Cangaço Overdrive
Editora: Draco – Edição especial
Autores: Zé Wellington (roteiro), Walter Geovani (layout), Luiz Carlos B. Freitas (desenhos), Rob Lean (arte-final), Dika Araújo, Tiago Barsa e Mariane Gusmão (cores).
Preço: R$ 37,90
Número de páginas: 72
Data de lançamento: Abril de 2018
Sinopse
Em um futuro possível, o Ceará enfrenta sua maior seca em séculos. Uma terra esquecida pelo governo e dominada pelos interesses dos conglomerados empresariais é o cenário árido onde um lendário cangaceiro e um impiedoso coronel são reanimados para continuar a peleja que deixaram no passado.
Positivo/Negativo
Em 2015, o cearense Zé Wellington foi o vencedor do troféu HQ Mix na categoria Novo Talento Roteirista, por seu trabalho na graphic novel Steampunk Ladies – Vingança a Vapor, contando uma história no subgênero da ficção científica que mostra avanços tecnológicos imaginários ocorrendo no Século 19, quando a matriz energética era fundamentalmente a água aquecida em caldeiras para mover pistões e engrenagens.
Em 2018, o roteirista volta a publicar um novo álbum, pela mesma Editora Draco do anterior, mas voltando sua atenção a outro membro da família punk. Cangaço Overdrive se passa em um futuro próximo e tem todas as marcações da estética cyberpunk, que ficou conhecida pelo lema “low life, high tech”, ou seja, em tradução livre, “baixas condições de vida, alta tecnologia”.
O cenário é um Ceará futurista que enfrenta uma seca com mais de uma década de duração e que produziu uma migração em massa, deixando o território nas mãos de grandes corporações capitalistas. Tentando sobreviver neste ambiente inóspito, um grupo de fora-da-lei intercepta uma carga fortemente protegida pela corrupta polícia daquela época.
Ao abrir o contêiner conquistado depois de muita troca de tiro, os jovens se deparam com Cotiara, um legítimo cangaceiro, uma daquelas figuras mitológicas que levaram o terror a regiões nordestinas durante a primeira metade do século passado.
A questão é que não se trata de um corpo embalsamado ou algo do tipo. Cem anos depois de conviver com Lampião e Maria Bonita e de ser caçado pelos volantes (o nome dado aos soldados com tal missão naqueles tempos), Cotiara surge revivido e com diversos implantes físicos e mentais da mais alta tecnologia disponível.
Não demora muito para o cangaceiro descobrir que não é o único de sua época a ter passado por uma ressurreição científica. O coronel Avelino, um volante com quem ele tem muitas contas pendentes, também está na ativa e diretamente envolvido na perseguição aos pretensos aliados de Cotiara no Século 21. Ou seja: a peleja vai ser retomada um século depois, mas com diversos upgrades além dos trabucos e facões.
A proposta de Zé Wellington, portanto, é reencenar a estética cyberpunk em um território em que ele conhece bem. Originalmente, as histórias cyber de autores americanos têm um fascínio gigantesco por temáticas japonesas, principalmente pela figura do samurai. É assim em romances como Neuromancer, de William Gibson, e Snow Crash, de Neal Stephenson, ou mesmo em séries de filmes como Robocop e Matrix.
O que o brasileiro fez foi substituir uma figura mítica por outra e escolheu justamente os cangaceiros, que, com sua moral dúbia e estética tão particular, casam perfeitamente com essa nova reimaginação.
O forte da narrativa proposta é o fato de os recordatórios serem boa parte do tempo contados em forma de cordel, aquela forma de poesia popular de rimas ágeis consagrada por autores como Patativa do Assaré (1909-2002), inspiração confessa do roteirista. Em outros momentos, surgem nas páginas comentários que imitam tweets de órgãos da imprensa e de influenciadores digitais, o que reforça a temática do choque entre o antigo e o futurista.
A obra só alcança a força que tem pela legitimidade de seus criadores. Zé Wellington, natural de Sobral, cidade a 230 quilômetros de distância da capital Fortaleza, conseguiu recursos de uma lei de incentivo do governo do Ceará para poder unir e remunerar um grupo de colaboradores de seu projeto.
Foi assim que Walter Geovani (de Limoeiro do Norte, a 166 quilômetros de Fortaleza), artista que começou colaborando com o brasileiro Ed Benes e já desenhou a revista Red Sonja, da Dynamite, na elogiada fase escrita por Gail Simone, cuidou do layout das páginas.
Já o desenho de Cangaço Overdrive ficou por conta de Luiz Carlos B. Freitas (de Quixeré, a 196 quilômetros de Fortaleza), que deu os primeiros passos nos quadrinhos como auxiliar de arte de Geovani em Red Sonja. E a arte-final foi assinada por outro cidadão de Limoeiro do Norte, Rob Lean, com passagem em várias revistas da DC Comics, como Superman, Flash e Birds of Prey.
Finalizado o material, o roteirista enviou a obra para ser publicada e distribuída pela Draco, editora paulista com a qual trabalhou antes não apenas no premiado Steampunk Ladies, mas também na graphic novel de 2014 Quem Matou João Ninguém?, além de ter colaborado como escritor em coletâneas de contos.
Provavelmente por parte da editora vem um deslize que vale a pena comentar: é uma pena que o texto que aparece na contracapa seja uma repetição um pouco resumida das mesmas informações de uma das orelhas do álbum.
Da mesma forma que, na outra orelha, os dados biográficos de Wellington e de Geovani já tinham sido vistos anteriormente na página 71, ao lado dos outros colaboradores da graphic novel.
Com isso, se desperdiçou espaço que poderia ser utilizado para outros tipos de extras, seja para falar do passado do cangaço ou do futurismo do cyberpunk, por exemplo.
Classificação:
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