadas abaixo.
A década de 1970 foi pródiga com os fãs de tirinhas, publicadas em três
grandes títulos que marcaram época nas bancas de jornal: Grilo
, Eureka
e a Patota.
Patota, da editora Artenova, durou 27 números, em formato
magazine e 56 páginas, sendo publicada possivelmente entre 1973 e 1975
- a imprecisão é porque não constam datas nas edições.
Nessa época, a editora contava com uma linha de quadrinhos diversificada:
além da Patota, a Artenova lançou títulos como Mutt
& Jeff, Snoopy, Zé do Boné, O Mago de ID, Hagar e Kid Farofa,
em formato pocket ou formatinho.
Logo no primeiro número de Patota, o leitor encontrava a maioria
dos personagens e séries que seriam publicados ao longo de toda a coleção,
no formato tiras e em HQs de páginas inteiras, as chamadas "páginas dominicais":
Mafalda, Snoopy, Zé do Boné, Kid Farofa, O Mago de ID, Hagar o Horrível,
Nancy, Kelly, Pernalonga, B.C., Mãi...ê!!!, Frank e Ernest, Os Desligados,
Figments, Os Alienados, Rua da Alegria, Eek e Meek.
Outras tiras entrariam posteriormente no mix, como Pogo
e Miss Peach. No número # 10, uma estréia nacional: Marly,
de Milson Abrel Henriques. Na edição # 15, outra tira tupiniquim: Dr.
Fraud, de Renato Canini.
No primeiro número, um editorial afirmava que "A Patota é a primeira
revista brasileira inteiramente dedicada às histórias em quadrinhos inteligentes
destinadas ao público adulto e juvenil" e fechava afirmando que a revista
"está aí para dar ao público brasileiro, em matéria de quadrinhos, permanentemente,
alguma coisa mais do que o Pato Donald e super-heróis do passado. Alguma
coisa para rir, curtir e relaxar das tensões, em um novo tipo de publicação
periódica que é agora lançada no Brasil".
Outro editorial, na edição # 4, informou com orgulho que algumas faculdades
estavam adotando a revista para estudos em cursos de Comunicação.
E quase toda edição trouxe algum artigo ou matéria sobre quadrinhos. Entre
eles, uma análise sobre os personagens de Charles Schulz (Snoopy);
biografias de Howie Schneider, Reggie Smythe, Tom K. Ryan, Bob Thaves,
Mell Lazarus, Dik Browne, Johnny Hart e outros; o surgimento dos quadrinhos
e seus principais personagens, além do espaço para cartas dos leitores.
Confira agora as principais séries da revista.
Marly foi um dos grandes destaques da Patota. Seu criador,
Milson Henriques, publica a personagem, com sucesso, no Espírito Santo,
há mais de 30 anos. Além disso, escreve peças de teatro, livros, poesia,
charges e é professor e cantor.
O embrião para a criação de Marly veio em 1972, quando o diretor
de um jornal desafiou Milson a criar um personagem que fosse tipicamente
capixaba, para sair em tiras diárias. A primeira idéia surgiu com o papagaio
Edilberto, cuja profissão era vereador. Mas, em plena ditadura militar,
e como o autor já havia sido preso por suas idéias, chegou a conclusão
de que não daria certo. Solicitaram, então, uma criação que não tivesse
nenhuma relação com a política.
E foi quando nasceu Marly, uma solteirona frustrada, que vive ao
telefone com uma amiga de nome Creuzodete, falando mal de tudo e de todos,
principalmente de quem consegue ser feliz.
Inicialmente, era publicada somente em Vitória. Por isso, as brincadeiras
com personagens locais fizeram muito sucesso. Em 1973, foi lançado o Almanaque
da Marly, recolhido e incinerado pela Policia Federal. Foi
quando o editor da Patota convidou Milson para colocar sua "cria"
na publicação.
Ao mesmo tempo, a editora carioca Ecab fez um contrato para distribuir
a personagem nacionalmente, e Marly chegou a ser publicada em 11
estados. Com isso, o tom central das piadas mudou um pouco, passando da
fofoca pura e simples para a desesperada carência por homens.
