ABOBRINHAS DA BRASILÔNIA
Editora: Circo - Edição especial
Autor:Glauco (texto e arte).
Preço: não consta da edição
Número de páginas: 80
Data de lançamento: 1985
Sinopse
Seleção de cartuns de Glauco sobre o cotidiano social e político do Brasil na primeira metade da década de 1980.
Positivo/Negativo
A carreira de Glauco Villas-Boas, que foi brutalmente assassinado, na companhia de seu filho Raoni, na semana passada, sempre esteve ligada aos cartuns. Foi por meio deles que conseguiu seu primeiro emprego na área, seu primeiro prêmio no Salão de Humor de Piracicaba e seu reconhecimento junto àqueles que não acompanhavam seu trabalho com personagens próprios.
Em 1985, ano de publicação de Abobrinhas da Brasilônia, o Brasil vivia seu maior momento de efervescência política das últimas décadas. Um presidente civil era eleito, ainda que indiretamente, no famigerado Colégio Eleitoral de Brasília. Saía a ditadura militar, um dos maiores períodos de exceção da História nacional, entrava a Nova República e sua liberdade facilmente misturada com libertinagem. De repente, tudo era possível.
De muitos modos, era como se o desbunde do início dos anos 1970 se estendesse ampla e irrestritamente para todos os ramos da sociedade brasileira.
No entanto, de fato, a essência da nação não havia mudado, ainda mais de uma hora para outra. Ainda existia muita burocracia. Os políticos permaneciam com seu sistema de favores andando de mãos dadas com a corrupção. O povo continuava curtindo o carnaval, os filhos não se davam com os pais, as enchentes assolavam as cidades etc.
No meio de tudo, um artista em construção.
O Glauco deste livro ainda estava em princípio de carreira, inventando caminhos, abrindo o seu espaço dentro de um estado de exceção. Abobrinhas da Brasilônia compila o melhor de seus trabalhos iniciais na Folha de S.Paulo, publicados entre 1977 e 1984. Mais importante: ignora a ordem cronológica e mostra, além da criatividade em profusão do cartunista, a homogeneidade de um país que, ainda hoje, facilmente se reconhece nessas 80 páginas. O que, definitivamente, não é um elogio.
Não há um cartum ruim. E Glauco é pontual: acerta ao falar diretamente sobre sexualidade, drogas e a continuidade da revolução social que culminaria na liberdade que 1985 efetivou nos corações e mentes de uma geração brasileira.
Ainda que muitos daqueles sonhos não tenham frutificado, que os ideais hippies tenham várias vezes sido massacrados pelo estilo de vida yuppie, algo persiste entre aqueles que viveram aquele momento de transição. Pois, no fundo, cabe a eles relembrar, quando necessário, que a liberdade de hoje foi paga a duras penas.
O prefácio de Angeli, sobre a descoberta de Glauco, seu princípio de carreira, é exemplar por não ser apenas informativo, mas por ilustrar a amizade entre esses dois grandes artistas nacionais.
Um detalhe interessante sobre a edição resenhada (a terceira) é que, mesmo não sendo nada infantil, foi patrocinada pela Fundação para o Livro Escolar da Secretaria da Educação, do governo Franco Montoro.
Para quem não se lembra, Montoro foi o primeiro governador de São Paulo eleito após a reinstituição do pluripartidarismo no Brasil e representava, à época, ideais democráticos muito fortes para a época.
Se o livro de Glauco fosse hoje selecionado para os programas de livros das secretarias de educação do Brasil, talvez batesse de frente com o politicamente correto. E com comentários como os do atual governador de São Paulo, José Serra, sobre o álbum Dez na área, um na banheira e ninguém no gol, duramente criticado por ter sido selecionado de maneira inadequada para um desses programas.
O politicamente incorreto vive constantemente no trabalho de Glauco. Vive, não vivia, pois sua obra é, e continuará sendo, por muito tempo atual e reflexiva sobre um país que muitas vezes reluta em se tornar tão bom quando pode ser, quanto seu povo merece que seja.
Agora, o que se pode fazer é lembrar dessa vitalidade. Assim, é dado o exemplo e se pode cobrar que a justiça, em todos os sentidos possíveis, seja feita.
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