Recordando Akira: as capas e a história da série na Editora Globo
Em uma época que pouco se sabia sobre os mangás, a obra de Katsuhiro Otomo conquistou os leitores brasileiros
Ano de 2015. A Editora JBC anuncia a republicação de Akira no Brasil.
Ano de 1990. O boom de quadrinhos voltados para adultos no Brasil, a partir do lançamento de O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller, ainda era algo recente, com cerca de três anos. O fã de mangá, com exceção dos poucos que acompanhavam no idioma original, era inexistente, pois quase nada do gênero era publicado por aqui, salvo uma ou outra tentativa isolada, como, por exemplo, alguns números de O Lobo Solitário (Cedibra e Nova Sampa) e Crying Freeman (Nova Sampa).
Nessa época, a Editora Globo também ousava nos quadrinhos. Sandman já fazia sucesso entre o público mais “maduro”. A série Graphic Globo tinha alguns números lançados. Dreadstar, de Jim Starlin, era publicado como formatinho. E Akira tinha sua primeira edição em bancas, em dezembro de 1990.
Katsuhiro Otomo, o criador, nasceu em 1954, no Japão. Fez sucesso com histórias curtas. Sua primeira trama em formato de saga foi Fireball, seguida por Domu, que explora um conflito entre duas pessoas com poderes psíquicos, e Akira, seu maior êxito. Posteriormente, criou outras obras, com destaque para The Legend of Mother Sarah, em que assinou apenas o roteiro.
No Brasil, somente o leitor contumaz fazia ideia da publicação da série no seu início. Ou talvez nem ele. Propaganda? No máximo era feita nas outras revistas em quadrinhos da editora, como em uma matéria de quatro páginas publicada em Sandman # 10, como é possível conferir nas imagens desta coluna, logo abaixo.
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Muitos leitores e colecionadores de sorte que chegavam às bancas e encontravam o primeiro número do título nem sequer fazia ideia do que seria aquele material – lembrando que Internet ainda era uma realidade distante.
A versão da Globo, cuja redação de quadrinhos era comandada por Leandro Luigi Del Manto, era a ocidental, em cores e com o nosso sentido de leitura, da direita para esquerda, baseada no material da Epic Comics, da Marvel. Na época, a HQ foi pintada nos Estados Unidos por Steve Oliff, e pode-se dizer que o fato fez parte dos “primórdios” da colorização por computador.
Uma matéria publicada na revista Akira no Brasil contava sobre todo o processo, como é possível conferir resumidamente a seguir.
Antes de enviar as artes para a Epic, o estúdio de Otomo removia todos os balões e onomatopeias. As páginas então eram invertidas por meio de um processo fotográfico e enviadas para a editora norte-americana junto com uma tradução do roteiro.
O processo não era nada fácil. A Epic recebia aos poucos a tradução em inglês dos volumes japoneses, feita por duas funcionárias da Kodansha, em Tóquio. As edições eram divididas em partes de 64 páginas, pelo editor do título na época, Archie Goodwin.
A tradução de cada número, com uma cópia da arte, era enviada para Jo Duffy (editora e roteirista da Marvel), que “americanizava” o texto, tentando não perder os elementos japoneses. Ela então completava as páginas com atenção às onomatopeias de efeitos sonoros e a fluência da linguagem.
Duffy marcava os lugares da arte onde os balões de texto deveriam entrar. O roteiro era então enviado ao escritório da Epic, no qual a editora Margaret Clark fazia uma checagem e enviava de volta para a Kodansha para aprovação.
O roteiro retornava para Duffy, com as mudanças e correções solicitadas, e daí seguia para Michael Higgins, que fazia novos balões antes de fazer as letras. Os balões precisavam ser encaixados de forma a combinar com os já existentes, desenhados por Otomo.
Higgins mandava as letras e as provas da arte original para a Epic, que seguiam para produção. Lá, os balões eram recortados e aplicados de acordo com as indicações de Jo Duffy. Em seguida, uma cópia da arte era enviada novamente à Kodansha para aprovação e retornava com correções – problemas de falas trocadas, letras incorretas ou um complemento de arte, por exemplo.
Finalmente, a arte em preto e branco era enviada para Steve Oliff e sua equipe na empresa Olyoptics para o processo de colorização. Com canetinhas, aerógrafo e guache, Oliff pintava todas as provas. As guias-cores eram mandadas para Otomo aprovar.
Nesse meio tempo, a Epic enviava as páginas já com as letras para a Olyoptics, que utilizava um software próprio, desenvolvido pela Pixelcraft. Oliff e sua equipe aplicavam as cores em cada página já no computador.
Depois, tudo era enviado para a empresa responsável pelo fotolito, a Network Color, que providenciava provas para a equipe da Epic examinar, corrigir, mandar de volta e só então o filme final era enviado para a gráfica – mas antes era feita uma última revisão.
Uma doideira. Mas que funcionava na época. O título foi a primeira HQ do mundo a utilizar esse sistema computadorizado. A Espanha e a França também publicaram versões similares à da Epic.
As capas da Globo foram redesenhadas e coloridas por aqui pelo dinamarquês radicado no Brasil Kim Oluf, por encomenda da editora.
Os leitores e colecionadores ficaram assustados em setembro de 1993, quando, para desespero geral, a revista sumiu das bancas após a publicação do número # 33. Somente no “retorno” da publicação de Akira, em dezembro de 1997, tudo seria explicado por uma nota dos editores com o motivo da parada de publicação por todo esse tempo.
Segundo a nota, na época que a Marvel fechou contrato com a Kodansha, a série ainda não havia terminado. Com o sucesso do longa-metragem de animação e dos brinquedos e outros produtos no Japão, a produção de quadrinhos passou a ter atrasos, chegando ao ponto de os norte-americanos não terem mais material trabalhar e, por consequência o Brasil, já que tudo vinha de lá.
A Marvel decidiu só retomar a série quando o autor terminasse toda a história. Após um longo hiato, ele a encerrou. O material foi enviado para colorização, mas Otomo resolveu mudar muita coisa nas cores, causando novos atrasos.
Na sequência, os europeus tinham prioridade e o Brasil teve que esperar a liberação dos fotolitos norte-americanos, o que também demorou. Só então o título voltaria a ser publicado.
Assim, o título seguiu até o final no Brasil, com o número # 38.
A história de Akira se passa em Neo-Tokyo, no ano de 2030, após a Terceira Guerra Mundial. O mundo está se reconstruindo e a cidade planeja a realização de uma Olimpíada no local onde caiu a primeira das bombas.
Num passeio de moto, um bando de adolescentes arruaceiros liderados por Kaneda encontra uma estranha criança com habilidades terríveis, o Número 26. Ele fere Tetsuo, melhor amigo de Kaneda, e desaparece.
O Número 26 pertence a um grupo de pessoas similares a crianças, com impressionantes habilidades telecinéticas. O mais perigoso deles é Akira, que foi colocado em sono induzido, para evitar a possível destruição do mundo.
Após o acidente, Tetsuo passa a apresentar poderes terríveis até então latentes, e tudo indica que será ele o responsável por acordar Akira.
Enquanto o exército, encabeçado pelo Coronel, briga com um grupo de opositores que pretende libertar os paranormais, Kaneda é envolvido numa espiral de perigos e aventuras que o levará a enfrentar seu ex-amigo Tetsuo.
A trama segue num crescendo inimaginável, com o terrível potencial dos paranormais colocando todo o planeta em perigo.
Precisa dizer mais? Imperdível.
Marcelo Naranjo, que contou com a colaboração de Sérgio Codespoti neste artigo, volta e meia grita "Kanedaaaaaa!" ou "Tetsuooooo!" e todo mundo acha que ele ficou maluco. Agora ele sabe que, em breve, não estará mais sozinho nessa estranha mania.