À SOMBRA DAS TORRES AUSENTES
Autores: Art Spiegelman (roteiro e desenhos).
Preço: R$ 78,00
Número de páginas: 40
Data de lançamento: Setembro de 2004
Sinopse: Art Spiegelman, o único artista a ganhar um prêmio Pulitzer com uma história em quadrinhos (a espetacular Maus), volta a produzir um livro só de HQs, para tentar retratar o que se passou com os estadunidenses após os atentados de 11 de setembro de 2001, que mataram mais de três mil pessoas.
Bem diferente da imensa maioria dos cidadãos dos Estados Unidos, Spiegelman faz uma crítica contundente a George W. Bush e seu modelo de governo, e também à xenofobia que tomou conta das pessoas, em relação a outros povos.
Positivo/Negativo: Um primor. Assim pode ser definido este álbum recém-lançado no Brasil. Não apenas pelo conteúdo, mas também pelo acabamento gráfico. Nas últimas duas décadas, nenhuma edição de quadrinhos lançada no País teve tamanho esmero.
O álbum é o canal que Art Spiegelman encontrou para expressar sua revolta. No texto de abertura, ele admite que "o desastre é sua musa". Revoltado com a forma com que George W. Bush estava capitalizando a tragédia do WTC em prol de uma invasão ao Iraque, decidiu dar vazão a esse sentimento usando os quadrinhos.
No entanto, esse sueco nascido em Estocolmo em 1948 mora em Nova York desde os três anos de idade. Por isso, sabia bem que, especialmente naquele momento, nenhum editor seria louco o suficiente para publicar algo do gênero. Foi aí que, no início de 2002, seu amigo Michael Naumann, editor do semanário alemão Die Zeit, lhe ofereceu as amplas páginas do jornal para lançar sua série.
Mais: lhe garantia os direitos para publicação em outras línguas e dava total liberdade. Ou seja, nada de interferência editorial. Spiegelman não precisava de mais nada. Mesmo assim, não deixa de ser irônico o fato de justamente os alemães, tão criticados pelo autor em Maus, serem os alavancadores deste seu importante trabalho.
Durante um ano e meio (seu ritmo de produção é muito lento), o autor publicou dez pranchas coloridas, nas quais mistura sua experiência pessoal com a tragédia com a neurose que tomou conta das pessoas desde os atentados. Não demorou muito para que periódicos da Europa comprassem a obra. Contudo, nos Estados Unidos, nenhum grande jornal a quis, apenas o semanário judaico Forward. Por que será?
Aliás, foi nessa época que Art Spiegelman se desligou da revista The New Yorker, com a qual colaborava há anos com textos e desenhos (a capa do álbum, inclusive, foi uma capa feita para o título), por considerá-la conivente com o quadro político armado por Bush.
Na obra, Spiegelman se retrata sempre como um paranóico. E não era pra menos. No dia anterior aos ataques, ele e sua mulher, Françoise Mouly, editora de arte da revista The New Yorker, matricularam a filha numa escola situada aos pés do World Trade Center. Quando viram na TV a primeira torre ser atingida pelo avião, partiram para o local desesperados e encontraram de Nadja pouco antes do segundo edifício desabar. Em seguida, correram para pegar o outro filho, Dashiell, na escola das Nações Unidas. É quase possível sentir a angústia do casal.
Spiegelman bate pesado no governo Bush. E várias vezes. Mas sempre de modo inteligente. Numa cena, ele se esconde sob a bandeira do país e pensa: "Eu deveria me sentir mais seguro aqui embaixo, mas - Droga! - não consigo ver nada!".
Numa outra passagem, critica os cidadãos, conclamando-os a fundarem o Partido do Avestruz e pedindo que eles se levantem e enfiem sua cabeça na terra, numa alusão à falta de vontade (ou de inteligência) dos norte-americanos para enxergar o que realmente acontecia ao seu redor.
E em diversos pontos das histórias (sempre de duas páginas), o autor faz questão de lembrar que Bush foi "eleito" de modo bastante escuso - lembra-se da confusão, até hoje não esclarecida, da votação contra Al Gore? O texto de Spiegelman é afiado. Frases como "Todo paraíso tem sua serpente e temos que aprender a viver em paz com a tal serpente. Eu ainda estou tentando chegar lá..." são uma constante.
Spiegelman faz tudo isso de um modo extremamente criativo. Com um traço mais voltado ao humor, ele teve a sacada de usar personagens clássicos das tiras de jornais para ajudá-lo a contar o que estava vivendo.
Assim, o autor se desenha à semelhança de ícones dos quadrinhos, como Happy Hooligan, Pafúncio e Krazy Kat. Isso se contar que "fazem uma ponta" nas páginas personagens como Little Orphan Annie, Doonesburry, Charlie Brown, Marocas, Little Nemo, Dudu (coadjuvante de Popeye) e outros. Em alguns momentos, Spiegelman volta a se retratar com feições de rato, como fez com todos os judeus em Maus.
Pra completar a magnitude de À Sombra das Torres Ausentes, há um texto sobre o surgimento dos suplementos de quadrinhos nos jornais dos Estados Unidos e também a reprodução de sete pranchas de clássicos das tiras como Pafúncio e Marocas, Little Nemo, Hogan´s Alley (onde surgiu o Yellow Kid) e a impagável Os altos e baixos da Senhorita Lovekins e do velho Muffardo, que no último quadro passava a ser lida de cabeça para baixo (e as cenas faziam sentido!), voltando para o começo da história. Na última página, dezenas de manchetes de veículos de comunicação dos Estados Unidos sobre fatos acontecidos antes e depois dos atentados.
Depois de Maus, Art Spiegelman nunca mais havia se dedicado a um projeto totalmente seu de quadrinhos. O autor se limitava a pequenas histórias, como a que fez na coletânea Little Lit, também lançada aqui pela Companhia das Letras. Mas ele, definitivamente, não perdeu a mão!
A Companhia das Letras foi extremamente veloz na produção do álbum, lançando-o aqui pouco mais de um mês após sair nos Estados Unidos. Além disso, graficamente, a edição nacional foi impressa nos mesmos moldes do restante do mundo: formato gigante (25,4 x 35,6 cm), páginas em papel cartonado com um milímetro de espessura e plastificadas e reserva de verniz em vários pontos do livro.
É verdade que isso tornou o álbum caro, mas é um daqueles lançamentos que vale cada centavo e merece lugar de destaque na estante de qualquer apreciador de bons quadrinhos. Há apenas dois irrisórios erros de hifenização no texto sobre os suplementos, que não tira em nada o brilho do livro.
Por isso, desde já, À Sombra das Torres Ausentes é candidatíssimo ao Troféu HQ Mix em categorias como edição especial, projeto gráfico, projeto editorial, roteirista e outras.
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