DAYTRIPPER
Editora: Panini Comics - Edição especial
Autores: Fábio Moon e Gabriel Bá (roteiro e arte), Dave Stewart (cores) e Érico Assis (tradução) - Publicado originalmente em Daytripper # 1 a # 10.
Preço: R$ 62,00
Número de páginas: 256
Data de lançamento: Setembro de 2011
Sinopse
Brás de Oliva Domingos sonha ser um escritor de sucesso para compor histórias celebrando a vida. Enquanto isso não acontece, escreve obituários e vive à sombra do pai, um autor renomado internacionalmente.
Os dias passam, amores e amizades passam, tristezas e alegrias passam. As únicas constantes são a fragilidade e a certeza de que cada dia pode ser o último.
Positivo/Negativo
Daytripper tem méritos que ultrapassam as qualidades da obra em si.
A história de Brás Domingos conquistou espaço dentro do competitivo mercado norte-americano, liderando listas de best-sellers e ganhando os significativos prêmios Eisner e Eagle. Portanto, é um marco não apenas na carreira dos autores Moon e Bá, mas também na história dos quadrinhos brasileiros.
Publicada originalmente pela Vertigo como uma série mensal em dez partes, entre dezembro de 2009 e setembro de 2010, foi relançada como encadernado em fevereiro de 2011.
O volume lançado pela Panini reproduz integralmente o conteúdo da coletânea, mas com um cuidado primoroso: papel de ótima qualidade e capa dura.
A história em quadrinhos é formalmente irretocável. Os autores dominam a linguagem sequencial como poucos e conduzem a narrativa com precisão.
Vale destacar o cuidado com a reprodução dos detalhes das diversas épocas da vida de Brás. São cenários, roupas, celulares, computadores, automóveis, móveis e outros objetos desenhados com tanto cuidado que carregam em si memórias e trazem lembranças ao leitor que teve a oportunidade de viver momento semelhante.
A leitura da história em português parece torná-la ainda melhor, mais autêntica. Portanto, apesar do preço salgado, vale a pena investir na edição nacional.
Importante: daqui em diante, esta resenha apresenta uma série de comentários que podem conter spoilers e estragar surpresas do álbum.
Para começar, uma curiosidade: comparado com trabalhos anteriores de Moon e Bá, Daytripper é o que parece ter mais palavrões nas falas dos seus personagens.
As palavras "porra", "caralho", "filho da puta", "merda" e outras são empregadas com moderação, mas estão lá. Causam estranheza ao leitor acostumado com a aura de "pureza" que havia em obras anteriores, como Mesa para dois e Meu coração, não sei por que., mas conferem mais veracidade aos diálogos.
Estabelece-se aqui uma comparação com as histórias publicadas pelos autores no formato de álbuns, mas é fácil perceber uma coerência de proposta narrativa que permeia toda a produção autoral de Fábio Moon e Gabriel Bá.
Tanto nas tiras da série Quase nada, quanto nas histórias curtas de Crítica, passando pelas tramas mais longas, os autores retomam com frequência o tema (ou a moral): "aproveite o momento e faça alguma coisa para marcá-lo, senão será como se ele nunca tivesse existido".
Também convém destacar que as ficções de Bá e Moon apresentam mundos que parecem o nosso, mas são muito mais belos e cheios de poesia. Mundos onde parece que a maior tristeza que há é o amor não correspondido.
Em Daytripper, a ideia de "aproveite o momento e faça alguma coisa" é levada ao máximo com o acréscimo do conceito "porque ele pode ser o último". Tudo isso ganha uma força contundente com as muitas "mortes" de Brás e é reforçado pelos "obituários" que permeiam a obra.
O personagem apresenta uma série de conflitos interessantes.
Sua relação de admiração e competição com o genitor é mostrada já no capítulo um: o leitor encontra o protagonista lendo com desgosto a notícia de que seu pai será homenageado. "Enquanto lia o jornal logo cedo naquela manhã, Brás teve várias sensações... nenhuma agradável", conta o narrador.
A mágoa se deve ao fato do pai, Benedito de Oliva Domingos, ter esquecido ("de novo") um compromisso "imperdível, inadiável": o aniversário de Brás. Data não lembrada também pela mãe, que o chama de "Milagrinho".
