El Vuelo del Cuervo – Tomos 1 e 2
Editora: Norma Editorial – Série em dois volumes
Autor: Jean-Pierre Gibrat (roteiro e arte) – Originalmente em Le Vol du Corbeau 1 e 2 (tradução para o espanhol de Albert Agut e Manel Domínguez).
Preço: € 10,00 (cada, preço da época)
Número de páginas: 56 (cada)
Data de lançamento: Novembro de 2002 e Maio de 2005
Sinopse
Paris ocupada, junho de 1944. Denunciada por carta anônima, uma jovem da Resistência chamada Jeanne acaba de ser presa pela polícia francesa. No mesmo dia, François, um cínico assaltante inescrupuloso também é apanhado e se encontra na mesma cela da delegacia de polícia.
Em virtude de um alerta geral de bombardeio, o casal escapa pelos telhados. A partir de então, num jogo do acaso e da necessidade, o destino dos dois, mesmo de mundos totalmente separados, parece selado – para melhor ou para pior.
A sorte não parece sorrir para eles quando o Himalaia – barco onde eles estão se escondendo, que pertence a René e Huguette, amigos de François – é confiscado pelos alemães para uma missão.
Ao mesmo tempo, o bom vigarista ajuda Jeanne na busca de informações sobre a sua irmã, que pode estar nas mãos dos nazistas.
Positivo/Negativo
O começo de El Vuelo del Cuervo (O Voo do Corvo, em português) se passa na exata manhã do desembarque dos Aliados na praia francesa da Normandia, o Dia D. O roteiro de Gibrat segue o padrão clássico do homem e da mulher que se encontram em um momento tenso de suas vidas e a princípio não se dão bem, até se acertarem com o desenrolar dos acontecimentos.
Boa parte do primeiro volume se passa nos telhados parisienses, colocando a cidade como uma espécie de terceiro personagem. Os detalhes aquarelados e as situações colocadas deduzem uma verdadeira homenagem do autor pelo lugar.
Esta sequência serve também como palco para reforçar o quanto eles têm pensamentos diferentes e se sustentam neles. François, por exemplo, demostra personalidade em admitir que não se importa com a guerra em si, o que parecia bem comum para muitos dos parisienses naquela época, quando sobreviver era a ordem do dia.
Todo o caráter das pessoas é trabalhado de forma quase despercebida no decorrer dos seus atos. Quando o garoto Nicolas – filho das pessoas que a acolheram – vai espiar a casa da irmã da Jeanne no lugar da própria, que o espera em um restaurante, ela pensa em abandoná-lo por estar demorando demais.
O esperto e boa pinta François, que a princípio parece não se importar com o destino da jovem militante, muito menos com a sua luta, termina se arriscando mais do que suas saídas à surdina pelas casas alheias. Quando o leitor pensa, lá pelo final do segundo e último volume, que as índoles de todos estão bem definidas, o quadrinhista francês prepara outras camadas para acrescentar.
Afinal, no quadro de uma importante cidade ocupada em plena guerra, pode florescer tanto atitudes benevolentes e generosas, como posturas egoístas e mesquinhas.
Mesmo apresentando situações tensas, como no fim do primeiro tomo, há muito humor nas páginas de El Vuelo del Cuervo. O destaque fica para a família formada por René, Huguette e o filho Nicolas, que acolhem François com sua nova companhia sem fazer perguntas, sempre brigando entre si, mas nunca de forma não amorosa.
Este é mais um ponto destoante que o ladrão tem em relação à jovem militante. Enquanto Jeanne se preocupa com a irmã de sangue, percebe-se que ele “escolheu” o casal de barqueiros como sua família. Em momento algum é tocado nas origens do rapaz, o que traz um despreocupado ar de mistério.
Apesar de ser uma história que pode ser lida de forma independente, esta obra tem certa ligação com Destino Adiado, que também tem a Segunda Guerra Mundial como cenário e foi produzido antes. O que Gibrat faz é alargar os horizontes sem interferir na espinha dorsal de cada enredo. É interessante o leitor seguir essa ordem dos álbuns.
Talvez a parte mais frágil no roteiro seja a inserção da peça Cyrano de Bergerac (1897), escrita por Edmond Rostand (1868-1918). A situação na qual a protagonista consegue um exemplar parece soar um pouco forçado, mas ao mesmo tempo pode refletir o que foi dito anteriormente sobre o quanto a guerra não seria tão importante para os “periféricos”.
Após isso, o papel desta obra também não parece tão orgânico na trama, apesar de ser vital para sustentar uma pequena revelação. Mas tudo isso é compensado com os muitos diálogos bem construídos e trabalhados ao longo dos dois tomos.
A expressiva arte de Gibrat é algo superlativo nas suas obras. A delicadeza com que ele trabalha as expressões, ações e feições de cada personagem, a clareza do brilho de cada olhar e o delicado uso das cores... Não se deve poupar adjetivos igualitários para o cuidado plástico com os cenários, como o lento movimento dos barcos no canal ou colocar em destaque um acessório como uma boina vermelha, peça que carrega um simbolismo importante mais adiante, na reta final da história.
Como consequência até natural, o segundo volume conquistou o Prêmio do Desenho (Prix du dessin, no original, em francês) do prestigiado Festival Internacional de Angoulême, em 2006.
Vale lembrar que este ano, sim em 2018, a versão norte-americana, Flight of the Raven, está concorrendo ao Eisner Awards na mesma categoria do álbum brasileiro Cumbe, de Marcelo D’Salete, como Melhor Edição de Material Estrangeiro.
Por aqui, infelizmente, o nome e as obras de Jean-Pierre Gibrat são praticamente desconhecidos. Muitos trabalhos do autor – tanto da sua fase apenas como desenhista, como da mais autoral – têm versões portuguesas por editoras como Meribérica-Liber, Vitamina BD e Asa, todas atualmente fora de catálogo.
Acessível mesmo é o estilo de Gibrat, com doses de romance, redenção, humor, suspense, tensão, tragédia e emoção. O contexto histórico é imprescindível como ponto de partida e “molde” para suas tramas, porém o mais substancial são essas pequenas histórias catadas em uma cidade que tem milhares de outras, mesmo sendo fictícias.
O que transforma esses relatos irreais em uma história em quadrinhos tão humana.
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