Entre as proezas da personagem, já foi capa de cardápio de restaurante
em Manaus, tema de escola de samba e virou até boneca de pano.
Em 1983, Milson parou com Marly. E voltou com a personagem em 1992,
quando escreveu uma peça de teatro chamada Hello, Creuzodete!,
retomando também as tiras de jornal, com o intuito principal de promover
o espetáculo.
Dr. Fraud: Criação do genial gaúcho Renato Canini, Fraud é um psicanalista
que convive com os mais divertidos traumas de seus pacientes, além de
ter "tratado" quase todos os personagens clássicos dos quadrinhos. A série
também marcou presença em outros títulos.
Mãi...ê!: Uma mãe possessiva, carente, ciumenta e irônica, que
gostaria de ter seus filhos sempre sob suas asas. Mas eles cresceram,
e sobrou para essa matriarca usar de toda chantagem emocional possível.
Criação de Mel Lazarus, que tomou por base o estereótipo das mães judias,
essa tira fez grande sucesso nas décadas de 1960/1970. Outro trabalho
deste autor também publicado na Patota foi Miss Peach, sobre
uma professora que lida com uma turminha de garotos contestadores.
B.C.: Homens das cavernas, animais e plantas em discussões surreais,
numa crítica ao dito "mundo moderno" e à condição do ser humano, criação
de Johnny Hart, que também foi responsável, juntamente com Brant Parker,
pela ótima tira O Mago de ID (The Wizard of ID).
O Mago de ID : um rei tirânico e cínico, um mago atrapalhado e
sua horripilante esposa, um escudeiro covarde, um prisioneiro político
e outros fizeram desta uma das grandes tirinhas da década de 1970.
Assim como a maioria dos trabalhos de então, nada mais era que uma sátira
e crítica - como no caso de B.C. e outras - ao contexto da época.
Porém, feita com muita elegância, competência e senso de humor refinado,
acompanhado de um traço cartunesco dos mais divertidos.
Mafalda: Quino e sua cria dispensam apresentações. O cartunista
argentino é um dos maiores artistas do mundo em sua área. E a pequena
contestadora é protagonista de uma das melhores e mais engraçadas tirinhas
de todos os tempos, com o enorme mérito de divertir enquanto faz pensar.
Sempre acompanhada da pequeno-burguesa Susanita, o "capitalista" Manolito,
o sonhador Filipe e os pais, Mafalda tinha uma trupe de coadjuvantes de
primeiro escalão.
Zé do Boné: Criação do inglês Reggie Smyth, Andy Capp (no
original) é um beberrão, vagabundo, cara-de-pau e desempregado cujas únicas
motivações são ficar no bar ou ir para casa e atormentar sua esposa Flo.
Fez enorme sucesso na Inglaterra e foi publicado em vários países.
Não é difícil entender tanto sucesso: até hoje, as características pessoais
(quiçá universais) do personagem e as situações apresentadas sempre acabam
por lembrar algum conhecido, ou um acontecimento vivenciado ao menos uma
vez.
O eterno mau humor de Zé do Bone, suas bebedeiras, a ressaca, o prazer
pela jogatina: quanto mais politicamente incorreta, mais engraçada a situação.
Nancy: Surgiu nos Estados Unidos, das mãos de Ernie Bushmiller,
e tornou-se um enorme sucesso de público - mas não de crítica. Situações
simples, piadas diretas, desenhos "bonitinhos", teve grande influência
em diversas séries criadas posteriormente, como Luluzinha, e foi
continuada por outros criadores.
No Brasil, também foi batizada de Tica e Teco.
Rua da Alegria: Criação de Phil Krohn, traz os problemas e o cotidiano
frustrante dos moradores de uma rua, com boa dose de sarcasmo.
Kid Farofa: Outra tira de sucesso. O título original é Tumbleweeds
e fez sua estréia em 1965, criado por Tom K. Ryan. Um caubói pra lá de
burro, índios sacanas (no bom sentido), um xerife covarde, o jogador,
o bêbado, enfim, todos os estereótipos do Velho Oeste virados de cabeça
para baixo, em ótimas gags.
Figments: Dale Hale, criador da série, foi assistente de Charles
Schulz, trabalhou com animação, televisão e teatro. Criou a série baseado
em sua família, um assunto que afirmava "conhecer a fundo".
A tira representa sempre uma situação diferente, enquanto o protagonista
imagina algo relacionado ao que está acontecendo.
Pogo: Tira de grande sucesso que começou a ser publicada em 1949
nos Estados Unidos, pouco conhecida no Brasil. Walt Kelly, seu criador,
chegou a trabalhar com animação nos Estúdios Disney - o traço é
um dos destaques da série, que tem como protagonistas diversos animais
em situações que refletem uma constante crítica social e buscam a reflexão,
além de satirizar figuras políticas da época.
É considerada uma das primeiras tiras "intelectuais".
Frank e Ernest: A dupla protagonista da série faz de tudo: são
mendigos, vendedores, vigaristas, médicos e aparecem em muitos outros
papéis. Criação do cartunista e psicologista norte-americano Bob Thaves,
foi publicada em inúmeros jornais e países diversos.
Eek e Meek: Criada por Howie Schneider em 1965, a tira apresenta
dois ratinhos numa reflexão do dia-a-dia. Da mesma "escola" de Peanuts
e tantas outras da época, em que as idéias são mais importantes que a
arte em si.
Schneider também é o criador de O Circo de P.T.Bimbo, outra série
publicada na Patota, que tem como protagonistas diversos artistas
circenses.
Charlie Brown: Um dos maiores êxitos de todos os tempos nos comics,
a turma de Charlie Brown e em especial o cãozinho Snoopy são conhecidos
mundialmente, seja pelos quadrinhos ou pelos inúmeros itens de merchandising
que estampam.
Falar de Snoopy renderia uma matéria à parte. A criação de Charles
Schulz, que surgiu em 1950, é, junto com Pogo, uma das primeiras
tirinhas ditas "intelectuais", ultrapassou fronteiras e tornou-se um fenômeno
mundial, estabelecendo a tendência de boa parte das tiras de jornais dali
em diante.
Não só isso, foi objeto de estudos acadêmicos, teses de mestrado e discussões
sociológicas.
O fracassado Charlie Brown, a mandona Lucy, o adorável Snoopy, o atrapalhado
Linus e muitos outros personagens garantiram bons momentos de reflexão
e entretenimento para gerações de leitores.
Hagar: O "terrível" guerreiro viking, criação de Dik Browne, é
outro personagem de sucesso perene - mais que merecido, além de sempre
ter marcado presença em jornais e revistas Brasil afora.
A maior graça provém de suas características peculiares: não gosta de
tomar banho e só quer saber de comer e beber. O personagem tem muito do
próprio criador.
Difícil não rir com as pilhagens e monstros fantásticos que Hagar encontra
pelo caminho, quando não tem que livrar dos problemas provocados pelo
atrapalhado Eddie Sortudo, pela filha que só pensa em se casar, pelo filho
que não tem a menor vocação para guerreiro, e ainda mentir para a esposa,
da qual morre de medo.
Os Desligados: De Howard Post, chegou a ter revista própria no
Brasil, com o título Os Náufragos. E, como o nome diz, mostra dois
rapazes perdidos numa ilha.
Por tudo acima relatado, a revista Patota teve papel significativo
na trajetória dos quadrinhos no Brasil, em especial pelo seu foco nas
tiras, gênero fundamental da rica trajetória das HQs em nosso País.
E, convenhamos, pelo timaço que compunha suas páginas, a Patota
realmente fazia jus ao nome.
Marcelo Naranjo gosta do termo "patota". Isso porque ele é daquela época em que era possível comprar Riquinho, Brotoeja, Bolinha, Luluzinha, Mortadelo e Salaminho e muitos outros títulos nas bancas. Faz tempo, hein?.