Destino Adiado
Originalmente em Le Sursis – L’Intégrale (tradução de Denise Schittine).
Sinopse
Na França, em plena Segunda Guerra Mundial, o jovem malandro Julien foge de ser enviado a combater na Alemanha e retorna ao seu vilarejo natal, onde trata de ficar escondido numa casa abandonada.
Não sabia, porém, que o trem que o levaria ao front seria bombardeado pelos Aliados. E como seus documentos são encontrados nos destroços, ele tem sua morte declarada.
Sem escolha, a não ser permanecer escondido (só uma tia sabe que Julien está ali) e torcer pela libertação do seu país do jugo alemão, acompanhar das sombras o desenrolar da vida que um dia foi sua e suspirar pela bela Cécile. Ou ser descoberto e executado como um desertor, pelos milicianos que colaboram com a invasão nazista.
Positivo/Negativo
Para boa parte dos leitores brasileiros, Jean-Pierre Gibrat será compra garantida, a partir desta publicação. Este mestre da bande dessinée (como as histórias em quadrinhos são conhecidos no mercado franco-belga), condecorado pelo Ministério da Cultura da França como cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras em 2014, passava amplamente ignorado pelos aficionados da Nona Arte nestas terras.
Destino Adiado é sua primeira publicação de vulto no país e, ao final da leitura, é difícil de entender como demorou tanto a chegar.
Editorialmente, a Pipoca & Nanquim faz um belíssimo trabalho. A qualidade gráfica é excelente. O álbum é grande, valoriza as ilustrações, com papel de alta qualidade e capa dura, com sensação suave ao toque. A história foi publicada em dois tomos, no final da década de 1990, mas a edição nacional os compila como em Le Sursis – L’Intégrale, de 2010, da editora Dupuis.
Como extras, há uma belíssima galeria de ilustrações, com rascunhos e aquarelas, incluindo-se as capas dos volumes originais e a imagem dupla que ilustra a deste. Ao final, há notas de tradução interessantíssimas, que ajudam a melhor contextualizar passagens da história, bem como uma biografia do autor.
A arte, espetacular, não é novidade. Suas imagens deslumbrantes circularam amplamente nos meios de divulgação de quadrinhos. Vale ressaltar, entretanto, que se trata de um dos poucos artistas que conseguem transmitir sinestesia nos desenhos.
A imersão na vida cotidiana de um vilarejo francês não seria tão completa, se não conseguisse o leitor sentir o frescor da primavera, o calor das tardes no bistrô local, a noite gélida do inverno trazendo sua espiral de desastres, a textura da pele e a consistência dos corpos dos seus personagens.
Por sinal, os traços destes são ímpares e reconhecíveis; suas expressões, críveis; suas emoções, identificáveis sem a necessidade do texto.
E que texto! Gibrat consegue, com seu romance gráfico (poucas obras em quadrinhos merecem tanto esta denominação) fazer imergir no cotidiano da pequena Cambeyrac, vila na França ocupada durante os anos de 1943 e 1944. O autor o faz com mestria, transformando quem lê em testemunha do cotidiano de uma pacata comunidade interiorana, quebrado aqui e acolá pelos ventos da guerra, que ao soprar, deixam estragos.
Gibrat tece personalidades e vozes para os moradores, tão singulares quanto seus desenhos. Os personagens crescem ao longo do álbum. E o leitor afeiçoa-se ou desenvolve ojeriza de quase todos. Mesmos os poucos vistos com indiferença, é como se os conhecesse. E isso o faz saborear a assumida posição de voyeur dos dias e pessoas pitorescas de uma localidade ordinária, em tempos nada ordinários.
O final da obra, verdade seja dita, é indigesto. Daqueles que deixa o leitor ruminando um bom tempo. Mas, ao fazer isso, acaba-se por digeri-lo e absorvê-lo. Extrai-se dele que destinos, ao serem adiados, abrem possibilidades. Seja de redenções, mudanças de intenções ou, mais que tudo, de vivências das quais nunca se deve abrir mão de experimentar. Assim como ler este álbum e importar-se tanto com essas pessoas de grafite e tinta.
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