DIAS DA MEIA-NOITE
Título: DIAS DA MEIA-NOITE (Pixel
Media) - Edição especial
Autores: Jack in the Green - Neil Gaiman (texto), Steve Bissette (desenhos) e John Totleben (arte-final);
Me Abraça - Neil Gaiman (texto) e Dave McKean (arte);
Sandman - Teatro da Meia-Noite - Neil Gaiman (argumento e texto), Matt Wagner (argumento e roteiro) e Teddy Kristiansen (arte).
Preço: R$ 49,90
Número de páginas: 112
Data de lançamento: Maio de 2007
Sinopse: O álbum reúne três histórias que Neil Gaiman fez para o selo Vertigo.
Jack in the Green - Um elemental ancestral do Monstro do Pântano encontra a peste negra na Europa.
Me Abraça - O espírito de um mendigo que morreu de frio assombra o prédio em que mora uma conhecida de John Constantine.
Sandman - Teatro da Meia-Noite - Wesley Dodds, o Sandman da Era de Ouro, vai a Londres tentar resolver um caso de chantagem, mas depara com um grupo que pratica Alta Magia - e aprisionou Lorde Morpheus.
Positivo/Negativo: Antes de tudo, é preciso lembrar que Neil Gaiman tem mais do que um espaço na História das HQs. Graças a Sandman, o roteirista rompeu barreiras e influenciou toda a cultura pop.
De repente, havia garotas (garotas!) vestidas como a Morte nas ruas. Aliás, antes de Sandman, muito menos mulheres liam quadrinhos. Por causa da irmã mais velha de Sonho, ankhs ganharam mais e mais espaço em lojas de bijuterias esotéricas. Teses foram escritas sobre Lorde Morpheus. Gaiman fez um álbum com Alice Cooper, influenciou outro de Tori Amos e virou queridinho de vários músicos.
Capista de Sandman, Dave McKean virou designer de uma série de CDs. O sucesso influenciou até mesmo a carreira literária de Gaiman, cujos romances ocuparam as listas dos mais vendidos e ganham espaço nobre nas vitrines de livrarias.
Hoje, ele é um ídolo pop - basta lembrar das filas que suas sessões de autógrafos geraram (não só) aqui no Brasil. Dos autores egressos das HQs norte-americanas, Gaiman provavelmente só perde em popularidade para Stan Lee. E olhe lá.
Por isso, coleções como a reedição completa de Sandman, que está saindo pela Conrad, chamam a atenção de um público que não é o leitor habitual de HQs. Tem gente que, de quadrinhos, só lê Sandman. Não lê X-Men, não lê Corto Maltese, não lê o Universo HQ e nem freqüenta fóruns. Que provavelmente não comprou as histórias deste álbum antes (duas das três já lançadas no Brasil). Que não tem contato algum com o mundo da arte seqüencial. Mas lê Sandman e Neil Gaiman. E ama.
Nos fóruns de quadrinhos, houve uma ampla divulgação, ainda antes do lançamento, de que Dias da Meia-Noite não corresponde ao álbum original norte-americano, Neil Gaiman's Midnight Days. Na versão brasileira, que marca a estréia dos álbuns de luxo da Pixel, há duas histórias a menos.
Como foi exaustivamente explicado pelos editores da Pixel, foi uma opção editorial: as duas histórias que ficaram de fora seriam "mais fracas". Acabariam encarecendo a edição. Além disso, podem vir a sair na Pixel Magazine.
Tudo muito justo, não fosse por um detalhe. No expediente aparece "Título Original: Neil Gaiman's Midnight Days". Sem nenhuma menção às duas histórias excluídas - em lugar algum do álbum. Também não diz nada como "histórias selecionadas de Neil Gaiman's Midnight Days". Ou seja: o álbum se assume como uma tradução de Neil Gaiman's Midnight Days. E, supostamente, deveria conter todas as histórias, página a página, do original.
Não se trata de picuinha. Os dois lados da sociedade que forma a Pixel têm vasta experiência e competência na área editorial. E sabem que publicar um livro chamado Contos de James Joyce ou Seleção de Os Dublinenses é bem diferente de publicar Os Dublinenses. Quando se publica Os Dublinenses, espera-se uma obra fechada, com exatamente os mesmos contos que a edição original contém.
Parece detalhe. Mas não é: a impressão que fica é de que, nos quadrinhos, pode tudo. Até dizer que o produto é o que não é.
De novo: no caso de Neil Gaiman, dizer que o corte foi alertado porque se falou em fóruns de quadrinhos ou no blog da editora é um equívoco. O bacana de trabalhar com um autor desses é justamente ele atingir gente que não está nem aí para HQs. E que, portanto, não viu aviso algum.
No miolo, a omissão repercute: a introdução escrita por Gaiman foi incluída. E o terceiro parágrafo acabou ficando esquisito - ele fala de um punhado de histórias. Mas há apenas três lá dentro.
Feita a restrição, o trabalho da Pixel marca uma estréia memorável. A edição segue os padrões estabelecidos pela Conrad para a reedição de Sandman - capa dura, papel couché, formato 19 x 28 cm (um pouco maior que o americano), impressão perfeita. Há mais coincidências: a capa de Dave McKean, o bom trabalho de design do miolo e até mesmo a tradutora, Ana Ban, é a mesma de Prelúdios & Noturnos e do volume dedicado à Morte.
Antes de cada história, há uma apresentação de Neil Gaiman, que sempre dá uma contextualizada.
Jack in the Green, por exemplo, foi escrita como um teste anos atrás, submetido à editora da Vertigo, Karen Berger, com aval do próprio Alan Moore. Contudo, só foi desenhada pela dupla Bissette e Totleben (da fase de Moore no Monstro do Pântano) em 1999, para a edição norte-americana de Dias da Meia-Noite. Tem apenas oito páginas. É única HQ que não tinha saído no Brasil.
E ser inédita é o maior mérito, infelizmente, de Jack in the Green. Não é uma história com o mesmo brilho e cuidado das outras. Curta, não dá espaço de a premissa ser desenvolvida.
Me Abraça saiu no título regular de John Constantine, Hellblazer, agora publicado mensalmente no Brasil na Pixel Magazine. Tem como bônus e maior apelo a parceria de Gaiman com Dave McKean.
Apesar de trabalharem juntos nas capas de Sandman, há poucos roteiros de Gaiman ilustrados por ele no selo Vertigo. Há mais e melhores encontros nas HQs independentes como Mr. Punch, Signal to Noise e Violent Cases, todas estranhamente inéditas no país.
Trata-se de uma história tocante sobre miséria, com arte fenomenal. Tanto que faz até o durão Constantine se curvar. Ela disputa com Teatro da Meia-Noite o título de melhor HQ do álbum.
A história do encontro dos Sandmen não é Gaiman puro. Tem roteiro de Matt Wagner. Gaiman ficou responsável pelo texto - por sinal, boa parte dele escrito em quartos de hotéis aqui mesmo, no Brasil.
É, enfim, uma HQ empolgante do Sandman da Era de Ouro de Wagner, um belíssimo título que constou da antiga revista Vertigo, da Abril Jovem, nos anos 90. Lorde Morpheus faz uma participação especial, uma ponta. Mas a história não é gratuita - foi bem armada e amarrada. Tem, ainda por cima, a pintura de Kristiansen, um poderoso criador de climas.
No fim das contas, o álbum soma boas características para marcar a estréia da Pixel no formato: autor popular e cultuado, três times artísticos históricos e vigorosos e edição caprichada. O deslize estraga, mas não compromete a leitura - principalmente quando se está ao lado dos leitores alertados.
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