Nesse primeiro momento, Brás se apresenta como um personagem de grande fragilidade emotiva, sensível, carente, inseguro, um tanto egoísta e, principalmente, insatisfeito com o rumo profissional que sua vida tomou.
Nos próximos capítulos da trama é construída solidamente a admiração que sente pelo pai. A relação de afeto, ainda que distante, é mostrada nos diálogos ou nos sentimentos que Brás demonstra na ausência de Benedito.
O sonho de tornar-se um escritor mistura-se ao desejo de ter atenção e conquistar o respeito do pai tornando-se seu igual.
Vaidade também é uma das forças motrizes do sonho de Brás. Não basta ser um escritor, é preciso ser "famoso". Ter o reconhecimento de seus pares, ser admirado, dar autógrafos no avião.
Essas características somadas ao romantismo, paixão pela vida e uma crença profunda na amizade, dão a Brás uma dimensão maior que a dos personagens criados anteriormente pelos autores.
Cada um dos dez capítulos possui um tema específico e, embora faça parte de um todo coerente, pode ser lido como uma história independente. Como narram épocas específicas da vida do protagonista, recebem como título números que equivalem à idade representada. Escolher os melhores episódios acaba se tornando uma questão subjetiva.
Destaca-se, por exemplo, o capítulo quatro: 41, em que Brás mergulha num complexo turbilhão de emoções com o falecimento do pai, coincidindo com o nascimento do filho. O modo como ele desliza sem controle entre extremos de alegria e tristeza, realização e frustração, é apresentado de maneira cativante.
É difícil que o leitor não se identifique com algum dos momentos retratados da vida de Brás. A empatia é uma das maiores características de Daytripper e, com certeza, vai influenciar na preferência entre uma história e outra.
Um personagem muito interessante é Jorge, o melhor amigo de Brás. Ele parece estar muito bem resolvido com a vida. Trabalha com fotografia, adora o que faz, parece feliz. Em vários momentos, dá apoio, bons conselhos e inspira o protagonista. É a personificação do lema "aproveite o momento e faça alguma coisa".
Então acontece o capítulo seis, 33, no qual é retratado o acidente aéreo. Fundamental para o estalo literário de Brás, a tragédia marca Jorge profundamente. Tendo perdido o voo por pouco, ele subitamente se dá conta de que em sua vida, apesar de todas as coisas boas, não há nada de "extraordinário", "nada que importe de verdade".
"Eu tô perdendo tempo", ele diz, e desaparece para ser encontrado por Brás cinco anos depois, louco e vivendo praticamente como um mendigo na praia. O que era o "extraordinário" que faltava na vida de Jorge? É preciso procurar extremos de significação para justificar a existência? Uma vida simples e boa não é o bastante? Ou sucesso e felicidade eram meras máscaras para uma existência vazia?
Difícil aceitar que um personagem que parecia tão bem resolvido iria implodir desse jeito, mesmo diante de tão terrível tragédia. Talvez Jorge seja a transposição de uma história verídica. Mas, como personagem, as razões de seu colapso não são exploradas. A ruína de uma vida aparentemente feliz não é desenvolvida dramaticamente.
Finalmente, há a questão da veracidade. No posfácio, Fábio Moon comenta que o difícil não era criar um mundo que parecesse real, mas sim um que o leitor "sentisse" real.
A maioria dos diálogos do livro são muito elaborados, bonitos, cheios de lirismo e reflexões. Faz parte do estilo dos autores e é coerente com o todo de sua obra. Entretanto, fica a impressão de que na vida real ninguém fala daquele jeito o tempo todo.
Por exemplo, ao conhecer sua futura namorada, Olinda, Brás imediatamente começa uma conversa filosófica sobre solidão e planos. Causa estranheza que dois estranhos flertem com frases tão refinadas e profundas.
Quase a totalidade dos personagens principais, na maioria do tempo, têm uma expressão tranquila, um olhar sereno e um leve sorriso nos lábios. Parece que felicidade é o seu estado natural.
Em Daytripper, prevalece o sentimento de que, embora a morte possa acontecer a qualquer momento, a vida é boa e os sonhos são importantes e podem (e vão) se realizar.
Apesar das eventuais tragédias, tudo dá certo. É um mundo lindo que parece não conhecer desespero, fracasso, miséria, desigualdades, injustiças ou tédio. Um mundo que muitos leitores realmente "sentem" e gostariam que fosse real.
Classificação: