Alvar Mayor – A lenda do Eldorado e outras histórias
Editora: Lorentz – Edição especial
Autores: Carlos Trillo (roteiro) e Enrique Breccia (arte) – Originalmente em Alvar Mayor (Tradução de J.P. Rolim).
Preço: R$ 54,50
Número de páginas: 224
Data de lançamento: Abril de 2019
Sinopse
Alvar Mayor foi um dos primeiros brancos nascidos no Novo Mundo e trabalha como guia pela América Latina. Com um senso de ética muito apurado, ele se vê obrigado a intervir nos acontecimentos que atravessam o seu caminho.
Na companhia do índio Tihuo, trava uma guerra pessoal à crueldade dos descendentes espanhóis contra os nativos peruanos, além de partir em busca do mítico Eldorado.
Positivo/Negativo
Acotovelando seu lugar na estante brasileira, um dos clássicos das historietas argentinas ressurge após a vinda de material inédito no ano passado, como Mort Cinder e Crimes e Castigos (ambos da editora Figura).
Bebendo da fonte do realismo mágico de nomes como os argentinos Júlio Cortázar (1914-1984) e Jorge Luis Borges (1899-1986), guardando espaço no cantil para as histórias escritas com sangue dos tempos da colonização, Carlos Trillo (1943-2011) narra em breves histórias (18 neste volume) as aventuras de Alvar Mayor, mestiço nascido na América Latina do Século 16.
Filho de um dos homens do exército invasor do espanhol Francisco Pizarro (1476-1541), Mayor se tornou o melhor guia da América Latina. Suas andanças são contadas em breves histórias independentes, o mesmo formato no qual Trillo narrava obras como Cicca Dum-Dum e Clara da Noite (lançadas por aqui pela Zarabatana).
Apesar de serem autocontidas, as narrações têm uma ou outra interligação, vide a busca do Eldorado, um dos mais ambiciosos objetivos do explorador, ou a presença da personagem Lucia, que aparece no meio do volume e fica até o seu final.
Nesta primeira coletânea, com histórias produzidas entre 1976 e 1978, o poder de síntese de Trillo é tão robusto quanto a sua pesquisa, mostrando o resultado de uma sociedade imposta pelos chamados “adelantados”, os responsáveis pela colonização e que acabaram representando o poder nessas terras.
Com violência, crueldade e aspereza, o leitor é testemunha do preconceito e da injustiça contra os nativos, as mulheres e minorias, como a representada numa marginalizada trupe de atores mambembes.
Mas também são colocadas doses de humor quixotesco, bem como reflexões bastante “fora da curva”, como mostrar que, por vezes, até o nativo pode ser cruel e intolerante com o desconhecido e outros “deuses”.
Em alguns pontos, os mais altos são orquestrados com muito lirismo e poesia, sempre conduzida com a mão pesada de valores universais e até filosóficos (há uma bela homenagem ao poeta Homero em uma das HQs).
Mesmo assim, ainda há a presença de espíritos das características narrativas datadas da época, o que não assombra o cerne das histórias contadas pela dupla argentina.
A maior ajuda nessa área é a arte bela e sólida de Enrique Breccia, que perde apenas para o pai, Alberto, com certeza a sua maior inspiração. Ele sabe muito bem explorar dramaticamente os planos abertos e fechados, horizontais e verticais, equilibrando tudo com seu jogo de luz e sombra bem marcado no nanquim.
A pureza dos seus contrastes evidencia toda a beleza da pesquisa de cenários, vestimentas, adereços e armamentos da época. Sem falar dos delírios oníricos e surreais, a expressão de pavor iluminada por uma bruxuleante vela, a lenta tensão da aproximação de uma adaga contra o peito, a trajetória e o impacto de uma besta, ou a solidão sombria demarcada por uma floresta contrastada pela delicadeza de uma borboleta.
Com fatalismo e poesia, Trillo e Breccia fazem do protagonista um personagem intrigante: ele possui um senso de justiça, que norteia sua bússola moral, mas também há nele a cobiça, mesmo que exista uma lógica em aceitar ser guia de pessoas gananciosas, porém equitativamente inescrupulosas.
Por aqui, Alvar Mayor chegou a ser lançado em alguns números da revista Skorpio (da Vecchi, homenagem a publicação argentina homônima que saía o personagem), em 1980; e na revista Aventura e Ficção (Abril), em 1988. Como curiosidade, meia dúzia de aventuras também chegou a sair na finada Selecções BD (2ª série, Meribérica), coletânea portuguesa que era comercializada no Brasil, no final dos anos 1990.
Com formato 20,3 x 27,6 cm, em capa dura e uma excelente impressão em off-set, esse primeiro volume da Lorentz, infelizmente, apresenta uma série de equívocos e problemas na sua edição.
Pouco atrativa, a escolha da capa – que chega a “rivalizar” com as da Figura de Sharaz-De, do Toppi – não faz jus à arte de Enrique Breccia e está totalmente pixelada pela ampliação da imagem interna. Igualmente a escolha de duas imagens para serem as guardas ficou sem impacto e harmonia.
Dentro, uma imprensada e breve “introdução” poderia muito bem ter sido colocada na quarta capa, cuja informação praticamente não diz nada de mais (fala de histórias inéditas e que são escritas por Trillo e com arte de Breccia).
Fisicamente, a abertura da edição não é boa, apesar de ser costurada, fazendo com que a base “estufe” com o manuseio.
Há também muitos erros de revisão, como palavras compostas sem hífen (“quartel general”), o uso de "por que" e "porque" e acentos graves equivocados, mau emprego da vírgula e um “vêem” conjugado errado, com acento.
Independentemente desses pontos negativos (que derrubaram a nota deste volume), é incontestável e assertiva a decisão da editora de promover esse resgate de uma obra tão importante e singular, que representa historicamente a passagem de grandes autores e enredos na América Latina.
Classificação:
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