Quando Jeph Loeb e Jim Lee produziram o arco de histórias Silêncio, para a revista mensal de Batman, nos Estados Unidos, em 2002, a DC Comics dava sinais de que passaria a escalar seus criadores mais renomados não para minisséries ou edições especiais, mas para os títulos regulares de seus personagens principais.

Mas não foi exatamente o que se seguiu, como provou anos depois a linha de quadrinhos Grandes Astros, por exemplo. Seja como for, muitas vezes as histórias mais memoráveis surgem de onde menos se espera.

O roteirista Scott Snyder, até pouco tempo, era praticamente um desconhecido no universo dos gibis, e é ele quem apresenta a saga mais espetacular do Cavaleiro das Trevas nos últimos tempos, na companhia dos ilustradores Jock e Francesco Francavilla.

Compilando tramas publicadas originalmente em Detective Comics (que estão saindo no Brasil em A Sombra de Batman), o encadernado de capa dura Batman - The Black Mirror é leitura recomendada para os fãs do Morcego e todos os leitores que apreciem altas doses de suspense numa narrativa de tirar o fôlego.

Tomando como ponto de partida os eventos produzidos por Grant Morrison em sua longa temporada à frente dos personagens, o álbum apresenta o ex-Robin Dick Grayson sob o capuz do vigilante, mas a trama é tão sombria e angustiante que ninguém sente falta de Bruce Wayne.

Vale dizer que Snyder não se vale do artifício comum de mostrar o Morcego substituto cheio de dúvidas e inseguranças, numa tendência irritante de diversos roteiristas nessa fase da vida do herói. Grayson aqui está no auge de sua forma, e vive sua aventura definitiva como Batman.

O que mais impressiona, no entanto, é a forma como o roteirista caracteriza cada elemento de Gotham City, que é a personagem central de The Black Mirror, dos chefões do crime organizado aos homens da lei. O clima é sempre tenso, carregado de violência e drama psicológico - tudo o que se espera de uma boa história do detetive encapuzado.

Um dos elementos que mais se destaca na trama é o retorno do quase esquecido filho do Comissário Gordon, James Gordon Jr. O personagem foi introduzido por Frank Miller em Batman - Ano Um, e poucas vezes mencionado desde então.

Snyder o coloca no centro das atenções, e a suspeita de que ele seria um psicopata irrecuperável atinge o coração e a alma dos justiceiros de Gotham. O autor conduz a narrativa lentamente, com flashbacks que levam o leitor a questionar a veracidade dos fatos. Situações bem construídas e crimes paralelos só aumentam o grau do mistério.

Por mexer com questões familiares e degradação da alma humana, The Black Mirror revela-se uma das histórias mais emotivas e contundentes do Cavaleiro das Trevas nos últimos tempos, embora tenda mais para o convencional em seu desfecho. A participação do Coringa também é marcante, jogando nas alturas o nível de intensidade do texto.

Jock e Francesco Francavilla estão longe de serem desenhistas badalados, mas realizam um trabalho muito competente. Talvez seja por não carregar grandes expectativas que ambos surpreendam tanto, lembrando um pouco o estilo de Michael Lark em Gotham City contra o crime. O ponto alto da edição em termos de arte é a cena do interrogatório do Coringa - nada menos que assustadora!

A edição conta ainda com esboços dos dois ilustradores e páginas do roteiro. Depois dessa elogiada fase de histórias do Batman, Scott Snyder foi mantido como escritor regular do título principal do herói após o reboot da DC Comics, e segue como uma das revelações recentes nos quadrinhos de super-heróis. Nada mais indicado do que conferir esta saga para entender o motivo.