Confins do Universo 216 - Editoras brasileiras # 6: Que Figura!
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Cinema

20 maio 2016

CinemaEditora: Abril – Edição especial

Autores: Francesco Artibani, Tito Faraci, Bruno Enna, Massimo Marconi, Marco Ponti, Roberto Gagnor (roteiro), Paolo Mottura, Corrado Mastantuono, Fabio Celoni (desenhos), Giorgio Cavazzano (roteiro e desenhos).

Preço: R$ 49,90

Número de páginas: 384

Data de lançamento: Outubro de 2015

Sinopse

Personagens da Disney protagonizam releituras livres de histórias famosas do cinema.

Positivo/Negativo

O texto introdutório do jornalista Marcelo Alencar já admite que seria impossível colocar em um mesmo volume a maioria das adaptações que a Disney fez de sucessos do cinema, desde, pelo menos, os anos 1960.

Esta edição, que faz parte da série em capa dura da Abril, optou, então, por um recorte: são todas HQs italianas; uma de 1987, duas dos anos 1990 e as outras cinco com menos de uma década de “vida”. A pesquisa e seleção de histórias é de Paulo Maffia, com colaboração de José Rivaldo Ribeiro e Edenilson Rodrigues, do site Planeta Gibi.

Abre com uma versão impressionante de Moby Dick – embora haja uma “licença poética”, já que a história é muito mais famosa pelo romance de Herman Melville, de 1851, do que pela versão para cinema dirigida por John Huston em 1956.

Mas vá lá. A qualidade da HQ de 2013 compensa muito isso. Paolo Mottura curiosamente assina desenhos muito mais rebuscados aqui do que em A volta à doce vida, de 2012, que revisita o superclássico A Doce Vida (1960), de Federico Fellini, e aparece mais à frente na edição.

É a Família Pato que interpreta os personagens de Moby Dick. Donald narra a trama como o marinheiro Ismael e o Tio Patinhas é o capitão Quackhab, obcecado em caçar a gigantesca baleia. A comédia é embalada em um tom épico paródico que às vezes ofusca as piadas mais diretas (como a participação de Huguinho, Zezinho e Luizinho), sobressaindo mesmo o grande visual.

O tratamento de cor busca realçar luz e sombra para um efeito mais tridimensional. O estilo aparece também em Drácula de Bram Ratoker, de 2012, na qual Mickey e sua turma interpretam os personagens do romance vampiresco de Bram Stoker, que teve várias versões no cinema – a mais próxima da HQ (e do livro) é a de Francis Ford Coppola, de 1992.

A proximidade entre essas duas histórias, no que diz respeito ao tom da narrativa, ao rebuscamento do desenho e ao uso da cor, é curiosa, pois nem o roteirista e nem o desenhista são os mesmos (Bruno Enna e Fabio Celoni aqui; Francesco Artibano e Mottura em Moby Dick).

Chamam a atenção também os momentos em que a versão Disney precisou driblar momentos mais fortes da história – que, afinal, envolve violência e sensualidade. As referências a sangue, claro, eram impensáveis. Viraram, em uma adaptação meio contorcionista, beterraba!

Mas há momentos em que os autores surpreendentemente escolheram não se esquivar (mesmo que reduzindo o tom): a cena em que as servas de Drácula seduzem o agente imobiliário está nesta versão Disney.

Outra curiosidade é que Drácula é interpretado pelo Mancha Negra (porém em sua nada memorável versão sem máscara – ele reaparece assim em outras duas histórias da edição).

O cinema italiano naturalmente aparece com destaque. Duas aventuras fazem referência ao maior dos cineastas de lá (e da história do cinema): Fellini. São elas a já citada A volta à doce vida e A estrada da vida (adaptação do filme de 1954).

As duas são de autores diferentes, mas seguem um esquema próximo. Ambas têm Fellini como personagem e não se resumem a parodiar os filmes em questão, mas apostam mais na metalinguagem.

Em A estrada da vida, de 1991, o cineasta está a caminho de Hollywood (seu filme recebeu a indicação ao Oscar) e sonha com Mickey e sua turma. Com coerência, seu sonho traz o ratinho de sua infância: ainda de calças curtas, com o visual de suas primeiras aparições.

