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A Estrela do Deserto – Tomos 1 e 2

Editora Edições Asa / Público€ 6,90 (à época da publicação)112 páginasLançado em fevereiro de 2008
Stephen Desberg (roteiro) e Enrico Marini (arte) – Originalmente, na França, em L’Etoile du desert Tome 1 e L’Etoile du desert Tome 2 (tradução de João Silva).
16 agosto 2021

Sinopse

Matthew Montgomery é um alto funcionário público do governo dos Estados Unidos, austero, metódico, conservador, respeitador rigoroso das regras vigentes e firme na crença de que um homem deve agir conforme as expectativas da sociedade. Ele enxerga a civilização como o epítome do mundo; e seus valores urbanos garantem sua superioridade sobre a selvageria além de suas fronteiras.

Porém, um crime brutal cometido contra sua família desmonta todo o equilíbrio de sua vida e o lançará em uma obsessiva jornada de vingança em meio às terras sem lei do Oeste selvagem.

Positivo/Negativo

As Edições Asa, em parceria com o periódico Público, levaram semanalmente a Portugal a Colecção Grandes Autores da Banda Desenhada. Cada edição foi dedicada a um nome ou dupla seminal da mídia e trouxe dois de seus álbuns de referência. O sexto volume apresentou a primeira parceria da dupla criativa da série O Escorpião.

Esta edição compila os dois volumes feitos por Marini e Desberg (há outros dois, publicados em 2016, mas com desenhos por Hugues Labiano), em um arco fechado e sem pontas soltas.

O trabalho editorial é consistente, mas não luxuoso. A capa cartão de boa qualidade traz orelhas de grande tamanho, com a biografia dos autores em cada uma. Economizando espaço, mas sem prejuízo sensível, a segunda e terceira capas trazem, respectivamente, um texto introdutório pelo jornalista Carlos Pessoa e uma propaganda com todos os títulos da coleção, enquanto os versos das orelhas apresentam a sinopse dos dois álbuns e o expediente da publicação.

O papel e a impressão estão à altura da arte, assim como o formato 21 x 29 cm. A capa conta com uma bonita ilustração, a mesma do segundo tomo francês, mas, aqui, seguindo o padrão da coleção, os nomes dos autores têm grande destaque, enquanto o título da obra é difícil de ser notado, em fonte pequena, sem destaque algum. Por mais que a proposta seja destacar os criadores, não faz sentido esconder qual história se publica.

Em boa parte dos trabalhos que carregam os traços e cores de Enrico Marini, sua arte sobressai ao roteiro, mas não é o caso aqui. Desberg entrega uma trama densa e tensa, em um western vingativo, que foge aos clichês do gênero e com um terceiro ato que pega o leitor no contrapé sequencialmente, até o final.

Nada aqui é preto no branco, mas há possibilidades de redenção e evolução após o caos. O protagonista não é o herói infalível, o pistoleiro dos dedos mais rápidos e mira mais certeira, muito menos um ex-bandido em busca de redenção. Ora, não é nem mesmo um caubói! Mas sim um homem que, se não atrai simpatia, conquista a empatia do leitor.  Porque ninguém merece passar pelo que ele passou.

Arrancado de sua vida estável por uma barbárie que não compreende, o homem lança-se em busca de esclarecimento e reparação a uma das inúmeras cidades sem lei da fronteira, que as estradas de ferro prometiam pacificar, ao levar os valores, progresso e ideais civilizados norte-americanos.

O autor consegue construir bem um ambiente inóspito, impiedoso e cruel, comandado por Jason Cauldray, um chefe de gangue frio e psicopata e seus cinco tenentes. Ao longo da trajetória, entende-se que, assim como Matt, sua jornada naquele lugar também é fruto de uma construção doentia de seu passado. Ninguém merece passar pelo que ele passou

A indígena Topeka será um elo importante para guiar esta jornada de vingança, ainda que uma aliada relutante. Marcada por numerosas tragédias e decepções, ela apresenta força e coragem para buscar tentando sua liberdade. E, assim como todas as mulheres retratadas na obra, sofre com a crueldade e a ganância dos homens. Ninguém merece passar pelo que elas passaram.

Já a arte de Enrico Marini, sempre espetacular, apresenta algo diferente. Não há as tradicionais sequências de ação com amplo movimento e câmeras dinâmicas. Sua narrativa gráfica tem por característica ser cinematográfica. Mas aqui temos um faroeste, e ele se adequa à linguagem do cinema do gênero.

A visão das cenas alterna entre os planos abertos em paisagens deslumbrantes, nos panoramas das cidades ou na apresentação do hall do saloon local, com os claustrofóbicos pequenos ambientes e curtos espaços onde a ação mano a mano ocorre. Não há saltos e giros, mas emboscadas, socos viscerais, saques e disparos céleres.

Marini domina sua ação de acordo com o que a trama pede, sempre magistralmente. O visual dos personagens é primoroso. Genial quando coloca Sean Connery no papel principal (ótima sacada, pois traz carisma a um personagem duro), quando expressa a individualidade de cada um dos capangas sem precisar do texto, quando desenvolve a aparência assustadora e bizarra do antagonista, quando retrata beleza das mulheres.

O único ponto fraco é que, por vezes, parece querer trazer sensualidade em momentos de violência sexual, o que, se era comum no passado, hoje cai com muito mau gosto aos olhos. Mas essa culpa não recai apenas sobre o desenhista, pois o roteiro também é bem problemático no desenrolar de algumas dessas cenas.

É parcialmente compreensível o receio de editoras nacionais em trazer as aventuras do Escorpião, na mais famosa e longeva série desta dupla ao Brasil. Afinal, a série ainda está inacabada e possui vários volumes.

A Estrela do Deserto, entretanto, não faz sentido não ter saído por aqui. Suas 110 páginas de um belíssimo conto franco-belga do Velho Oeste não são nenhum desafio para qualquer editora com uma boa capacidade de divulgação e comunicação com os leitores.

Classificação:

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