Confins do Universo 201 - Arigatô, sensei Akira Toriyama!
OUÇA
Reviews

DO INFERNO # 3

1 dezembro 2005


Título: DO INFERNO # 3 (Via Lettera) - Série em quatro volumes

Autores: Alan Moore (roteiro) e Eddie Campbell (arte).

Preço: R$ 39,00

Número de páginas: 160

Data de lançamento: Novembro de 2001

Sinopse: Prostitutas são abatidas e evisceradas pelo primeiro serial killer da História, a quem os jornais apelidaram de "Jack, o Estripador". Essa é Londres, no fatídico Outono de 1888.

Positivo/Negativo: Caro leitor, iniciamos nossa jornada tempos atrás ao adquirir, inadvertidamente, o primeiro dos quatro pesados álbuns da Via Lettera. Pesados como o ar daquele outono, carregado de estranha comoção, na ânsia de uma tragédia anunciada. Os sinais estavam lá, sim, para quem os pudesse enxergar.

Ao redor, escancaram-se os umbrais de dimensões sombrias profundas. É o inferno que nos cumprimenta. E nos convida a um passeio. O inferno não é Londres; não é Whitechapel; não é Jack. O inferno é a mente.

Ao mergulhar no inferno particular dos espectros gélidos de uma era curiosa, o leitor suga de seus dramas, de suas idéias, de suas ilusões, com a voracidade de súcubos nômades. É possível acompanhar a inovadora arte seqüencial de um novo tipo de artista, pondo a nu a realidade mais profunda de nossos corpos, expondo essa deslumbrante maquinaria. Assim seria não só a arte, mas todo o século XX, a estripar as estruturas, os paradigmas, os ideais de outrora.

E assim, mergulhando cada vez mais fundo, chega-se não o terceiro círculo, mas ao terceiro volume. Ele comporta os capítulos nove, dez e onze desse excêntrico, porém familiar, drama policial em dezesseis episódios.

Nesta edição são mostradas as infrutíferas investigações de Fred Aberlline, a sagacidade de seu desconhecido adversário e as inquietações de sua vítima. Assim, sabendo que Jack obtivera êxito em sua missão, cabe ao leitor, como a pobre Mary Kelly, entregar-se à terrível expectativa do inevitável assassinato derradeiro. E presenciar, a seguir, a escolha de um bode expiatório, como tentativa de aquietar os anseios da população por justiça.

Os talentosos Alan Moore e Eddie Campbell, autores desta obra rara de inestimável valor, sabem jogar com as emoções do público, trabalhando cada situação com um sentido particular. É uma trama com personalidade forte, que ora se oculta em reentrâncias cotidianas e enredos aparentemente triviais, como um romance de Jane Austen; ora explode com aspecto trágico reforçado por arroubos teatrais, para ser logo em seguida contido por esquemas sutis, típicos dos bons filmes de suspense. Mas não é literatura, teatro ou cinema. É quadrinhos, em sua máxima potência.

O ponto alto deste volume, em que se experimenta o uso preciso da linguagem HQ, são longas seqüências passo a passo, uma no fim do capítulo nove e a outra em grande parte do dez.

A primeira revela o entra e sai do quarto da vítima, na madrugada de 9 de novembro (dia do último assassinato), até o momento derradeiro do crime, sempre mantendo o mesmo enquadramento da porta, ao redor da qual se dá toda a ação, gerando no leitor uma expectativa cruel, pois sabe-se que Jack está chegando e anseia que Mary não esteja no local, mas ela estará, porque todos sabem como termina essa história. Ou julgamos saber. Afinal, os assassinatos já se deram, e as informações a seu respeito são amplas e conclusivas (será?).

A segunda acompanha, páginas a fio, detalhadamente, cada gesto do assassino, desde o golpe fatal à retira metódica dos órgãos. A arte de Eddie Campbell funciona de modo particularmente intrigante, ao mesmo tempo afastando e aproximando o leitor da humanidade da vítima, aberta e estudada com admiração por seu algoz.

Nos delírios do psicopata, Alan Moore atinge a excelência, trabalhando com a questão do tempo. Uma revivência de eventos importantes da vida do protagonista, seguida de uma visão do futuro do mundo (nosso presente) apresentam-se diante de Jack naquele quarto de Whitechapel, intensificando o ato em si inimaginavelmente, emprestando-lhe uma tal dimensão mística, quase divina, que é impossível não se deslumbrar por instantes com o caráter humano.

O discurso do criminoso diante dos espectros do século que ajudara a nascer (o XX) ressoa em nossa alma como as falas de V e as de Rorschach, outros grandes personagens de Alan Moore, mas sem o impacto seco da realidade histórica do serial killer.

Os que acreditam ser Watchmen a melhor obra de Moore (ou pior a melhor HQ de todos os tempos - geralmente, opinião exclusiva de leitores de super-heróis), que leiam Do Inferno, se puderem. É, sem sombra de dúvida, o mais bem realizado projeto do inglês já publicado no Brasil. Sua parceria com o conterrâneo Eddie Campbell é uma das mais felizes da nona arte.

Na resenha do próximo volume, prometo arrancar minhas próprias orelhas se ainda não estiver convencido a dar uma chance a essa maravilha pós-moderna.

Quanto à edição, algumas observações, relacionadas a seguir:

Página 48 - "...suma daqui antes que eu te dê um colabrinco!" O uso de uma gíria tão atual no século 18 soou estranho.

Página 100 - "...lampião à gás" (essa crase não existe).

Página 151 - É usada a palavra atercação, que não existe!

E no apêndice, página 153 (penúltima linha, primeiro bloco) - "...o estado mental em que sem (se) encontrava...". Além disso, os blocos estão desalinhados e falta algumas vírgulas.

Mas nada disso tira o brilho desta obra magnífica. Até o derradeiro capítulo.

Classificação:

4,0

Leia também
Já são mais de 570 leitores e ouvintes que apoiam o Universo HQ! Entre neste time!
APOIAR AGORA