Com visível reverência, a HQ (com roteiro de Massimo Marconi e desenhos de Giorgio Cavazzano) faz Minnie convencer o cineasta e sua esposa, a atriz Giulietta Masina, a deixarem os ratinhos fazerem os papéis na filmagem. Bafo-de-Onça é o brutamontes Zamapanó que arrasta a frágil Gelsomina para seus shows mambembes.

A volta à doce vida se passa na filmagem de uma nova versão do longa, com Mickey no papel que foi de Marcello Mastroianni e Minnie como a diva vivida pela sueca Anita Ekberg – com direito à recriação da antológica cena em que a atriz se banha na Fontana di Trevi, em Roma.

A história alterna sequências em cores e outras, em que as cenas do filme são reproduzidas, em tom azulado.

O expediente de evocar o preto e branco original aparece em outro dos grandes momentos do álbum: a adaptação de Casablanca. Com roteiro e desenhos de Cavazzano, a paródia é em tom sépia do começo ao fim, em um belíssimo trabalho visual e de fidelidade admirável ao filme original.

Aqui também havia elementos delicados na trama original que a HQ precisou amenizar ou mudar: alguma violência, mas principalmente a questão do adultério. Mas a história é basicamente a mesma: Mickey reinterpreta Humphrey Bogart como o dono amargurado do bar na cidade marroquina de Casablanca.

O local é o ponto onde os fugitivos (do nazismo, no original; de um país fictício chamado Zircônia, aqui) podem conseguir salvos-condutos para Lisboa para, de lá, alcançar os Estados Unidos. O mundo seguro de Mickey é abalado quando entra no bar um amor antigo (Minnie, claro), que o havia abandonado anos antes.

Quem rouba a cena é o Pateta, fazendo as vezes do pianista Sam. A HQ não deixa de colocar em sua voz as canções que o ator Dooley Wilson interpreta no filme.

Mais três histórias completam o álbum. A lenda do pianista do mar é baseada em outro filme italiano, desta vez mais recente: de 1998, dirigido por Giuseppe Tornatore, e foi adaptada dez anos depois. Não é popular como Drácula de Bram Stoker e nem clássico como A Estrada da Vida. Possivelmente, é a que, bem ou mal, mais depende de si mesma.

No entanto, seu tom de fábula fascina. Com roteiro de Tito Faraci e desenhos de Cavazzano, é centrada no Pateta como o pianista tão talentoso quanto misterioso que mora em um navio.

A segunda é O resgate do Vapor Willie, de 1998, com roteiro de Artibani e Faraci e desenhos de Corrado Mastantuono, e celebrava os 70 anos de Steamboat Willie, curta-metragem animado que teve a estreia do Mickey (e também é o primeiro desenho animado sonoro do cinema).

Não é uma adaptação. Aqui, Mickey e Bafo, protagonistas do curta, retornam ao local onde o barco afundou para resgatá-lo. É uma boa aventura, que se destaca por mostrar os rivais formando uma parceria e refletindo um pouco sobre si mesmos, não sem uma ponta de melancolia.

Fechando a edição, A viagem surreal pelo destino volta aos tempos da colaboração do espanhol Salvador Dalí, ícone do surrealismo, com os estúdios Disney, em 1946. Daí deveria ter saído o curta animado Destino, mas o projeto ficou inacabado – foi concluído pelo estúdio em 1999.

Na história, Mickey, Pateta e Donald, em suas versões mais antigas, testemunham o encontro de Disney e Dalí e seu trabalho conjunto. A HQ italiana – com roteiro de Gagnor e desenhos de Cavazzano – foi lançada em 2010 e, além de se divertir bastante com a figura do artista espanhol, se esforça para fazer jus às suas ideias.

Também procura imaginar um desfecho poético e não pessimista para justificar que a parceria não resultou em uma obra acabada. É uma pequena e bela homenagem tanto a Dalí quanto ao próprio Disney.

A edição da Abril conta com um texto introdutório sobre esta HQ, também de Marcelo Alencar. Vale lembrar que a editora lançou, na sua série temática em formatinho – cada uma com cerca de 300 páginas – uma edição com o mesmo título. Mas Casablanca é a única história que coincide.

Fica a vontade de que um segundo volume esteja nos planos da Abril. Material não falta – inclusive, de outros países e diversas épocas.

Classificação

5,0

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