Café
Editora: independente – Edição especial
Autor: Gabriel Jardim (roteiro e desenhos).
Preço: R$ 25,00
Número de páginas: 88
Data de lançamento: Maio de 2014
Sinopse
Joanna é uma garota que sofre bullying na escola, o chinês Huang é um diretor de creche que também executa um papel muito perturbador e Café é um mendigo viciado em tomar a bebida que lhe dá o apelido e em contar suas histórias.
Positivo/Negativo
Primeira obra de Gabriel Jardim, Café é dividida em três partes interligadas, nas qual se acompanha um personagem específico em cada uma.
O álbum também é separado por experimentalismos na arte. O primeiro capítulo é mais estilizado, apresentado em lineart, o segundo é mais sombrio, carregado no nanquim, e o terceiro mostra os tons de cinzas da aguada.
Os recortes mostram momentos decisivos na vida dos três personagens. A primeira explora um problema comum nas escolas desde sempre: a violência física e psicológica constante entre os alunos.
Mesmo subentendendo que Joanna sofre as perseguições diariamente, existe um excesso de bullying para justificar os atos da garota. Um atropelo forçado de exageros, pois a todo momento a vida lhe dá sopapos para se rebelar.
A história fica mais interessante na segunda parte, na qual existe um clima misterioso na apresentação de um personagem fetichista e incomum, com direito a todo um mise-en-scène.
Estranhamente falando de forma rimada e rebuscada, o chinês Huang também declama na sua cabeça os versos do escritor Álvares de Azevedo (1831-1852) enquanto cautelosamente faz suas vítimas sexuais.
Mas, por curiosidade, a nacionalidade e a máscara veneziana do personagem lembram vagamente o chinês de Cachalote, de Daniel Galera e Rafael Coutinho.
Apesar de Huang ter sua personalidade mais definida, o personagem mais bem trabalhado no álbum é Café, o mendigo da derradeira história, em que as narrativas se cruzam.
Os seus “causos” são o ponto alto, principalmente quando o quadrinhista emprega um bom ritmo trabalhado na diagramação e angulação (um virtuosismo também vistos nas outras partes).
Em contrapartida aos seus méritos e maturidades narrativas, Jardim tem um grave problema no desfecho de Café. O motivo principal está no clímax nas últimas páginas: ele não oferece espaço para ser desenvolvido de forma natural e orgânica o elo com os demais personagens.
Após todas as contações de Café em troca de comida na praça, o autor “espreme” de maneira imediata e sistemática um trauma chave presente na vida do personagem, que – por uma coincidência pra lá de forçada – serve de consequência para ter um desfecho e, consequentemente, uma unidade das histórias independentes.
Para justificar o final, os motivos foram apresentados mecanicamente, sem deixar a narrativa “respirar”. Fora o mise-en-scène, que não casa com a erudição do mendigo (e funciona melhor com a personalidade psicótica do chinês), quando ele tomba de joelhos às lágrimas, no melhor dos clichês da tragédia.
Sobre a revisão, Café tem uma economia de vírgulas e um “l” a mais no Álvares de Azevedo, quando é identificado no rodapé do segundo tomo. Fora esses pequenos tropeços, a HQ tem uma editoração que não deve a nenhuma editora, com direito a capa cartonada com aplique de verniz e orelhas, uma boa impressão em papel couché e pin-ups de artistas convidados como material extra.
Em suma, Gabriel Jardim é um nome para se prestar atenção nos próximos trabalhos. Com méritos de um bom domínio artístico e narrativo, ele tende a amadurecer como roteirista para acertar o ponto de “ebulição” para se contar uma história interessante e deixar o leitor vidrado nas suas páginas, como uma boa dose de cafeína.
Classificação